“Depois daquele dia, as coisas finalmente começaram a mudar entre nós. Eu não sentia mais aquele desconforto que costumava sentir durante nossos treinamentos. Sabendo que eu estava livre para ir embora quando quisesse, sabendo que eu estava ali por causa de uma decisão própria, eu me sentia muito mais livre e muito mais à vontade. Eu me sentia até mais disposta tanto a ensinar quanto a aprender. A mudança foi gritante.

E algo parecia ter mudado em Thranduil também. Eu não sei como ele se sentia, mas ele parecia ter ganhado novo ânimo. A mesma chama de determinação que às vezes eu vejo em seus olhos, Legolas, eu passei a encontrar nos olhos dele. Eu não sabia o quê, mas algo definitivamente havia mudado.

Nós continuávamos, é claro, a tentar humilhar um ao outro. E agora com a permissão dele, eu passei a utilizar de ofensas também, finalmente tendo a minha vingança. Nós continuávamos a “brigar” e a “discutir” tanto quanto antes. Mas o tom de nossas palavras, embora estas fossem exatamente as mesmas, havia mudado. Agora, elas eram mais como uma brincadeira. Não havia mais nenhuma intenção maldosa por trás delas.

– Um troll montanhês manco é mais rápido que isso!

– Está querendo levar outra flechada, é?

– Ha! Eu gostaria de vê-la tentar!

– Olha... Não me provoque!

– Nossa, estou morrendo de medo!

Eu larguei a espada na grama e corri em direção a ele. Tentei lhe dar um soco, mas ele aparou o golpe com a mão esquerda, enquanto rapidamente punha a espada de volta na bainha com a mão direita. Depois, de alguma forma ele me fez girar e segurou os meus dois braços atrás das costas. E então se inclinou para falar no meu ouvido:

– Agora, o que é que a senhorita pensou que ia conseguir com isso?

– Me solta! – eu rosnei.

– Se eu te soltar, você vai ser boazinha?

– Está me machucando!

Ele me soltou de uma vez, e eu cambaleei para frente, quase caindo de cara no chão. Thranduil ficou rindo de mim. Assim que eu recuperei o equilíbrio, parti para cima dele de novo, socando e chutando enlouquecidamente. Ele, porém, desviava com facilidade, aparando um golpe aqui e ali, mas nunca contra-atacando. Até que em dado momento ele segurou os meus dois pulsos e me puxou para que eu o olhasse nos olhos. Eu tentei chutá-lo para me soltar, mas ele aparou o chute com o joelho, como se não fosse nada. Por fim, eu desisti e o encarei zangada.

– Minha mãe diz que damas nunca devem usar os punhos em uma luta. – ele abriu aquele sorriso sarcástico de novo. – Por isso, ela diz, que damas devem ser boas com o arco-e-flecha e com lâminas.

– É? Mas eu não sou uma dama. –respondi entredentes. – Sou uma guerreira.

Ele riu de leve e soltou os meus pulsos.

– Bom, dá para dizer que você não é uma dama só de olhar. Sua trança soltou. – ele apontou, e eu imediatamente levei as mãos aos cabelos. Thranduil riu de novo. – Mas é precisamente disso que eu gosto em você. – ele falou olhando para as árvores, como se estivesse pensando alto. – Tudo bem, vamos encerrar por hoje.

– Já? Não está cedo? – ainda ajeitando os cabelos, eu olhei para o alto, analisando a posição da lua e das estrelas. – O que foi? Eu te cansei demais hoje?

– Até parece... – os olhos dele cintilaram ameaçadoramente com a minha provocação. – Não, guerreira Syndel, o que acontece... – ele fez uma pausa, parecendo tentar decidir se dizia o que estava pensando ou não. – Tudo bem. Eu não devia te contar isso... E se você contar para mais alguém, eu prometo que te mato. – eu não soube interpretar se o fato de os olhos dele estarem sorrindo indicava que ele estava brincando ou que adoraria me matar. – Bom, eu não devia te contar, mas acho que você merece, já que foi boazinha hoje e tudo o mais.

– Apesar da flechada? – eu apontei para o braço dele, no qual havia uma faixa amarrada na altura em que minha flecha tinha cortado sua manga.

