A Rainha da Beleza

XVI - Massacre


"02/06/2178

Estas provavelmente são minhas últimas palavras. Estou morrendo. Um anjo cuida de mim agora, e ela tem o sorriso mais lindo de todo o mundo.

Um sorriso que eu veria com prazer manhã pós manhã.

Que absurdo. Venci uma guerra, mas em frente ao meu anjo, sinto-me derrotado."

...

Romeu não gostava dali.

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Isso era bastante claro, já que ele pulava a qualquer som e se recusava a fazer qualquer barulho, sempre preparado para atacar qualquer coisa estranha com seus dentes e garras. Infelizmente, esta coisa estanha geralmente era eu, o que me rendeu uma dúzia de arranhões nas pernas na última semana.

Esse foi o fator que me obrigou a abandona-lo trancado no quarto sempre que me refugiava ali. Como musa, eu não podia me dar ao luxo de ter pernas cobertas de arranhões – é claro que, também como musa, eu não deveria ter passado boa parte da semana escondida em uma torre de biblioteca empoeirada.

O lugar não era muito espaçoso. Não deviam caber mais do que três pessoas ali, sem que ficasse apertado demais. Mas para mim era bom o suficiente. .

Chegava a ser estranho como um lugar tão imenso quanto um palácio pudesse ser tão sufocante, e estar ali, naquele espacinho com um cobertor e alguns livros fosse tão desopressor. Havia dado trabalho tirar toda a poeira e me livrar daquele ratinho incômodo sem que ninguém notasse, mas por fim, o lugar estava bastante acolhedor, com um par de almofadas e uma lamparina, além da luz que entrava pela janela de vitrais.

Ali, eu me sentia quase normal.

O diário dos Paris se tornava cada vez mais e mais cheio de segredos que eu nunca poderia imaginar na história da Eurásia, na verdade, na história do mundo. Perguntei-me se as pessoas na América – considerando que, ainda existam pessoas naquelas terras destruídas pela guerra – saberiam da verdade. Saberiam que nem foram seus ancestrais, sequer, que iniciaram aquela guerra.

Minha cabeça começava a doer. Já estava ficando escuro agora, mesmo ainda estando mais perto do fim da tarde do que do início da noite. O inverno, que nos cercava lentamente nas últimas semanas, em breve chegaria e o movimento no palácio diminuiria. Quase acreditei nisso, mas eu sabia que não era verdade. .

Com o inverno, também viria o aniversário do príncipe, sua coroação e seu casamento. O palácio estaria cheio. Cheio de moças desesperadas pela chance de ser rainha – cheio de rapazes interessados em conquistar o coração de alguma bela moça desprezada pelo título.

A falta de luz do dia pelos vitrais deixava a leitura quase impossível. Abandonei o diário ali, onde estaria mais seguro que em qualquer lugar, incluindo meu quarto, e comecei a descer as escadas. Se algum dos habituais frequentadores da biblioteca achava estranho, que eu sumisse e aparecesse por ali a qualquer momento, ninguém havia comentado nada.

Na verdade, a biblioteca estava quase vazia, o que era muito raro. Em geral, grupos de discussão, aulas e debates de ministros e membros do séquito, do clero e da corte, sempre estavam acontecendo em diferentes andares.

Foi só no segundo andar, igualmente deserto, que comecei a perceber que algo estava errado. Havia um som no ar, como um animal. Desci para o primeiro andar, encontrando-o exatamente como o último – nem Francesca estava ali – e saí da biblioteca, arregalando os olhos. As janelas para os jardins, que se estendiam por todo o corredor, estavam cheias de pessoas apilhadas umas sobre as outras olhando para o lado de fora.

Seus rostos demonstravam horror. Dor, medo, pânico, pena, ódio... As piores emoções humanas eram encontradas ali. Encontre algumas das meninas em meio à multidão, encontrei mesmo Fox, abraçando Annie que parecia determinada a não olhar para o que estivesse acontecendo do lado de fora.

