CAPÍTULO 10

Kili balançou a cabeça, confuso. Talvez não estivesse ouvindo direito?

— O quê?

— Isso mesmo – Tarvi começou – As pessoas que meu pai pagou para encontrar minha irmã...Bem, a encontraram. Ela está vivendo não muito longe daqui. Mandaram um corvo com um bilhete para meu pai. Não sei o que ele respondeu, mas sei que ela estará aqui em dois dias, no máximo. Com seu marido.

— Mas... Como? E toda aquela conversa sobre ela desgraçar sua família? Mahal, o que vai acontecer quando ela encontrar Fili? Pior... o que vai acontecer quando minha mãe se encontrar com ela?

— Desgraçar a família... – Desprezo escorregava pelas palavras de Tarvi – Yarvi nunca desgraçaria a família. Aos olhos dos meus pais, ela sempre foi perfeita. E agora, ela vai voltar e... – Ela cerrou os punhos, lutando contra as palavras que queria sair de sua boca.

— Vou deduzir então que você não está feliz com a situação?

— Claro que não! – Tarvi exclamou, as lágrimas voltando a aparecer – Agora ela vai aparecer, e tudo vai voltar a ser como antes! Não importa o que ela fez, ela sempre será a preferida! Agora vão voltar as comparações, as tentativas de controle... sinto como se ela fosse roubar tudo o que eu lutei para conseguir nesses meses.

— Oh, Tarvi – Kili colocou uma mecha solta do cabelo da esposa atrás de sua orelha – Nada vai voltar a ser como era antes. Eu juro. Sabe por quê? Porque você não é a mesma de antes. Você cresceu – nós dois crescemos e amadurecemos neste período, e não pense que sob circunstância alguma eu vou deixar alguém decidir o que é melhor para minha esposa. Não importa se essa pessoa é a irmã dela ou minha mãe. Você deve decidir o que é melhor para você, Tarvi. Se você quer ser aprendiz de Balin, será aprendiz de Balin. E desta vez não importa o que sua irmã diga. Entendeu?

Kili estava com medo de ter soado autoritário demais. Mas Tarvi limpou os olhos com a manga do vestido e apoiou a cabeça em seu ombro. Kili começou a passar os dedos pelas mechas de seu cabelo. Ele sabia o quanto ela gostava desse gesto. Por fim, Tarvi desistiu e se entregou ao sono. Kili passou um braço por baixo de seus joelhos e, com o outro, apoiou suas costas e a carregou, tentando não acordá-la, até o quarto, onde a deitou na cama.

Mesmo deitada no meio da cama, ainda sobrava muito espaço. Kili poderia deitar-se ao lado dela. Ele cogitou essa possibilidade, mas rapidamente desconsiderou-a com um aceno de cabeça. Ele havia jurado a Tarvi que só se juntaria a ela na cama quando ela assim o quisesse. Aproveitar-se de um momento de fragilidade por parte dela seria quase covardia. Encontrou um cobertor e cobriu sua esposa. Por fim, pegou seu travesseiro e foi dormir no mesmo lugar onde estava dormindo nos últimos 3 meses.

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Apesar das palavras de estímulo e confiança de Kili, era com uma mistura de medo e ansiedade que Tarvi se dirigiu à casa de seus pais, dois dias depois, após receber um “convite para o chá” (na verdade, uma desculpa para ela encontrar sua irmã, Yarvi, após tanto tempo).

Kili lhe deu um beijo na testa e disse que esperaria por ela na forja, onde estaria, colocando o trabalho em dia. Tarvi ergueu o punho fechado e bateu forte na porta duas vezes.

Uma pequena fresta se abriu. Os olhos de sua mãe espiaram pela fresta. A porta se abriu completamente e sua mãe a recebeu de braços abertos, com um sorriso no rosto.

— Ah, Tarvi, querida, sinto muito por tanto segredo, mas não podemos deixar que a família real descubra...não por enquanto. Você não contou nada a seu marido, contou?

— Não – mentiu Tarvi.

— Bom, bom – sua mãe murmurou, enquanto voltava sua atenção para uma bandeja de biscoitos.

Tarvi não teve tempo de fazer qualquer pergunta à sua mãe. Uma voz veio pelo corredor:

— Ah, querido, seja paciente! Espere pelo menos mais alguns dias, enquanto...Tarvi!

E ali estava ela. Sua irmã. Encarando-a como se nada tivesse acontecido. Como se ela tivesse visto a irmã pela última vez na noite anterior, seu sorriso indolente. Tarvi queria apagar aquele sorriso. A tapas.

Yarvi se aproximou dela mas, instintivamente, Tarvi recuou. Tentou mentalizar todos os bons momentos com Kili mas, ainda sim, sentia o sangue ferver. Aquela anã na sua frente era responsável por tudo que havia acontecido em sua vida. Pelos bons, mas também pelos maus momentos. Principalmente após sua fuga. Tudo veio a sua mente: seu pai acusando-a de acobertar a irmã; seu pai chegando em casa e anunciando seu casamento; as várias horas gastas com costureiras, ajustando o vestido de sua irmã para servir em seu corpo. A casa, que não havia sido montada para ela. E, sobretudo, a lembrança forte de se sentir uma mera substituta.

