Havia dito com todas as letras e vírgulas para minha mãe não preparar nenhuma festa de aniversário para mim. Porém, ela nunca soube cumprir muito bem o pedido de alguém e esse... foi um deles.

— Shara, qual o problema de cantar um “parabéns” pra você?

O problema não era a festa em si, e sim o fato de que seria a minha última e que não estava pronta para dizer adeus.

— Porque não gosto de incomodar a senhora. — Menti para ela.

Era difícil contar a verdade quando se observa um monte de balões pendurados pela casa, uma faixa pendendo entre uma parede e outra, bem esticada dizendo “nós te amamos” e de brinde, um bolo bem feito com a vela de 18 anos em cima.

— Filha... você nunca me incomodaria. — Seus olhos em um tom azul escuro, se tornavam doces com seu sorriso maternal.

— Eu te amo. — Abracei-a inesperadamente. — Me perdoe por tudo mãe. — Sentia as lágrimas se sobressaltando dos olhos. Soltei-me dela e fiquei com as duas mãos em seus ombros, trazendo sua atenção para mim. — Você sempre será a melhor mãe do mundo.

Enxergava surpresa e confusão nos olhos dela, entretanto, ela me abraçou novamente e roçou seus lábios na minha testa com delicadeza.

— Não importa o que aconteça, você sempre será o meu bebê.

Sorrimos uma a outra e ela pediu licença, saindo do meu campo de visão, quando virou no corredor dos quartos e desceu as escadas para o primeiro andar, indo recepcionar os poucos convidados para a pequena celebração.

Olhando atentamente para a janela, observo Théo e minhas amigas acenarem para mim, com sorrisos abertos e embrulhos nas mãos. Retribuo o gesto e me viro para a porta, no mesmo momento, me deparo com ela aberta e um homem bloqueando a entrada. Com o susto, salto para trás e bato as costas no vidro da janela. Ele caminha na minha direção e olho sorrateiramente para todos os cantos, buscando algum objeto que possa usar na defensiva.

Ele devia ter uns dois metros de altura, os músculos com as veias saltitando para fora e olhos tão negros como a própria escuridão. Caminhava confiante na minha direção e em uma das mãos fortes, surge uma espada com cabo prateado e o pomo, em forma de diamante. Dela fluía-se uma nuvem preta e aos poucos, seu gume prata se tornava escuro.

Meu coração estava batendo tão rápido, que impedia minha respiração de ser ouvida. A cada passo que aquele homem dava, era impossível de se raciocinar direito, sabendo que ele iria me atacar com a sua espada de lâmina afiada. Minha vida estava por um fio e se não fizesse alguma coisa... iria morrer.

Fechei meus olhos e me permiti pensar em uma fração de segundos. Abro-os novamente e sua cor igual a Tulipa Negra (Rainha da Noite) se tornam acinzentados. Todos os objetos no meu quarto começam a tremer e se erguerem no ar, indo na direção do assassino a minha frente, ele se defende com a espada e no momento que dá um salto para me atingir com sua adaga escondida na bota...

— Shara! — Ouvimos a voz da minha mãe.

Ele desaparece em uma fumaça negra que vai clareando até se tornar incolor, isso tudo é menos de um segundo, e com a força do impacto – causa dos poderes que mesmo simples, eram fortes –, ocorre-se um blackout por toda cidadezinha aonde resido.

— Meu Deus! — Mamãe exclama desesperada.

Apesar das sombras impedirem um ser humano de enxergar, eu conseguia vê-la claramente na minha frente, tentando se apoiar em alguma coisa, antes que tropeçasse e tombe no chão.

— Mãe. — Chamo suavemente e ela com os olhos abertos, busca a direção da minha voz. — Estou aqui.

Ando na sua direção e pego em uma das duas mãos esticadas, procurando apoio. Ela esboça um sorriso aliviado e me coloco a sua frente, deixando que se agarre na minha cintura, para descermos juntas até o andar térreo da casa.

Ouço os muitos burburinhos sobre toda a residência e quando descemos, contemplo do meu lado esquerdo, as pessoas no campo ao redor da casa. Ali, todos estão agrupados perto da mesa retangular comprida, com o tampo de madeira marrom coberta por uma toalha listrada.

De longe, sinto cheiro de carne sendo assada na churrasqueira. Noto que as árvores estão agitadas e percebo o quanto o céu está estrelado. Hoje ocorrerá uma chuva de estrelas cadentes aguardado a décadas pela minha família.

— Chegamos meu amor? — Mamãe pergunta, enquanto ainda se acostuma pouco com o negrume da noite.

Instantaneamente a luz retorna para nós e todos celebram como se o time favorito tivesse marcado o Gol da virada.