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Tentei me convencer que aquilo não me abalou, enquanto me aproximava de Alicia.

—Bethany! – ela me abraçou, antes mesmo que eu soubesse que ela havia me visto – Felizmente, eu procurei você à tarde inteira. Você está bem?

—Estou, estou – falei, afastando ela, sentindo meu rosto se contorcer em confusão – O que é tudo isso? O que está acontecendo?

—Prisioneiros – ela falou, apontando com a cabeça para o lado de fora da janela – Conspiradores, rebeldes... Chame-os como quiser. Alguns foram capturados tentando invadir o castelo, e os outros foram entregues pelos primeiros. Não é algo que você precisa ver...

Mas eu parei de ouvir depois disso. De algum jeito consegui abrir caminho entre todos os habitantes correntes da biblioteca até um espaço nas janelas. Prisioneiros. Conspiradores. Rebeldes.

Negros.

Não eram dez, vinte, ou mesmo cinquenta. Andando pelos jardins do palácio, acorrentados como animais, feridos e sangrando, sendo chicoteados pelos guardas deveriam ter pelo menos duzentos homens, mulheres e até mesmo crianças.

Uma garota com não mais de dezessete anos tentava carregar um garotinho que mal deveria ter um ano de idade, nas mãos acorrentadas. Algumas das mulheres tinham as mãos juntas, sobre o peito, segurando os pedaços dos vestidos rasgados. Não havia dúvida que haviam sido abusadas. Os homens sem camisa tentavam manter um pouco de dignidade, mas recebiam nas costas as marcas dos chicotes enquanto andavam.

Eu senti o gosto do bile na minha boca, antes de encontra-lo. Era o rapaz que eu vira no baile, no que parecia séculos atrás, alheio a atenção de um grupo de garotas. Agora ele estava no final de uma das filas, igualmente sem camisa, com marcas de chicotes. Ele gritava algo para nós, gritava algo que não conseguíamos ouvir. Não acho que alguém além de mim sequer se importasse em ouvir.

Ele era jovem, não deveria ter mais do que a minha idade. Tinha cabelos loiros encaracolados e olhos azuis. Quando criança deveria mesmo ser lindo como um pequeno anjo, mas ali estava. Quanto mais ele gritava, mais os guardas lhe batiam. Eles sorriam com a dor deles, se deliciavam com seu sofrimento, mas não pude de deixar de admira-lo.

Havia algo nele. Uma coragem, um desejo de lutar, que me fascinou por aqueles minutos. Por que aquele garoto loiro, branco, estava ali junto com os negros? Ele era um simpatizante. .

Eu não conseguia desviar meus olhos daquela cena terrível. Olhei em volta, me sentindo enojada de repente por estar entre as pessoas com que estava. Mesmo os que demonstravam pena ou pavor, pareciam ter um estranho brilho nos olhos, como se vissem a justiça ser feita. Talvez fosse eu, talvez eu estivesse em fim enlouquecendo e vendo demônios em tudo e em todos. Impedi-me de olhar para as pessoas do lado de dentro, para me obrigar a olhar para o lado de fora.

"É isso que eles fazem" falou uma pequena parte da minha mente "É assim, que eles lidam com os problemas. Que eles lidam com o que não é bom o bastante.".

O garoto loiro havia parado de gritar. E de andar também. Ele cairá de joelhos, de repente, em frente a nós. Um guarda fez um sinal positivo para a janela. Pelo canto do meu olho, eu podia ver as pessoas em minha volta assentindo.

Eu deveria estar paranoica, mas eu sentia que ele não olhava para ninguém mais naquela janela. Eu sentia os olhos do menino anjo fixos em mim, implorando por misericórdia. .

O guarda ergueu um machado diante a aprovação de seu público. O garoto arregalou os olhos, e depois estufou o peito. Morreria com seu orgulho. Eu não conseguiria ver aquilo, dei as costas aquela atrocidade e corri o mais rápido que pude pelo corredor.

Eu não ia começar a chorar.

Eu não ia.

Não desta vez.

