CAPÍTULO 1

P.O.V de Tagri

Me desculpe. Eu não posso fazer isso - Y”.

Era apenas um bilhete deixado sobre a mesa da cozinha. Era um bom método de comunicação em minha família. Meu pai, comerciante, muitas vezes saía com suas caravanas cedo da manhã e voltava tarde da noite. Minha mãe, com suas tarefas na guilda de costureiras, também tinha o costume de sair cedo. Ultimamente, eles e minha irmã passavam muito tempo fora de casa, e tinham um motivo especial para isso:

O casamento de minha irmã, Yari, com Fili, herdeiro de Thorin Escudo-de-Carvalho, e herdeiro do trono de Erebor.

Não que nós estivéssemos em Erebor por ocasião do Bilhete, como passei a me referir a ele. Estávamos nas Montanhas Azuis, lutando todos os dias pela sobrevivência.

Mesmo assim, meu pai era considerado um homem rico, com seu comércio com Humanos e, raras vezes, com Elfos, sem preconceito. Ele vendia de tudo – joias, armas, livros...

Enfim, o casamento havia sido arranjado entre os dois para selar um contrato: por motivos desconhecidos, Thorin precisava de grandes somas de dinheiro para um projeto futuro, e ele pretendia pagar, claro, meu pai não duvidava disso. Mas ele não tinha um filho homem para mandar nesta empreitada, garantindo assim seu...”investimento”, mas ele tinha uma filha da mesma idade de Fili, então...

Nenhum dos dois estava muito feliz com esse arranjo. Príncipe Fili, bem, porque ele nunca tinha trocado duas palavras com minha irmã. Ele mal a conhecia. E minha irmã, bem, porque ela amava outro.

Isso mesmo. Estava tudo arranjado para ele ir em nossa casa e pedir permissão a meu pai para cortejá-la, quando a bomba chamada “casamento” foi jogada sobre ela. Primeiro, ela brigou com unhas e dentes contra essa ideia. Depois, entrou em pânico. Por fim, disse que iria fugir. Eu não dei bola – Yari podia ser exagerada às vezes.

Como eu descobri cedo naquela manhã, dessa vez não foi exagero. Não quando fui arrancada de um sono profundo por meu pai praticamente arrebentando a porta do meu quarto, gritando:

— CADÊ ELA? CADÊ SUA IRMÃ? RESPONDA, TAGRI!

A verdade era, eu não tinha ideia. Até ele enfiar o bilhete embaixo do meu nariz. Senti minhas pernas amolecerem:

— Ah, não. Mahal, não. Não, não, não.

— Não o que? – meu pai exigiu.

— Ela...ela ameaçou fugir com Farir, mas achei que era exagero.

— E VOCÊ NÃO PENSOU EM MENCIONAR ESTE FATO PARA NÓS, TAGRI?

Como sempre acontecia quando meu pai gritava, eu fui andando para trás, até sentir a parede contra minhas costas. Não que ele nos agredisse ou algo do gênero. Mas ele tendia a cuspir bastante.

— Hm, desculpe – foi tudo em que consegui pensar.

Meu pai sentou na minha cama, esfregando as têmporas:

— Como vou explicar isso para Thorin? Como vou dizer que minha filha preferiu fugir com o ferreiro a casar com o herdeiro dele?

Tenho quase certeza que, se eu tivesse fugido, meu pai não teria se importado tanto. Era fácil gostar da minha irmã. Ela era bonita, divertida, inteligente.

Um pensamento semelhante pareceu ocorrer a meu pai. Ele me olhou, de cima a baixo, antes de sair do quarto, apressado, gritando para minha mãe:

— Se me procurarem, diga que não estou trabalhando hoje!

Se eu soubesse o que me esperava, talvez tivesse fugido atrás de Yari e Farir.

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Dargi, o comerciante, um dos grandes investidores da futura empreitada de Thorin Escudo-de-Carvalho, no momento tremia sob o olhar deste.

— O que você quer dizer com “houve um imprevisto”, Dargi? Algo aconteceu com sua filha? Ela está ferida?

— N..Não, Lorde Thorin. Ela...Ela fugiu – ele entregou o bilhete a Thorin

— Mas como? Você disse que o casamento estava marcado, você disse que ela concordava!