– Foi só um arranhão. O que eu estava dizendo... Isto é um segredo, mas amanhã Oropher vai convocar o esquadrão dos aprendizes para um teste surpresa. Ele ficou bastante desapontado com o que aconteceu naquela batalha contra os orcs e quer avaliar o desempenho de todos.

– Como assim? Que tipo de teste?

– Primeiro, uma demonstração de golpes desarmados. Depois, demonstração de tiro com o arco-e-flecha, na formação padrão. Depois, demonstração de golpes com facas. E, por fim, com espadas.

Eu engoli em seco.

– E quem falhar?

– Eu não sei. Vai passar por um treinamento intensivo, acho.

– Você não está com medo? Da segunda parte?

Ele abriu aquele sorriso torto de novo:

– Os futuros capitães da guarda não vão participar. Vamos ser avaliadores. Oropher não pode observar todos os aprendizes ao mesmo tempo, é gente demais.

– Que sorte a sua, não?

– “Sorte”. – eu percebi as aspas na voz dele tão claramente como se as estivesse vendo escritas num pergaminho.

– Espera... Você não...!

Ele riu: – Boa noite, Syndel. Procure estar pronta amanhã, sim? Deixe-me orgulhoso.

Thranduil...! – eu chamei, mas ele não respondeu, já se afastando a passos largos em direção ao palácio.

– É comum haver testes como aquele que o vov... Que Oropher convocou, mamãe?

Syndel colocou a flecha que havia acabado de confeccionar no monte e ergueu os olhos para o filho. Bastou olhar em seus olhos por meio segundo para que ela soubesse que ele realmente gostaria de fazer um teste daqueles, ávido por demonstrar suas habilidades. Ele ainda era só uma criança.

– Não, não é. Na verdade, eu nunca ouvi falar que outro teste como aquele tenha acontecido, nem antes nem depois daquele. Acho que foi uma invenção do rei.

Legolas ficou obviamente desapontado.

– Conta de novo como foi?

– De novo? – Syndel olhou carinhosamente para ele.

– Só mais uma vezinha? Por favor?

A mãe suspirou, sabendo perfeitamente que não seria só mais aquela “vezinha” que teria que contar aquela história. Legolas adorava ouvir histórias sobre o pai, e aquela era a sua preferida.

– Como Thranduil tinha me avisado, eu acordei bem cedo no dia para treinar para o teste.

“Fui para o campo de treinamento e refiz várias vezes os exercícios básicos com lâminas que Thranduil tinha me ensinado... Ou tentado me ensinar, pelo menos. Eu treinei a manhã inteira, mas não precisava que ninguém me dissesse nada para saber o quanto eu ainda era ruim. Mesmo assim, aquilo era tudo o que eu tinha. Teria que ser o bastante.

Eu havia combinado de almoçar com as minhas amigas naquele dia, e não podia simplesmente não aparecer sem levantar suspeitas, então, mesmo a contragosto, parei de treinar e fui me encontrar com elas no local marcado. Eu nem imaginava que já estava sob a suspeita delas, e já havia algum tempo...

Nós nos encontramos debaixo daquele salgueiro grande, onde nós costumamos fazer piqueniques, sabe? Então, eu e minhas amigas tínhamos marcado de fazer um almoço-piquenique ali naquele dia. Cada uma levou sua cesta e nós compartilhamos as diferentes comidas. Era algo que fazíamos com certa frequência. Paramos depois daquele incidente. Eu sinto falta daquilo...

Bom, enfim... Naquele dia, eu notei que havia algo de diferente. Minhas amigas estavam estranhas, conversando menos, e não paravam de trocar olhares, numa conversa silenciosa da qual, pelo visto, eu era a única que não fazia parte. Eu as conhecia bem o bastante para saber que não adiantava perguntar de que se tratava. Era melhor só esperar. A resposta veio na hora da sobremesa:

– Tudo bem. Eu pergunto, então. – Naïf olhou para mim, estreitando os olhos verdes daquele jeito que sempre me intimidou. – Syndel, tem uma coisa que nós queremos saber. Mas você precisa ser sincera com a gente. Não minta.

– O que foi? – elas estavam me assustando.

– Você nunca nos escondeu nada, não é?

– Não.

– Nunca mesmo, ne?

– Nunca.

– Nem está escondendo, neste exato momento, certo?

– Não! Do que você está falando, Naïf?

