A Ultima Fuga 2

Conhecendo o Inimigo


–Eu vi o Sultão- diz Emily entrando no quarto

–Como?- diz Spencer

–Ele era o homem que estava me olhando ontem- diz Emily

–Emily você não vai nesta visita- diz Spencer

–Amor eu não vou desistir- diz Emily

–Eu não quero que nada de mau te aconteça- diz Spencer

–Nada de mau vai me acontecer- diz Emily- é só uma visita

–Você é muito corajosa- diz Spencer- mas promete que estará de volta no jantar?

–Sim amor- diz Emily

As duas se beijam com muito amor.

–Te amo- diz Spencer

–Te amo- diz Emily

–Se cuida por favor- diz Spencer

As duas vão para a frente da embaixada e se despedem. Spencer fica com uma sensação ruim mas não pode impedir Emily.

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Emily chegou ao kasbah em uma carruagem aberta, com dois batedores. Levava grande quantidade de presentes para as damas do harém. Havia fitas, colares, braceletes, uma variedade de pequenas e bonitas caixas, e espelhos decorativos. Tudo comprado em Londres antes de partir, seguindo as instruções de Spencer.

– Sempre que visitar alguém, em um país árabe, deve levar presentes- explicara Spencer- E como não temos ideia de quantas mulheres o Sultão tem em seu harém, tome o cuidado de comprar presentes suficientes para todas. Do contrário, uma concubina ficará sem dúvida alguma ofendida, por ter sido esquecida.

Emily carregava os presentes em uma cesta nativa trançada, que Sir Jake providenciara para ela.

– Elas ficarão encantadas em ver Milady - dissera o Encarregado de Negócios, com um sorriso, quando ela se despedira.

Mas, ele e Spencer tomaram muito cuidado em parecer displicentes e despreocupados Quando se despediram dela na Embaixada.

– Não deve parecer nada mais do que uma visita de cortesia, de uma dama inglesa visitando Marrocos- falara Spencer

Ele e Emily não tinham revelado, nem mesmo a Sir Jake, que entendiam a língua árabe.

– Nunca forneça informação, desnecessariamente- dissera Spencer com firmeza- Quem sabe o que você poderá ouvir, de importante, se as mulheres do harém acreditarem que não compreende o que estão dizendo?

Perdita tinha sorrido.

– Não posso acreditar que vai ser fácil para nós descobrir sobre as mulheres inglesas que o Sultão mandou embarcar da Inglaterra para cá. Ele estará interessado em manter seu segredo. E será tão cauteloso como toda a sua gente- diz Emily

– Você tem razão concordara- diz Spencer- Mas, ao mesmo tempo, eles são inseguros. Acabam caindo em suas próprias armadilhas.

Spencer falara com tanta convicção, que Emily sentira que ele já lidara com tipos semelhantes no passado. No entanto, como não lhe dissera mais nada, ela tinha sido inteligente bastante para não pressioná-la. Sabia que Spencer detesta que se intrometam em seus negócios.

Ao mesmo tempo, compreendia que Lorde Palmerston não teria pedido a Spencer para se encarregar da atual missão, se não tivesse provas da experiência e competência dela.

Enquanto viajava pelas ruas estreitas, sob o sol quente e dourado, em direção à muralha da cidade e ao kasbah do Sultão, ela descobriu que, em lugar de apreciar a beleza de Tânger, estava apenas pensando Spencer.

E ainda pensava nela quando a carruagem passou por pesados portões de madeira, e estacionou diante de uma imponente entrada. Soldados do exército particular do Sultão estavam de guarda. Usavam um uniforme rutilante, vermelho e branco, com borlas vermelhas pendendo dos turbantes brancos, um mosquete nos ombros e... pés descalços!

Criados de túnicas brancas convidaram Emily a entrar. Falavam árabe em vozes sussurrantes. Mas, procuravam fazer-se compreender Por gestos das mãos. Emily seguiu dois deles através de corredores sinuosos e estreitos. Até que, passando por uma porta com molduras coloridas, entraram em uma sala de estilo europeu.

A mobília, formando um círculo, era de madeira esculpida. Um trabalho nativo. Compunha-se de dois pesados sofás e várias cadeiras. Nas paredes, encontravam-se cabeças empalhadas de animais selvagens e gazelas, que deviam, pensou Emily, ter sido mortas pelo Sultão ou por seus predecessores.