Mary, uma das minhas amigas, vestida no seu traje comum: calça jeans, camisa branca de alças finas e cetim, usando tênis preto e cabelos presos em um rabo-de-cavalo. Anda na minha direção de braços abertos, me abraçando ao se aproximar.

— Feliz Aniversário! — Ela diz.

Vejo minha pequena irmã Elisa vir até nós e me entrega docemente, o embrulho de Mary.

— Ainda não é hora de abrir os presentes Lisa. — Samara, minha irmã de dezesseis anos, fica no encalço da menina e para não chatear a pequena, curvo meu corpo para a frente e pego o pacote.

Ela saltita empolgada para saber o que é. Retiro o papel de embrulho rosa com desenhos das Princesas Disney como decoração, e encontro uma pequena caixinha de veludo, a abro e me encanto com o presente.

Um cordão de ouro com pingente de coração branco.

Não escondo a surpresa pelo presente que deve ter sido caríssimo. Olho para Mary com a boca aberta, sem reação quanto a isso e ela dá de ombros, fazendo pouco caso de mim.

— Não se faz dezoito anos todo dia. — Diz por fim.

— Mas isso foi caro! — Retomo a fala e ela abre um sorriso simpático, dá uma piscadela e tira de dentro da caixinha, uma carta branca dobrada.

— Vamos ali... — Mary chama Elisa para que possa me deixar a sós com o presente e a carta. Dando-me alguns minutos de silêncio.

Sozinha no meio da sala de estar, sento-me no sofá atrás de mim, e coloco o cordão no pescoço, em seguida, abro a carta para ler o que dizia:

Cara chatonilda! Nós sabemos que foi caro o presente e estamos nem aí para o que você vai dizer... ele é apenas uma retribuição por tudo que tem feito por nós e por ser nossa grande amiga. Apesar de ter dezoito anos agora, ainda continuaremos a ser crianças, lembra? Essa foi a nossa promessa daquele dia! Então, amanhã mesmo iremos no Parque da Disney assistir ao espetáculo da Frozen (risos). Que você viva bastante para casar com o Théo e ser minha madrinha de casamento, para não deixar a Anny virar uma lunática por informática e a Mary uma viciada em Orgulho e Preconceito, também para ajudar Milena a ser menos nervosinha e mostrar ao Ashafe o quanto ele pode ser um príncipe sem coroa.

Dos seus amigos estranhos

AMANDA, MARY, MILENA, ANNY, THÉO E ASHAFE.

Uma lágrima escorre dos meus olhos até a bochecha. Sinto os lábios tremerem por causa do choro querendo sair de dentro de mim e seco o rosto, não deixando transparecer o quanto me sinto contente pela grande amizade deles; precisava ser forte, até o último minuto e apenas me levanto do sofá, indo na direção dos meus amigos, para agradece-los pelo presente.

Eles estão em volta da mesa, conversando normalmente e quando me aproximo, esboçam sorrisos leves. Amanda retira a mecha dos seus cabelos ondulados dos olhos, o colocando para trás, depois caminha na minha direção para dar um tapinha nas costas e me parabenizar.

— Está velha em amiga? Quando é que você vai para o asilo? — Ela zomba.

Suspiro para manter a paciência e ela começa a gargalhar da sua própria piada.

— Amanda... menos, por favor? — Milena pede. Vejo suas madeixas ruivas voarem por culpa da ventania suave, mas que aos poucos, se tornava forte.

— Eu amei o presente, obrigado pessoal.

— Não tem de que, amigos são para isso. — Ashafe responde, se colocando no meio das meninas, para me dar um abraço amigável.

— Para sempre, lembra? — Théo me lembra da nossa promessa, de sempre estarmos juntos, até o fim dos dias.

Éramos todos crianças e estávamos debaixo de uma árvore aqui perto da minha casa, ali prometemos nunca nos separar e sempre ajudar um ao outro.

— Então? Prontos para a chuva de estrelas cadentes? — Anny pergunta, segurando um copo de refrigerante.

— Não antes de comermos a carne assada do tio Willow. — Amanda caminha até meu pai, pedindo um prato repleto de carne fatiada e volta até nós oferecendo. — Quem está com fome?

Meus colegas se servem e ficamos atentos ao céu, esperando a chuva acontecer. Percebo que a floresta atrás da minha casa, parece silenciosa e as fortes rajadas de vento me transmitiam arrepios constantemente. Por um segundo, pensei ter visto enormes ondas virem na nossa direção, mas olhando atentamente mais a fundo, não enxergo nada além da escuridão.

— Shara? — Papai chama e torço o nariz para ele, sentindo a comida gordurosa em sua roupa. — Ah... para de ser chata e abraça seu pai. — Ele abre os braços e quase dou um salto para me aconchegar neles. — Minha princesa. — Sinto um beijo gentil no topo da minha cabeça.