Alguém tentou me segurar no caminho. Mais de uma pessoa, eu diria. Talvez eu tenha deixado alguma delas com uma cicatriz.

Eu não saberia dizer.

Enquanto andava pelos corredores e salas desertos, eu tentava me convencer que eu não podia ter feito nada. Que nada que eu fizesse salvaria a vida daquele garoto. Que eu nem o conhecia e ele escolheu o próprio destino.

Eu queria acreditar que aquela não era outra maldita vida em minhas mãos.

Mas eu não conseguia. Tudo que eu conseguia pensar era que ele havia pedido por misericórdia. Minha misericórdia.

Mas eu não a dei. E mesmo que tivesse dado isso não mudaria nada, por que eu não era nada. Não era ninguém.

Eu nunca me senti tão impotente.

Em Corippo, eu defendia as crianças do orfanato das crianças de família. Eu me defendia das meninas cruéis da escola. Eu até mesmo defendia a senhora que criava porcos, quando as pessoas falavam dela.

Ali, eu não podia defender ninguém. Nem a mim mesma.

E pela primeira vez eu percebi o quanto eu odiava isso.

Odiava esse lugar.

Eu não sabia a onde eu estava ou como eu fui parar ali, mas eu fiquei ali muito tempo. Tempo o suficiente para chorar até dormir encolhida no chão, naquele tapete grosso com cheiro de lavanda.

No meio da noite, quando enfim me acordaram, não foi Alicia, Fox, Apolo, Veronicca, nem nenhuma das outras meninas que me encontrou. O soldado Martins me olhou em dúvida, como se tentasse adivinhar se eu estava dormindo ou não, mas a luz do corredor que ele deixou entrar tinha sido o suficiente para me deixar bem disposta. .

—Você deixou todos preocupados menina – ele sorriu, enquanto eu tentava levantar – Estão todos acordados procurando por você. O príncipe chegou a pensar que você tivesse fugido do castelo.

—Não, eu não... Não fugi – falei, um pouco tonta, enquanto ele me ajudava a levantar apenas para perceber que eu não me aguentava nos próprios pés.

Minha cabeça estava latejando. O chão sumiu debaixo dos meus pés.

Eu queria pedir para ele me soltar. Queria perguntar se ele estava no meio daquela barbaridade. Mas ele sempre foi bom comigo, e por causa disso uma parte minha preferia não saber. Enquanto me carregava pelos corredores de luzes estrondosamente brilhantes, ouvi-o falar algo sobre Romeu, sobre Veronicca e sobre eu lembrar alguém. Não prestei muita atenção em nada. Enquanto eu fechava os olhos, lentamente, as paredes do palácio iam desmoronando.

Os olhos do rei, naquele quadro no corredor, foram à última coisa que eu vi.

Ou talvez, ele tenha me visto.

...

Quando acordei de novo, o quarto estava insuportavelmente quente. Eram as gêmeas que estavam ali desta vez, Livie estava mais longe, com roupas de montaria e Romeu no quarto; Lilie estava mais perto de mim, na calçadeira lendo um livro.

—Bethany? – Livie foi a primeira a perceber que eu havia acordado, levantando-se e fazendo Romeu cair do seu colo – Como você está?

—Quanto tempo eu dormi? – perguntei, me sentando. Minha cabeça doía tanto que eu deveria ter chorado.

—Duas, talvez três horas – Lilie pensou por um minuto – Nem sequer são sete da manhã ainda...

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—Todas as outras garotas estão dormindo – Livie continuou –Alicia pediu que cuidássemos de você até que mais alguém acordasse.

— Temos o dia livre equitação – Lilie adicionou – Mas a prova do vestido para o casamento do duque é no fim da tarde.

—Tudo bem, vocês duas não precisam ficar aqui. Já podem ir – falei, olhando para os olhos cansados delas – Eu estou bem.

—Mas Alicia disse... – As duas começaram.

