Há centenas de anos, o segredo para a mais plena sorte foi descoberto por uma tribo antiga. A chefe da tribo, achando perigoso colocar esse segredo nas mãos de uma única pessoa, fragmentou suas partes e prometeu distribuí-las às mulheres que se mostrassem mais capazes de cumprir uma tarefa.

Aquele clã era diferente, as mulheres quem mandavam em tudo. Isso mesmo. As mulheres eram as chefes de família, elas tinham a palavra final.

Antonella Montenegro já tinha seus 15 anos, e morria de orgulho da avó, Abigail que era a chefe da tribo. Ela estava gritando a plenos pulmões a tarefa que as mulheres deveriam completar para serem dignas de uma parte da sorte plena.

— A tarefa é simples. As 4 primeiras que obtiverem êxito em capturar um filhote de onça sem atrair mais delas para a tribo terão direito a uma parte. Os homens estarão de prontidão para resolver os ataques de onças adultas. E apenas as moças de 15 a 20 anos que não forem casadas poderão participar. Boa sorte.

— Ahhh. - choramingou uma vozinha perto de Antonella.

Sua irmã mais nova, Alexandra estava parada ao seu lado.

— Não vou participar. Eu queria tanto. - continuou ela.

— É muito perigoso, vovó fez bem em estipular uma idade. - disse Antonella.

— Não é justo. - resmungou a irmã. - Você pode e eu não.

— Eu sei lutar contra onças e você não. Além disso você nem sabe caçar ainda.

— Mas poderia aprender. - retrucou Alexandra.

— Em duas horas? Será ao pôr do sol. Você não poderia, mas eu vou ganhar por nós.

Antonella deu uma piscadela para a irmã e se afastou.

Todas as jovens solteiras da tribo estavam falantes e nervosas. Elas se aconselhavam com as mulheres mais velhas. Todas iam lutar para ganhar, afinal, quem não gostaria de ser dona da sorte?

Ao pôr do sol, as moças se apresentaram diante da líder da tribo, prometendo fazer o seu melhor para concluir a tarefa. Ao som do chocalho, todas elas correram mata adentro.

***

Antonella era uma das mais rápidas da tribo, ágil e forte, ela se aproveitava das canelas longas e corria aos saltos desviando de árvores e arbustos. Ao seu lado, ela viu correr a Illi Torres, uma garota morena e alta, era tão rápida quanto Antonella, e esta sabendo disso, correu ainda mais a procura de ninhos de onça.

Estava escurecendo, e Antonella começava a se perguntar por que não tinham feito aquilo pela manhã. Poucos minutos depois ela parou abruptamente e ficou em silêncio, o coração acelerado, e apurou os ouvidos. Ouviu algo que soou como um miado, uma tentativa de rugido. Antonella passou devagar em direção ao som e viu: um filhote de onça pintada.

Era a coisa mais fofa que ela já vira. Ela se aproximou com cautela. O bicho rosnou, mas se deitou e deixou que ela o tocasse. Ela o colocou nos braços e com cuidado passou um barbante em volta de seu focinho para que o bicho não a mordesse. E voltou correndo em direção à aldeia.

Para seu desespero, quando chegou à aldeia ela viu três garotas com filhotes de onça nos braços, Illi Torres era uma delas. Sua avó mencionara quantos pedaços da sorte ela possuia, então andou até as outras e pousou perto de Illi. Sua avó balançou o chocalho. A tarefa estava encerrada, elas tinham ganhado. Cinco segundos depois ouviu-se um farfalhar de galhos se quebrando, toda a aldeia prendeu a respiração, o queixo de Antonella caiu quando ela viu sair da mata a sua irmã, Alexandra, com dois filhotes de onça nos braços.

Todos começaram a murmurar. Alexandra não devia estar competindo, não tinha a idade.

Abigail Montenegro balançou o chocalho novamente. Todos ficaram em silêncio.

— As quatro primeiras foram as vencedoras. - bradou ela com a voz rouca – Porém, esta jovem, apensar de não ter idade o suficiente provou ser capaz e nos mostrou que idade é apenas um número. Então se todos concordarem, farei para ela uma parte da sorte também.

Houve um murmurinho de concordância.

— Pois bem, eu o farei.