— Eu te amo pai.

— Sua mãe disse que você está meio emocionada hoje, por acaso... — Ele hesita. — São os hormônios adolescentes ou alguma coisa de mulher?

Ele sussurra baixinho e abafo o riso com a sua cara preocupada e ao mesmo tempo, perdida. Apesar dele ter duas filhas jovens, ainda não havia se acostumado com algumas coisas que ocorrem na adolescência feminina.

— Tranquilo pai... — Afirmo e o vejo sua expressão dura se aliviar. — Coisa normal de mulher. — Sussurro em segredo e lhe dou uma piscadela.

— Tudo bem... tudo bem. — Ele ergue as mãos inocentemente e desvia do assunto, achando que ouviria algo sobre absorventes e coisas do tipo.

Desencana pai... nunca falaria sobre isso com você.

Ele se afasta e volta para a churrasqueira, remexendo a carne para servir aos convidados. Muitas pessoas vieram me cumprimentar e ficaram até a chuva de estrelas cadentes acontecer. Por um momento, aproveitei meu minuto de solidão e voltei para meu quarto, sendo seguida por Théo.

— Feliz? — Ele apoia seu corpo atraente no batente da porta, olhando-me com seus belíssimos olhos cor do céu. Seus lábios finos esboçam um sorriso divertido, que atiçam meus pelos e acelera meu coração.

— Muito. — Respondo com sinceridade e sento-me na beirada da cama, olhando para o meu colar no pescoço, que era tão lindo.

Ouço os passos de Théo vindo na minha direção e ele se senta ao meu lado, bem próximo ao meu corpo, tanto que podia ouvir a sua respiração e as batidas do seu coração. Seus olhos ficam fixados em mim e quando o encaro, sua mão delicadamente retira a mecha que atrapalha sua visão do meu rosto. Trocamos olhares fixos e num milésimo de segundos, seus lábios roçam delicadamente nos meus e suas duas mãos tocam meus braços.

O beijo foi leve e prazeroso.

— Qual vai ser o seu pedido? — Pergunto no meio do beijo, sorrindo com timidez.

— Ele já se realizou.

Penetro meus olhos nos de Théo, para desvendar seu desejo.

— Era poder beija-la antes que me arrependesse pelo resto da vida.

Escondo minha satisfação por ele ter conseguido isso e nos beijamos de novo. Em seguida, repouso meu rosto em seu ombro, sentindo-o afagar meus cabelos.

— Estou com medo. — Digo de supetão.

— Do que?

— De nunca mais poder estar com vocês. — Respondo em tom cansado.

Théo ergue meu rosto e me olha tentando descobrir o segredo de minhas palavras. Se ele soubesse que nem eu mesmo sabia o porquê de tudo aquilo. Só me lembro de ter tido um sonho na noite anterior, a qual não ocorria a mais de cinco anos, sobre um leão majestoso de pelagem ruiva, dizendo que o meu retorno era aguardado a séculos e que hoje, após completar minha maioridade, tudo mudaria drasticamente, pediu para que estivesse preparada.

Após acordar, percebi que meu corpo estava mudando e comecei a ouvir primeiro os animais falando. Depois, notei que tinha controle sobre a natureza e que as árvores estavam me vigiando a tempos, me protegendo de algo ruim, tudo isso em apenas um dia. Agora, que ele já chega ao fim, tenho medo do que vai acontecer comigo ou com todos ao meu redor.

Por isso não queria a festa... era perigoso demais! Mas agora, não havia o que fazer, apenas pedia aos céus para que nada machucasse as pessoas aqui presentes.

De repente, ouvimos as pessoas celebrando e ao longe, ouço os passos acelerados de Samara que vem nos avisar sobre a chuva de estrelas cadentes que havia começado. Quando ela entrou no quarto, eu e Théo estávamos afastados o suficiente para que não pensasse coisas e descemos os três apressadamente para observar o céu.

— Rápido! — Mamãe aparece na porta de acesso ao quintal, pedindo para que nos acelerássemos os passos e noto papai gravando tudo com sua nova filmadora. Elisa está próxima de Mary e quando olho para o céu... as estrelas cainham depressa, deixando um rastro de luz por onde passavam, iluminando aquele azul escuro que me encantava toda noite.

Morar em cidade pequena é bom, porque podemos observar a noite estrelada, sem qualquer buzina e pessoas apressadas. Era só sentar na grama, sentir o cheiro do orvalho e ficar ali, minutos ou horas, só se encantando com as maravilhas que Deus criou.