—Eu imagino o que Alicia disse, mas eu estou bem – Garanti, esperando que elas acreditassem na mentira. Nem eu achei muito convincente, mas talvez elas quisessem tanto dormir que aceitaram quase sem discutir. Em minutos, eu tinha as duas fora do quarto.

Olhei para a lareira crepitando – dali, então, vinha o maldito calor – e me levantei, coberta de suor, antes de seguir para o banheiro. Por dez, ou talvez por vinte minutos, com o corpo dentro d'água morna eu quase acreditei que talvez tivesse exagerado na noite anterior., talvez não fosse algo tão horrível quanto parecia na minha cabeça. Mas isso foi só o tempo do calor passar e das imagens voltarem, para que eu mal conseguisse sair da banheira antes de minha garganta apertar e eu jorra bile na água com cheiro de lavanda.

Deixei que a água escorresse, e voltei para o quarto, cansada demais para me importar com arrumar o cabelo, colocar joias ou passar maquiagem. Me encarei no espelho, sem conseguir enxergar cor nenhuma ali – Eu não sabia dizer se isso era culpa do mal estar, ou não. Talvez eu apenas estivesse muito acostumada a me ver com todo o brilho e adereços.

Mas, se tiver de ser totalmente sincera, não foi minha aparência, por si só o que mais me apavorou – Não, mais que isso, eu estava triste. Mais do que triste, eu me sentia morta. Como se algo dentro de mim, no fundo do meu peito tenha se quebrado, apodrecido ou sido arrancado, e só restou o vazio onde antes havia essa pequena parte luminosa.

Todas as roupas no armário pareciam coloridas demais e brilhantes demais para que eu me sentisse minimamente a vontade em pensar no que vestir, e de fato eu não tinha tomado nota do que eu vestida, enquanto via Romeu pular da cama, tentando alcançar a porta, quando saí do quarto o deixando para trás.

...

—Você é o chefe da guarda Martins, você precisa resolver isso – parei antes de virar o corredor. A voz furiosa de Veronicca ecoava pelo corredor vazio, o único até então onde não havia uma única criada apressada com toalhas, remédios ou comida. – São garotos, coloque-os de volta ao trabalho. Mais do que nunca o castelo precisa de todos seus guardas preparados!

—Acho que não está entendendo o ponto, Veronicca – ele falou calmo e firme – Meus homens não vão trabalhar contra sua vontade, e se os guardas do duque não se retirarem em três dias, darei ordem para todos os guardas do palácio cessarem seus serviços.

—Você não está autorizado a fazer isso. – alertou ela, mas a voz tremia diante a ameaça - Vai perder seu posto se o fizer.

—Se eu perder, pelo menos vou saber que estava fazendo meu trabalho bem feito – ele não se abalou – O duque e seus homens podem agir como bem entenderem em Bordeaux, mas a atrocidade de ontem foi um desrespeito a todos nesse palácio, e só mais um dos tantos que meus homens têm encarado.

Um suspiro quase escapou da minha boca. Eu estava certa. O soldado Martins – que me oferecerá um olhar gentil quando eu já não tinha nada, e protegeu meu Romeu – não estava no meio de toda aquela tragédia. Nem Apolo, ou Fox, ou a Rainha. Fora tudo o duque.

—O seu trabalho...

—O meu trabalho é manter a paz neste palácio, e eu garanto que muitos dos que assistiram ao show de horrores do duque na noite anterior estão muito longe de estarem em paz neste momento – me atrevi a observar, enquanto ele dava um passo para frente. Ele ela pouco mais alto que ela, mas Veronicca parecia inexplicavelmente pequena sore o olhar feroz dele – Você viu Veronicca, aquilo não era necessário. Eles haviam se rendido, mereciam uma morte rápida e indolor, não serem expostos como bichos. Crianças viram aquilo, eu nem imagino o quão assustadas todas aquelas crianças ficaram. As suas musas estavam lastimáveis, Bethany parecia um cadáver quando a encontrei, e a princesa... Bem, você mesma viu como ela estava!