Entre eles, havia quadros. Grupos de estudantes: lembrança do Sultão e de seus colegas na época em que estivera em Cambridge. O recinto estava bastante escuro. As cortinas se achavam fechadas, protegendo o local do calor do dia. Estava quente, apesar de um puncá movendo-se devagar no teto.

Emily sentiu um forte cheiro de incenso queimado. A fumaça do perfume queimado penetrava na sala. Sentou-se em um dos sofás. Olhava em volta com interesse, mas consciente ao mesmo tempo da exótica fragrância, que parecia se tornar mais forte e esmagadora.

"Como seria desagradável" pensou "se alguém tivesse que viver sempre em um lugar com esse cheiro tão forte!"

Enquanto pensava que era indelicado não ter sido recebida pela anfitriã, assim que chegara, as cortinas que cobriam a porta se abriram. Dois criados entraram. Afastaram-se para cada lado da porta e se inclinaram profundamente. Entrou no quarto, não a Sultana, como Emily esperava, mas um homem que ela soube, imediatamente, ser o Sultão.

Não era um homem alto. Mas dava uma imediata impressão de autoridade. Usava uma longa capa branca sobre o traje árabe convencional. Calçava as botas cor de laranja que seu cortejo usara, quando ela o vira no mercado. E seu alto turbante estava enrolado na cabeça, impecável.

Ele caminhou em sua direção. Emily, achou-o bonito. Tinha feições bem delineadas, um nariz aquilino, barba bem aparada, e sobrancelhas curvas, sobre olhos escuros e fantasticamente penetrantes.

– Posso lhe dar as boas-vindas, Lady Hastings?- disse ele, enquanto Emily fazia uma reverência.

– Estou honrada por conhecer Sua Alteza- replicou ela.

Quando Emily ergueu os olhos para ele, sentiu um repentino aperto de medo em seu coração. Talvez, fosse o efeito do incenso. Mas ela teve uma sensação de vertigem. Achou difícil respirar, e ficou certa, na profundeza de sua mente, de que se encontrava na presença do mal.

– Como Sua Alteza -sabe murmurou ela, ao vê-lo em silêncio- quero ter o prazer de conhecer sua mãe.

– Sua Alteza está aguardando para lhe ser apresentada- respondeu o Sultão.

Emily comprovou que seu inglês era perfeito.

– Mas, primeiro, eu desejava lhe falar- continuou ele- Não quer se sentar?

Emily sentou-se novamente no sofá. Ajeitou as saias armadas, como se, de alguma forma, elas fossem uma proteção.

– Esteve na Inglaterra há pouco tempo, não?- interrogou ela, sentindo que o silêncio entre eles era desagradável.

– É verdade- retrucou o Sultão. Depois, inesperadamente, ele comentou- É muito bonita!

Emily empertigou-se. Era uma impertinência para qualquer homem lhe falar daquela maneira, depois de um conhecimento tão breve. Mas para um árabe, era um insulto.

Sentiu, também, um temor súbito. O velho medo dos homens voltou a dominá-la. Estremeceu com as tentativas de aproximação dele.

Ela não respondeu. O Sultão falou com suavidade, como se percebesse as sensações da dela!

– Não gosta de elogios?- diz Natan

– Não... Sua Alteza!- diz Emily

– Nesse caso devo lhe dizer, em vez de elogiá-la, o quanto gostei de visitar seu bonito país...- diz Natan

Havia alguma coisa no modo como ele pronunciou as palavras, que deixou Emily perceber que ele mentia. Lutando contra o crescente pânico, ergueu-se.

– Acredito, Sua Alteza... que sua mãe... está à minha espera- diz Emily

Ele não se moveu de onde estava sentado, uma cadeira de encosto alto.

– Neste país, nós nunca temos pressa –replicou ele- Uma hora, duas horas, um dia, uma semana, um mês, não têm importância. Estamos sempre preparados para esperar.

Emily apanhou a cesta que colocara no sofá, a seu lado.

– Minha esposa... está esperando por mim... por minha volta à Embaixada... -disse ela- Eu não posso... me atrasar... Por isso, gostaria de conhecer sua mãe... agora.

– Está com medo?- diz Natan

Emily pôde sentir o coração batendo depressa. E a voz presa na garganta, por puro pavor. Mas conseguiu perguntar, erguendo um pouco o queixo- Com medo? Por que... Sua Alteza pensa... que estou com medo?

– Talvez, porque eu tenha dito que é bonita- retrucou ele- Quando entrei nesta sala, disse a mim mesmo que era uma das mulheres mais bonitas que já vi.

