P.O.V America

Minha respiração fica tensa. Acho que ele já falou, mas não sei ao certo, nada ouço, nada consigo ouvir além do barulho de minha respiração.

Mas então o leve estupor parece se romper de um segundo para outro e posso ouvir Gavril falar claramente:

– ...pelo seu belo número de humor. – ele sorri ao concluir a frase que jamais ouvi o início.

Olho em volta, enquanto aplaudo educadamente, estranhando. Nenhuma das meninas havia feito um show de comédia... não intencionalmente. Olho para os deuses, Zeus e Atena têm a mesma expressão contrariada e posso perceber alguns poucos traços de semelhança entre pai e filha. Hermes está rindo-se e Ares parece envergonhado... não, humilhado – apesar de seu olhar ainda estar no decote da deusa da beleza.

Mal percebo quando Gavril inicia outra frase. Bufo, frustrada, quero saber quem diabos ganhou o terceiro lugar, mas, pelo menos, tenho certeza que não sou eu e meu coração se acelera. Será?

– Em segundo lugar, cujas ganhadoras terão um encontro com o príncipe, ficaram... – ele faz novamente aquela pausa dramática – as belas senhoritas Bariel Pratt e Celeste Newsome pelo sua belíssima apresentação de arte corporal.

Afrodite só falta arranjar pompons para comemorar, fica orgulhosíssima, pulando de um lado para o outro e Ares, a sua frente, também parece bastante contente, já que a cada salto, os seios de Afrodite parecem pular cada vez mais do vestido – e me pergunto se Christian está neste salão neste momento, se está vendo como a mãe está e o que está achando, mas não o vejo em lugar nenhum e meus pensamentos voltam-se novamente para os deuses ali presentes. Zeus também parece feliz.

Eu só falto engasgar enquanto aplaudo de mau gosto. “Arte Corporal?”, “Belíssima apresentação de Arte Corporal?”, insinuação e exposição desnecessária de pele não seria um termo mais adequado? Olho para Bariel e Celeste. Bariel está saltitante, Celeste parece incrivelmente frustrada e com raiva, como se fosse socar a primeira coisa que aparecesse em sua frente, que no caso seriam os peitos – quase tão saltitantes quanto os da deusa do Amor – de Bariel.

E uma tensão se instala pela sala. Olho para a garota ao meu lado, Tuesday, e lhe pergunto, com um pouco de timidez e vergonha:

– Quem ficou em terceiro lugar? Acho que fiquei um pouco aérea. – me desculpo.

Ela parece ficar em dúvida entre a vergonha, alegria e frustração quando fala:

– Eu, Reeli, Elizabeth, Fiona e Zoe. – ela olha para Gavril. – “Pelo seu belo número de humor.” – resmunga ela, contrariada. – Acho que perdemos alguns pontos porque Fiona cochilou no meio da música. Isso que dá colocar uma filha de Hipnos no coral. – ela revira os olhos.

Então entendo. Atena estava decepcionada com a filha, Zeus com a colocação e Hermes estava rindo porque ele é um deus bem humorado, eu acho...

A tensão, ainda forte, quase palpável, parecia oprimir cada um naquela sala, até mesmo os imponentes e grandiosos deuses greco-romanos.

Gavril, parecendo alheio a tensão, recomeça a falar:

– E em primeiríssimo lugar... – ele faz uma pausa novamente, e meu coração dispara. Não quero ter esperança, mas não posso deixar de tê-las. Por alguns instantes tenho a vontade de esganar o apresentador – com direito a uma pequena viagem com o príncipe para o local de sua preferência e a acompanhá-lo na valsa de abertura... – algumas meninas aproveitam para suspirar durante a pequena não tão pequena pausa. – A senhorita... America Singer!

E por um momento eu acho que apagaram as luzes.

Mas, graças a Zeus – ou certamente que não, já que este me olha com cara feia nesse momento –, volto a mim apenas segundos depois. Tuesday está me abanando discretamente e quando percebe a cor voltar ao meu rosto, ela sorri e me parabeniza, assim como as garotas que estão ao meu redor, portando seus melhores sorrisos falsos de boas perdedoras.