– Nada...

Eu esperei, mas nenhuma delas disse mais nada.

– Ah, não! Agora vocês podem falar! O que está acontecendo? – eu olhei para elas, irritada. Elas estavam com cara de que estavam se sentindo culpadas. – De onde veio esse interrogatório, do nada?

– A Viriya anda falando de você. – Saihel, a emocionalmente mais fraca entre nós, não resistiu à pressão.

– O quê?

– Ela nos procurou há uns dias. – Lyndril explicou. – Ela disse... – ela parou, mordendo o lábio.

– O quê? O que ela disse?

– Ela disse que você está saindo com o príncipe. Há mais de um ano. Disse que você está se encontrando com ele em segredo e que está escondendo isso de nós. É verdade ou não? – Naïf falou tudo de uma vez, impaciente.

Você sabe quem é a Viriya, não sabe, Legolas? Bom, eu acho que já te disse isso antes... Mas eu quero que você mantenha distância daquela lá. Nunca conheci uma elfa tão invejosa, tão mentirosa, tão traiçoeira, tão ambiciosa, tão... Enfim. Fique longe dela, está bem?

Ao ouvir aquilo, eu fiquei furiosa. Como aquela fofoqueira tinha descoberto aquilo? E, pior, como as minhas amigas puderam acreditar nela?

– Não, é claro que não é verdade! – respondi, sem nem pensar nas consequências. É claro, não se podia dizer que eu estava “saindo” com o Thranduil. Pelo menos, não do jeito que elas estavam pensando e que a Viriya tinha, certamente, sugerido. Mesmo assim, eu sabia que negar tudo seria uma mentira. Mas não me importei. Estava brava demais por elas terem preferido acreditar numa fofoqueira invejosa a acreditar em mim. – Como vocês podem dar ouvidos a ela? E quando pretendiam me contar que ela estava espalhando esses boatos estúpidos sobre mim? Vocês não me conhecem? Não sabem o quanto eu desprezo o Thran... O príncipe? Como puderam acreditar que eu estava saindo com ele? Que tipo de amigas são vocês?

Eu me levantei de uma vez e, deixando minha cesta e minhas coisas para trás, saí correndo dali.

Eu ainda estava chorando de raiva (de mim mesma, da Viriya, das minhas amigas, do Thranduil, do mundo...) quando o comunicado da convocação do rei chegou pouco depois. Sem ânimo nenhum, eu lavei o rosto, tratei de esconder as lágrimas, vesti meu traje de caça, peguei meu arco e a “Terror” e me dirigi ao maior campo de treinamento do reino.

Chegando lá, fiquei grata pela minha posição na formação padrão ser bastante longe das meninas. Eu sempre tinha reclamado disso, mas naquele dia fiquei contente por poder passar na frente delas fingindo que nem as tinha visto e parar bem longe, de cabeça erguida, na minha melhor pose de não-estou-nem-aí-para-vocês.

O rei, a rainha e Thranduil estavam lá na frente, num palco improvisado. Do lado direito deles estavam o general Guillion e outros lendários comandantes. Do lado esquerdo, os capitães da guarda, meu pai entre eles. Logo na frente do palco, de costas para ele e de frente para o resto de nós, estava o resto dos futuros capitães da guarda, a “liga”.

– Sentido! – Oropher gritou, e todos obedeceram. – Muito bem. Acho que todos vocês imaginam o porquê de estarem aqui. Sei que já faz quase um ano agora. Mas eu não me conformo com o vergonhoso desempenho de vocês naquela batalha contra os orcs. Eu lhes dei uma tarefa simples, corriqueira! E vocês falharam. É vergonhoso que um elfo tenha perdido sua vida numa batalha como aquela, que faz parte do dia-a-dia da guarda. – ele fez uma pausa para andar de um lado a outro do palco olhando para nós, e eu estremeci ligeiramente quando seus olhos passaram por mim. – Que tipo de guarda nós teremos... – ele continuou, sua voz ligeiramente mais alta e grave. – ... no futuro, se eu permitir que aprendizes que falham em uma missão como aquela se juntem aos meus soldados? Que tipo de guarda nós teremos se eu permitir que amadores se juntem aos meus soldados? E que tipo de futuro terá Greenwoods se nossos guardas não conseguirem conter uma simples horda de orcs? Em que tipo de reino nascerão os filhos de vocês? Em que tipo de reino vocês viverão, daqui a mil anos? Que tipo de reino o meu filho herdará, se eu permitir que uma coisa dessas aconteça?