— Bem, eu...eu desconhecia os sentimentos dela por Farir, o ferreiro. Ela...ela fugiu com ele ontem após todos nos deitarmos ou hoje pela madrugada, não sabemos. Contratei um grupo de rastreadores para encontrá-los. Mas... minha filha é inteligente. Temo que talvez não a encontrem...

Thorin entendeu o motivo daquele encontro. Além de avisar que o casamento que estava sendo planejado a uma semana não aconteceria mais. Alguém teria que avisar Dis..

Dis. Se algum dia aquela garota voltasse para as Montanhas Azuis, teria uma inimiga à altura.

— Você está aqui porque está preocupado com seu...investimento, é isso?

— Bem, Lorde Thorin, sim. Espero que você entenda meu lado. Não tenho um filho homem para enviar nesta jornada, e por nada neste mundo enviaria minhas filhas.

Que novidade” pensou Thorin “Dargi se referindo à sua outra filha”.

Thorin a tinha visto apenas uma vez, e se lembrava muito pouco dela. Uma jovem pálida, magricela, que usava roupas grandes demais e carregava um livro para todo lado.

— Lorde Thorin – o comerciante recomeçou – acredito que esta situação possa ser remediada. Ofereço Tagri, minha filha mais nova, para se casar com seu herdeiro – ele estendeu um retrato da jovem.

Ela era exatamente como Thorin se lembrava. Magricela, pálida, cabelo negro, não era uma figura marcante, não como sua irmã, Yari. Yari tinha uma beleza marcante, do tipo que entra em uma sala e faz todas as cabeças se virarem em sua direção. Tagri era...bem, apagada. E havia outro problema.

— Qual a idade de...Tagri, Lorde Dargi?

Dargi se empertigou todo ao ser chamado de lorde.

— 73, senhor. Ela recém chegou à maioridade.

Muito nova para Fili” Thorin pensou, “Mas, por outro lado...”

Thorin já sabia o que fazer. Só faltava contar para Dis.

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Dis estreitou seus olhos para o irmão:

— Como é que é? Eu era contra este casamento arranjado mas, mesmo assim, fugir de um compromisso...

— Mas existe uma solução, Dís – Thorin, delicadamente, tirou o bilhete apertado nos dedos de sua irmã – Uma solução que vai agradar a nós dois.

— Não vejo nenhuma solução nisso, Thorin. Exceto devolver tudo que foi comprado e manufaturado e esperar que devolvam nosso dinheiro.

Thorin estendeu o retrato para ela:

— Conheça Tagri, filha de Dargi, futura esposa de seu filho mais novo, Kili.

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— NÃO. NÃO. NÃO. Eu NÃO vou me casar com alguém que não conheço para substituir minha irmã. Eu NÃO vou ter um casamento de segunda mão. Não – Dargi tinha que dar o braço a torcer. Ele não sabia que sua filha Tagri podia ser tão...belicosa. Desde que foi comunicada de seu futuro – casar com alguém que ela não conhecia, em uma cerimônia que foi feita para sua irmã, “quase um casamento de segunda mão”, ela pensou.

— Tagri, querida – sua mãe, Tali, sentou-se em sua cama – Olhe bem para o retrato. Ele não é um rapaz feio. Bem, ele quase não tem barba, mas você também não tem e ...

— Não importa – Tagri mudou seu alvo – Eu não o conheço. E você diz que vou me casar em três dias?

— O tempo necessário para fazer os ajustes necessários no vestido de sua irmã, querida – sua mãe respondeu.

Isso foi demais para Tagri. Ela gritou para que todos saíssem de seu quarto. Quando se viu, sozinha, deitou e chorou, como havia tempos não chorava. A felicidade que sentia pela irmã totalmente substituída por um vazio em seu peito.

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— Mas o casamento era para Fili— Kili gritou – como assim, eu vou casar agora.

— A noiva de Fili fugiu – Dis respondeu, simplesmente – foi oferecida uma compensação, mas a garota é muito nova para se casar com ele. Então você foi escolhido. É muito incomum, o irmão mais novo se casar antes do mais velho – ela acrescentou, como se fosse o único problema em toda aquela confusão.

— Uma compensação? Ela é uma anã, não um saco de moedas! Falando nisso, porque a compensação não pode ser em dinheiro, hein?

—Kili – Dis pegou seu bordado – quando você tiver seus filhos, vai entender.

Kili resmungou. Fili sentou-se a seu lado:

— O mundo dá voltas, não é mesmo?