Mas não é o olhar delas que procuro achar. Por cima dos ombros delas, não sei ao certo quem quero ver, a meu pai ou a Maxon. O olhar de Maxon encontra o meu primeiro e ele sorri confiante e docemente para mim e eu me sinto um pouco melhor, mesmo estando no meio desse circo.

O olhar de meu pai se trava com o meu assim que desvio meus olhos de Maxon. Ele parece orgulhoso, mas ao mesmo tempo furioso e convencido, como quem diz “eu sempre soube que ela ganharia.”

Eu desvio novamente o olhar e sorrio para as meninas.

– Obrigada. – digo, timidamente e não sei exatamente o que devo fazer agora.

Felizmente, Gavril assume o microfone.

– Parabéns à bela senhorita, cuja voz é tão bonita quanto ela própria! E além de seu talento inigualável no violino, superior ao de vários outros filhos de Apolo que conheço, essa senhorita é mesmo de um raríssimo talento além de seus dons herdados de seu pai. – diz Gavril e sei que pelo menos uma câmera está em mim e desejo que a maquiagem de Mary consiga cobrir o forte rubor que sobe pelo meu rosto.

Vejo Zeus tossindo ao fundo e me controlo para não revirar os olhos. Mas também percebo que Maxon não consegue a mesma proeza.

– Então vamos dar início ao baile! – Gavril anuncia animadamente e, como filho de Dionísio, creio que não poderia se esperar ao divergente a isso.

Todos se levantam ao mesmo tempo e espero um caos, mas de algum jeito bastante curioso, todos saem em uma perfeita e estranha ordem, em filhinhas organizadas.

Os deuses arranjam um lugar, alguns vão encontrar seus filhos, outros ficam em seus tronos e outros – Afrodite e Ares – arranjam um cantinho para se pegar. As meninas fazem um semicírculo involuntário. Eu e Maxon nos encontramos no centro desse círculo agora completo e me sinto como Cinderela no filme que acabou de lançar.

– Olá, minha querida. – ele brinca e seus olhos faíscam para mim.

– Nem comece, Alteza. – sorrio para ele, pegando sua mão, enquanto a outra se posiciona na minha cintura.

A música começa e nós dançamos por alguns segundos em silêncio.

– Então, o guarda tem feito seu trabalho direito? – ele pergunta e está nitidamente sem assunto e acredito que um pouco desconfortável.

– Oh. – não havia pensado em Christian muito naqueles dias, na verdade, só neste momento me dou conta que ainda não topara com ele. – Na verdade eu ainda não o vi. Mas deve estar sendo competente como sempre. – dou um sorriso forçado.

Mais segundos se passam em um silêncio desconfortável, apesar do grande barulho no resto do salão, mas parece que eu e Maxon estamos em nossa pequena bolha pessoal.

– Para onde quer ir? – ele pergunta de repente.

– An? – estava perdida em pensamentos, havia me deixado levar pelo perfume inebriante de Maxon.

– A viagem que você ganhou. Quer ir para onde?

Não havia pensando nisso. Na verdade, nem tinha me ligado muito para o fato de que eu e Maxon viajaríamos aparentemente sozinhos para algum lugar de minha escolha. Para onde eu quero ir? Orlando? Miami? LA? Inglaterra? França? Brasil? México? Mais longe? Eu não sei...

– Pensei que você pudesse me ajudar a escolher. – meu tom de voz e frase soam mais manhosos do que eu tinha imaginado que soariam em minha mente.

– Ah, claro. – Maxon cora e eu tenho vontade de fazer algum comentário esperto, mas a música para e somente o som das palmas ecoa pelo salão.

Maxon solta vagarosamente minha cintura e mãos.

– Sorte a sua que ainda tem os pés. – sorrio para ele e ele me retribui um meio sorriso.

Maxon não me dirigiu nenhum outro sorriso durante a festa após aquele momento.