Foi quando... ouço o “tic tac” do relógio se misturando a um barulho estrondoso de água corrente vindo em nossa direção. Olho para o meu celular no bolso da calça jeans e noto que já havia eram 00:01 e com isso, meu aniversário acabou e eu estava oficialmente madura o suficiente para uma nova fase da vida, mas não para o que ocorreria neste momento.

Todos batem palmas com alegria, inibindo o som das águas e não percebendo que suas vidas corriam perigo. Passo correndo por Théo que para de celebrar e me olhar instigado a descobrir o que estava acontecendo, ele caminha no meu encalço e ando na direção da floresta.

— O que está acontecendo? — Théo me questiona.

Não o dou atenção, sigo em frente até ficar de frente a entrada da floresta escura e fecho os olhos para ouvir os galhos se quebrando, as árvores gritando com todas as suas forças para que me preparasse; os pássaros voando apressados de seus ninhos e as rajadas violentas do vento em minha direção.

— Théo, o que a Shara tem? — Ouço a voz de Anny se aproximando, mas havia outras pessoas com ela.

— Eu não sei, ela veio correndo para cá e até agora não me diz o que ocorre.

— Oh... Shara! — Amanda chama. — Está tudo bem sua louca? — Diz em tom brincalhão.

— Corram. — Sussurro.

— O que? — Pergunta Samara, confusa com a situação.

— Eu disse para correrem. — Minha expressão severa, assustou a todos e em um segundo, eles notam o enorme tsunami que vem entre as árvores.

— Ai meu Deus! — Milena se espanta e o pessoal começa a correr. Vou com eles e de volta ao quintal, vejo as pessoas desesperadas, se afastando da minha casa e encontro Elisa perdida.

— Cadê a mamãe e o papai? — Pego minha irmã de sete anos no colo, em que seus olhos assustados, não sabiam o que estava acontecendo.

— Você viu a mamãe e o papai!? — Chamo Samara que tentando se esquivar da multidão, corre até mim e lhe entrego Elisa no momento que ela se aproxima.

Corro o mais rápido possível, sentindo o desespero no sangue e o coração acelerado. Procuro pelos dois no andar de cima e não os encontros em canto algum.

— MÃE! PAI! — Entro em seu quarto. Vasculho o banheiro e nada dos dois! É quando percebo em cima da cama desorganizada, um pedaço de papel negro com dizeres em branco:

Se quiser vê-los a salvo... volte antes que os sangues deles escorram sobre as minhas mãos.

A Feiticeira Verde.

— Princesinha. — Ouço uma voz rouca em tom sarcástico.

Viro meu corpo para contemplar o homem que tentou me matar horas atrás. Ele retira seu capuz e enxergo os cabelos desgrenhados em tom escuro, um pouco sujos, por baixo da camada de sujeira em seu rosto, noto que sua pele é clara e em suas mãos, ele segura a espada.

— Traga os de volta! — Rosno.

Ele sorri de canto.

— Minhas humildes damas querem a sua presença... majestade. — Ele se curva zombeteiro, enquanto me menosprezada com seus risinhos irritantes.

Cerro os punhos enfurecida com sua pose soberba. Ouço gritos e corro na direção da janela do quarto, vendo meus amigos e irmãs se abraçando, enquanto o tsunami já estava bem próximo. Fico assombrada com a força da água destruindo tudo ao seu redor e ela esmagaria as pessoas ali em poucos segundos.

— Parece que o tempo já se esgotou. — O homem de olhos obscuros comentou, me incomodando.

Respirei fundo, procurando uma solução para aquilo.

Pense Shara... pense!

Como se uma lâmpada tivesse acendido sobre a minha cabeça, escondo isso do homem e encaro com seriedade no olhar. Ele me retribui percebendo a minha forma ameaçadora e ergue a espada, pronto para se defender de algum golpe.

Olho para a minha família abaixo e vejo a angústia fluir sobre eles. Respiro profundamente e atravesso a parede como se aquilo fosse normal, caindo diretamente no chão do quintal e caminho até minha irmã que chora, eu a abraço e beijo a testa de Elisa.

— Vai ficar tudo bem, eu prometo. — Garanto as duas. Antes que Samara olhe para as águas violentas, seguro seu rosto e a faço olhar para mim. — Todos olhem somente para mim, entenderam?

Sinto os olhares sobre mim.

— Se realmente acreditam em mim e sabem que irei os protege-los, confiem agora.

Encaro os olhos castanhos de Samara que estão vermelhos de tanto chorar. Ela soluça, enquanto abraça Elisa com amor. Vejo meus amigos e Théo é o primeiro a vir nos abraçar, incentivando os outros a fazerem o mesmo.

Em seguida fechamos os nossos olhos e depois...

Somos pegos pelas águas.