Eu busquei Thranduil com os olhos. Ele estava parado em posição de sentido, olhando solenemente para frente. Mesmo assim, eu senti que os olhos dele também estavam em mim. E alguma coisa me dizia que aquele discurso o estava deixando nervoso. Sem saber por que, senti uma súbita vontade de correr lá e... Abraçá-lo. Eu me lembro de ter franzido ligeiramente a testa numa auto-repreensão ao pensar nisso, mas era verdade. Naquele momento, eu quis abraçar Thranduil e lhe dizer que não tivesse medo, que tudo ia ficar bem.

– Eu não posso permitir. É por isso que decidi convocar este treinamento coletivo. Vocês farão uma demonstração das habilidades básicas requeridas aos elfos que fazem parte da guarda. Aqueles que falharem em demonstrar um desempenho satisfatório serão enviados para um treinamento especial. Não se preocupem, eu não me esqueci de que vocês todos ainda são elfos jovens, aprendizes.

Era fácil para ele falar “não se preocupem”, mas eu podia sentir a tensão à minha volta. Todos estavam nervosos; eu mais que todos, estando ciente da minha total inaptidão. Principalmente porque eu não seria a única encrencada quando a verdade viesse à tona. Meu instrutor, um dos capitães da guarda que estavam lá na frente, também sofreria as consequências.

– Acreditem, isto é para o bem de vocês e de Greenwood. Os membros da liga, seus futuros capitães, serão os principais avaliadores. Eu e os membros da guarda aqui presentes também estaremos olhando tudo daqui da frente. – ele fez uma pausa. – Passo então a palavra ao meu filho, Thranduil. Ele irá comandar vocês. – Oropher deu dois passos para trás solenemente, abrindo espaço para que o filho passasse.

Thranduil andou lentamente até a frente do palco. Chegando lá, ele parou, com as mãos atrás das costas.

– Descansar! – houve um murmúrio baixo de alívio quando todos saíram da inconfortável posição de sentindo, sacudindo levemente os braços e as pernas para liberar a tensão. – Muito bem. Acho que nosso senhor, o rei, já disse tudo o que havia para ser dito. Vamos começar. Em primeiro lugar... – ele deu uma olhada em volta, parecendo avaliar o espaço disponível. – Em primeiro lugar, vamos fazer um alongamento.

Eu podia ver as pessoas se entreolhando. Oropher franziu a testa como se julgasse ter ouvido mal, mas não disse nada. Os membros da guarda lá na frente pareceram achar aquilo estranho, mas trataram de disfarçar rapidamente. Eu mesma estava confusa. O que ele tinha dito?

Thranduil percebeu a confusão geral e engoliu em seco:

– Eu não quero que ninguém sofra nenhum tipo de contusão. – a expressão dele mudou ligeiramente, abandonando toda aquela austeridade forçada enquanto ele passava os olhos pelo esquadrão. – Eu não quero que vocês se machuquem.

Os outros pareceram não acreditar no que estavam ouvindo ou não entender o objetivo daquilo, mas eu conhecia Thranduil bem o bastante para ouvir a sinceridade que inundava sua voz. Imediatamente, senti meu coração começando a bater acelerado e a vontade de abraçá-lo aumentou quase ao ponto de ficar insuportável. Na época, eu não entendi por quê. Mas hoje eu sei, Legolas. Aquilo já era amor. Naquele dia, meu coração já estava dizendo o que minha mente ainda não tinha compreendido: eu já amava Thranduil.

O príncipe então nos guiou por uma série de exercícios simples de alongamento. Polichinelos, flexão de joelhos, essas coisas. Oropher e os outros esperaram pacientemente sem questionar.

– Muito bem, muito bem... Agora, por favor, eu peço que vocês abram espaço. Abram espaço, abram espaço, isso... Certifiquem-se de manterem uma distância segura uns dos outros. Não queremos que ninguém bata em ninguém sem querer. Isso, isso... Você, um pouco mais para a direita. Aí... Não, volte um pouco. Isso. Aí. Perfeito.