– No entanto, já tinha me visto esta manhã - respondeu Emily com rispidez.

Ficou surpresa ao pronunciar tais palavras. Ela não tinha, de maneira consciente, pretendido dizê-las. Pareciam ter vindo de algum lugar fora dela. Mas compreendeu, com uma intuição repentina, que fora o Sultão que estivera escondido atrás das cortinas, vigiando o pátio, que o dono da loja quisera tanto que ela conhecesse.

– Como sabe?- perguntou ele.

– Tenho certeza- falou ela, devagar- Por que motivo, Sua Alteza... estava interessado?

– E por que não deveria estar? Uma importante família inglesa visita Tânger! É estranho que eu tenha tido curiosidade de ver sua esposa?- diz Natan

De novo o tom em que ele disse importante foi um aviso de perigo para Emily. Um perigo tão amedrontador que se sentia sufocar. Ela ainda permanecia de pé. Com um esforço sobre-humano, moveu-se em direção à porta.

– Vejo que Sua Alteza tem retratos... de quando estava em Cambridge –disse Emily, tentando falar com despreocupação, para esconder sua agitação interior- E esta sala está repleta de troféus... seus, é claro. Foi muito... interessante vê-los, mas agora eu gostaria... de ir ao... pavilhão das mulheres.

– Sim, retratos de Cambridge -concordou o Sultão sem se erguer- Momentos encantadores de minha feliz estada lá.

Emily ficou imóvel um instante. Então, de novo, sem tencionar falar, mas impelida a fazê-lo, disse- Odiou Cambridge, não é mesmo?

– Como sabe?- a voz dele era ríspida.

– Odiou... Cambridge... -repetiu ela, em voz baixa como se estivesse em transe- e odiou... a Inglaterra!

Pareceu-lhe que sua voz viera de um caminho distante. Seus lábios se moveram sem que houvesse comando do cérebro. Com um grito, o Sultão se ergueu.

– Alguém lhe contou essas coisas? –perguntou ele- Ou tem, realmente, visão?

– Eu vejo com clareza -respondeu Emily- E posso sentir seu ódio.

– Se quer a verdade, e é isso o que está perguntando- confessou ele, com violência- odeio os ingleses! Eles me chamavam de negro! Quem pode cuspir no Senhor da Vida e da Morte, e viver? Os ingleses deverão morrer! Por isso, enquanto eu ria dos seus insultos, tirava as mulheres deles!

Enquanto falava, Emily viu os cadáveres enrugados, como o Encarregado de Negócios os descrevera, jazendo sobre a areia do deserto.

– Então... foi Sua Alteza que matou... os ingleses que morreram no deserto?... -disse ela- e os beduínos e ladrões foram acusados do crime!...

–Sim, fui eu! E é por esse motivo que sua esposa também vai morrer! Porque ela me desprezou em uma festa- diz Natan- ela se sente muito importante

Emily sentiu as palavras secarem o sangue de seu coração, para que ela desmaiasse.

– Não acha... que será denunciado... como assassino?- interrogou com voz fraca.

– Quem poderá saber que sou responsável? Uma facada nas costas, quando ela estiver caminhando pelo jardim. Ou talvez, comida envenenada! É fácil matar. Muito mais difícil é encontrar o culpado.- diz Natan

A sensação de desmaio passou. De repente, Emily sentiu uma nova força íntima. Uma força que a fez gritar. A voz parecendo ecoar na sala sombria - Não deve fazer isso...

– E quem vai me calar? Como poderá me impedir?- diz Natan debochado

Um sorriso cruel surgiu em seus lábios. Ao mesmo tempo, ela teve consciência, porque ele aceitara seus poderes clarividentes, que a expressão dos olhos do Sultão era diferente do que fora, no início da conversa.

Naquele momento, ela soube que não temia mais por si mesma, mas por Spencer. Sentiu um terror imenso, como se tivesse recebido uma facada no coração. Spencer não podia morrer daquela maneira!

– Ainda não compreendeu?- perguntou o Sultão- que depois de ter vindo aqui uma vez, não haverá volta? Eu pretendera, e já providenciei, para que caísse do alto do terraço. Estaria apreciando a vista e, por uma estranha fatalidade, escorregaria!... Sua morte e a de sua esposa, depois que ela tivesse chorado bastante a perda da esposa, seriam uma pequena parte da minha vingança contra quem zombou de mim por causa da minha cor! E que me tratou como se eu fosse um varredor de ruas, não o soberano supremo do meu povo!