— Como você pôde? – foram as primeiras palavras que saíram de sua boca – Como você pôde fugir assim? Você tem alguma ideia do pelo que eu passei?

Yarvi lançou um olhar nervoso à mãe antes de responder:

— Ora, Tarvi, você sabe que não eu não poderia fazer isso. Fili não era meu Único. Você, que gosta tanto de brincar de conhecer tradições, deveria saber que me casar com ele seria errado! E, além do mais, não foi tão ruim assim para você!

— O que você quer dizer com isso?

— Ora Tarvi – Yarvi sorriu novamente, daquele jeito insensível – Você casou com um príncipe, afinal. Isso nunca teria acontecido se eu tivesse me casado com Fili!

Tarvi estava empregando toda sua energia em não pular no pescoço da irmã. Mas Yarvi não parecia se importar:

— Não que você não fosse capaz mas... – ela deu de ombros – Pelo jeito mataram dois coelhos com uma pedrada só. Casaram você com o esquisitinho, Fili fica livre para se casar com a nobreza, e todos ficam felizes.

— Não. O. Chame. Assim. – Tarvi estava assustando a si mesma com o tamanho do ódio que estava sentindo.

— Se isso faz você se sentir melhor – ela deu de ombros, antes de oferecer – Chá?

— Como você pode fazer isso? Passar três meses escondida, deixando todos preocupados, e então simplesmente aparecer assim, do nada? Faz alguma ideia do que pelo me fez passar? – Tarvi repetiu.

— Três meses? Eu não passei três meses escondida. Papai me encontrou depois de umas duas semanas. Mas ele e mamãe acharam melhor não contar a ninguém.

Yarvi sentiu o gosto de bile na boca, seu estômago se retorcendo, quando se virou para a mãe:

— É verdade isso? – quando sua mãe não respondeu, ela repetiu – É VERDADE ISSO?

— Sim, sim, Tarvi. Sinto muito. Mas achamos melhor guardar segredo. Não queríamos que você...

— Que sensacional isso! – Tarvi não conseguia esconder o tom de deboche em sua voz – Minha irmã some, me joga em um casamento arranjando com alguém que mal conheço e, quando meu pai finalmente descobre onde ela está, deixa que ela permaneça escondida, quem sabe até mesmo dando dinheiro a ela!

— Só duas vezes, quando o trabalho na ferraria ficava escasso – Yarvi murmurou.

Foi demais para Tarvi. Lutando contra as lágrimas, ela saiu daquela casa, sem querer voltar.

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Já havia escurecido, e há muito o fogo da forja havia se apagado, e ainda nem sinal de Tarvi. Preocupado, Kili se dirigiu até a casa da família dela, porém sua mãe mal abriu a porta. Pela gritaria que se seguiu após a porta ser fechada, ele suspeitou que havia chegado durante uma briga. Foi à casa de sua mãe, ao escritório de Balin, à área onde haviam feito o piquenique, mas nada. Lembrou-se, com um sorriso, de que também estava procurando por ela três meses atrás, na noite de seu casamento.

Usando sua própria chave, abriu a porta. A primeira coisa que notou foram as duas garrafas em cima da mesa. Eram de um vinho especialmente forte. Tarvi não estava muito longe: pelo jeito, havia escorregado da cadeira e resolvido ficar deitada, mesmo. Ocasionalmente, seu corpo era sacudido por um soluço seco.

— Foi tão ruim assim? – Perguntou.

Tarvi aquiesceu:

— Ela chamou você de esquisitinho.

— Ah, Tarvi – Kili se abaixou e pegou-a no colo – O que você fez?

— Vinho – Tarvi resmungou – Uma vez me embebedei e esqueci tudo o que havia acontecido. Foi o único porre que tomei. Queria que isso acontecesse de novo.

Quando chegaram ao quarto, Kili deitou-a cuidadosamente na cama:

— Pelo menos, você comeu alguma coisa?

— Não.

Kili foi até a cozinha e voltou com um pão, comprado mais cedo, e uma jarra de água com um copo. Começou a arrancar pequenos pedaços do pão, que Tarvi pegava e comia, sem resistência.

— Amanhã você vai acordar com uma dor de cabeça horrível. Se conseguir, tome um pouco de água. Se você se sentir muito mal, me chame e eu irei buscar Óin.

— Kili – Tarvi murmurou.

— Sim? – Kili tirou os olhos do chão e encarou sua esposa. Seus olhos pareciam meio enevoados, meio lacrimosos.

— Fique comigo.

— Tarvi, eu não vou a lugar nenhum.

— Eu quis dizer...aqui. Na cama. Só... fique comigo.

Tirando suas botas e sua túnica, ficando apenas com sua calça e uma camisa simples, Kili se deitou ao lado da esposa, passando o braço por seus ombros, segurando-a próximo a si.

E Tarvi, para sua surpresa, passou um braço por cima do seu peito, e logo estava dormindo levemente.