À minha volta, eu ouvia os murmúrios de “o que deu nele?”, “o que será que ele está fazendo?”, “cara, não sei por que isso...”, “na batalha de verdade, nós estávamos colados uns nos outros”, “será que ele está se exibindo para o rei?” Eu tive vontade de gritar contra a injustiça daqueles comentários. Será que era assim tão difícil acreditar que o príncipe estava simplesmente sendo gentil e cuidadoso? É claro, se eu tivesse parado um pouquinho para pensar, saberia que, para a maioria das pessoas era difícil sim acreditar. E para mim também deveria ser.

Depois de nos organizar da melhor forma possível no espaço limitado do campo de treinamento, Thranduil começou, enfim, a comandar os testes. Primeiro, nós tivemos que demonstrar habilidades de luta desarmada. O príncipe gritava, comandando-nos lá da frente, dizendo os nomes dos golpes que devíamos demonstrar. Enquanto isso, os amiguinhos dele, os membros da liga, andavam no meio de nós, fazendo a vistoria. Eu não tive grandes dificuldades nessa primeira parte, mas eu os vi gritando (e sendo realmente malvados, se você me perguntar) com outras pessoas à minha volta. Saihel começou a chorar depois de levar uma bronca por errar o mesmo golpe três vezes.

O meu nervosismo, na verdade, o nervosismo geral crescia com o passar do tempo, conforme o número de advertências ia aumentando. O próximo exercício, com o arco-e-flecha, foi um alívio para a maioria, mas um suplício para alguns. Nós, elfos da floresta, somos famosos por nossa arquearia. Cometer um erro nessa parte era uma falha muito grave. Thranduil teve sorte de ser quem é e poder escapar daquilo. Eu, por minha vez, cheguei a receber um elogio de um dos membros da guarda durante a demonstração de tiro individual.

Então Thranduil ordenou que todos guardassem os arcos, e eu comecei a suar frio. Tinha chegado o momento da demonstração com facas.

– Certo. Muito bem, já estamos quase acabando... – num movimento rápido, ele sacou duas facas de algum lugar em suas vestes. – Agora, saquem suas facas. Duas, uma em cada mão.

Ninguém pareceu notar, como eu, que ele tinha pegado armas pela primeira vez até então. Ele nem chegou a tocar no arco que carregava. Hesitantemente, eu peguei minhas duas facas longas.

– Agora, por favor, demonstrem aquele primeiro golpe simples, cruzando as duas facas na frente do corpo... Aquele, o primeiro que os professores ensinam na iniciação, lembram? – ele mesmo executou o tal golpe no ar.

Novamente, ninguém pareceu achar estranho que ele estivesse se preocupando em explicar tanto o que queria que fizéssemos, sendo aquele um golpe tão primário. Mas conforme ele passou a demonstrar e explicar detalhadamente todos os exercícios, coisa que ele não tinha feito durante a luta ou a arquearia, eu comecei a ouvir algumas pessoas questionando o que estava acontecendo. No entanto, eu sabia. Thranduil não olhou na minha direção nem uma única vez, mas eu sabia que ele estava fazendo aquilo para mim. Especialmente porque aqueles eram exatamente os mesmos movimentos que nós havíamos praticado no dia anterior.

É claro, mesmo com aquela ajudinha extra, eu ainda estava completamente perdida e tinha a certeza de que estava fazendo tudo terrivelmente errado. Mas eu dei uma sorte enorme, porque os membros da liga não passaram perto de mim durante todo o exercício, como que por milagre.

Obviamente, porém, nenhuma sorte dura para sempre.

Quando Thranduil disse que bastava de facas, eu já comecei a me animar, achando que talvez pudesse, afinal, passar ilesa por aquilo tudo. Que ingenuidade a minha... Tudo que podia dar errado aconteceu durante o exercício seguinte. O que me metia mais medo. O teste com espadas.

O príncipe continuou demonstrando todos os golpes lá na frente, arrancando sussurros impressionados da multidão e elogios dos membros da guarda. Ninguém podia negar o quanto ele era impressionante com aquela lâmina, mesmo que os movimentos executados fossem extremamente simples (escolhidos, eu sabia, especialmente para mim). Eu o imitava da melhor forma que podia e estava indo tudo bem. Até que um dos membros da liga colocou os olhos em mim.