Todos a seguiram e se postaram diante da fogueira. A líder colocou quatro joias diante da grande mesa e passou os dedos por cima delas, e todos viram uma fumaça branca escapar entre seus dedos. As mãos enrugadas e ágeis de Abigail colocaram a fumaça num frasco transparente.

— Para a primeira a chegar com um filhote de onça, Illi Torres, dou-lhe o bracelete da super inteligência.

Illi caminhou até ela completamente encantada, e ergueu a mão direita, onde Abigail encaixou o bracelete.

— Para a segunda a completar a tarefa, Mel Bastos, os brincos da telepatia.

Mel, uma garota de pele pálida e cabelos louros caminhou até a líder e recolheu os brincos.

— Para a terceira a desempenhar seu papel, Cleo Sampaio, o anel da persuasão.

Cleo foi recolher sua recompensa e a colocou no dedo.

— Para a quarta a capturar essa criatura carnívora, Antonella Montenegro, o colar da sorte.

Antonella caminhou até a avó e curvou a cabeça para ela colocar o colar em seu pescoço. O cordão preto era muito resistente, o pingente era uma pedra verde contornada com ouro branco. Ela apertou a pedra em sua mão e se sentiu a garota mais sortuda do mundo.

— E por último, apesar de ser muito jovem, mas não capturou um mas dois filhotes, Alexandra Montenegro, você receberá a essência da confiança.

A pequena Alexandra sorriu para a irmã e caminhou timidamente até a avó que sorriu com afeição. Ela levantou a cabeça da menina e empurrou a essência do frasco na boca dela.

Alexandra engoliu e tossiu. Mas quando ergueu o rosto havia uma expressão diferente estampada nele.

Alexandra sentia que podia fazer qualquer coisa.

***

Mais tarde, depois do grande banquete ( filhotes de onça assados na fogueira), Abigail Montenegro reuniu novamente os membros de seu clã e comunicou.

— Estou orgulhosa de ter em minha tribo, garotas talentosas e capazes. Agora tenho a obrigação de avisar algumas coisas:

Primeiro: Essas joias pertencem a vocês, cada uma com poderes de propriedades que nem eu mesma conheço, isso vocês irão descobrir.

Segundo: São heranças passadas de mãe para filha. Não funcionaria em homens.

Terceiro: Apenas a legítima dona terá acesso a todos os poderes das joias, se for usada por outra, que não seja a dona, o efeito é fraco.

Bem o correto é que essas joias fiquem em suas famílias para sempre. - disse ela olhando para as meninas vencedoras. - E outra coisa, quando vocês casarem, e tiverem uma filha, a joia não pertencerá mais a vocês, e sim às suas herdeiras, não funcionará mais da mesma forma.

Alexandra levantou a mão.

— Sim? - disse Abigail.

— Eu recebi a essência, não uma joia, como farei para dar à minha filha?

— Terá que abrir mão. Quando chegar a hora, você saberá o que fazer.

Quando todos foram dispensados, Antonella puxou Alexandra pelo braço.

— Estou orgulhosa de você, irmã.

Alexandra sorriu.

— Eu disse que era capaz.

— Desculpe ter duvidado.

As irmãs se abraçaram e se juntaram à mãe e ao pai, que esperavam na porta de sua casinha simples, feita se barro.

Abigail sabia que o certo a se fazer agora era registrar tudo, o motivo de ter despedaçado a sorte plena e ter distribuído a garotas diferentes.

Apenas ela sabia, ninguém mais poderia saber, que juntando aquelas joias, a moça que possuísse a essência da confiança seria a senhora da sorte; seria a mulher mais inabalável do universo, capaz de conseguir qualquer coisa que quisesse. Ela sabia que a pequena Alexandra não teria tamanha ambição, mas o que é pequeno cresce, e as pessoas mudam. Ela escreveu tudo numa pedra de argila e enterrou no meio da floresta. Onde nem ela mesma sabia onde estava, e ficou perdida por vários dias, até que um grupo de homens de sua tribo a encontraram.

Abigail decidiu que apenas no seu leito de morte revelaria a verdade para a próxima líder, e esta deveria contar apenas para a próxima e assim por diante.

No entanto, quando caminhavam de volta para a aldeia, Abigail sentiu uma dor enorme no peito, com ardor, e sem conseguir respirar, Abigail morreu. E o segredo morreu junto com ela.