—Sabe que não pode ficar falando essas coisas em voz alta, se alguém ouvir – agora os enormes olhos castanhos de Veronicca estavam arregalados. Me escondi de novo enquanto ela olhava para os lados, antes de perguntar – Ruby assistiu?

—Não – ele respondeu depois de algum tempo – Por sorte, ela já havia ido tomar banho quando tudo começou. Nem consigo imaginar o que isso faria com a cabeça dela.

—Elliot... – Veronicca suspirou. Ela parecia de repente não saber o que dizer.

—Não pode achar que isso está certo, Veronicca... Não pode simplesmente aceitar como se fosse algo comum como respirar.

—Não estou dizendo que é, mas não tenho direito de me opor a nada, e nem você – ela falou, impotente – Meu dever, é com a rainha, não com o meu coração.

—Como é possível que a rainha Lenna tenha permitido tudo isso? – ele perguntou.

—Vossa Majestade pode ser uma mulher forte e dura, mas ainda sim é a irmã mais jovem de alguém – suspirou Veronicca – Com tanto o que fazer, não acho que ela esteja vendo quão longe o duque está indo. Ainda mais depois que a irmã...

—O que está fazendo? – Pisquei, surpresa, diante ao meu questionador. Apolo me encarava, em um misto de desaprovação e curiosidade.

—Não está vestindo o uniforme – foi à primeira coisa que eu percebi, e a primeira que falei, antes que ele soltasse meu braço.

—Poucos estão – ele deu os ombros, cobertos por um grosso casaco de lã – Os homens do duque vem nos humilhando e ridicularizando há tempos, e depois de ontem o limite foi esvaído para muitos.

—Incluindo você – conclui, enquanto ele revirava os olhos.

—Vamos sair daqui, Bethany – ele deu uma olhada para onde Veronicca e o Soldado Martins ainda falavam, e seguiu pelo corredor – O que está fazendo acordada tão cedo? Eu soube o que aconteceu com você ontem. Quer falar sobre isso?

—Ele estava olhando para mim – me ouvi falar, de repente – O garoto loiro, de cabelos encaracolados. Ele olhou para mim, parecia pedir... Misericórdia.

—Adam – ele falou, pesadamente.

—O conhecia?

— Não era um mau garoto, ás vezes treinava com alguns guardas, dizem que o montou o cavalo do próprio General Venezza – ele deu os ombros, torcendo os dedos – Mas seu pai era filho de uma mulher negra, e mesmo com toda a pompa real havia algo nele que ansiava por proteger e lutar por eles. Ele não tinha o que reclamar, cresceu no luxo, tento todas as oportunidades... Mas morreu até o fim gastando cada palavra para defender o que defendia. – havia uma admiração na voz de Apolo, que me surpreendeu – É um jeito honrado de morrer, pela sua verdade. Mesmo que ela no fim esteja errada.

—Elas também morreram por algo que acreditavam – me peguei falando, mas não parei – Família. Pela última lembrança do seu pai – toquei o amuleto de Isis, gelado no meu pescoço – e pela chance de salvar a filha. Mas agora tudo que me resta é a imagem delas no fogo, e a dor de não tê-las salvados. E esse rapaz que eu nem conhecia vai ser mais um a se juntar a elas em meus pesadelos.

—Bethany, olhe para mim – ele falou firme, parando no corredor. Os olhos dele, o verde esmeralda brilhante se encheram de fúria - Não era o seu dever salva-las, era o meu. E eu estava em Berlim, e não lá para cumprir meu dever como filho. Não posso culpa-la por não fazer isso por mim! E nem você pode se culpar, nem por elas, nem por esse garoto que nem conhecia. Nós podemos entrar em guerra Bethany!

—O que? – dei um passo para trás, assustada pela fúria dele.

—Estamos treinando, dia e noite. Bandeiras estão sendo bordadas, cavalos sendo trazidos e armas forjadas. Se deixar seus pesadelos te dominarem, não vai aguentar nem um dia lá fora. Eu estive em Berlim, eu vi como é – ele respirou fundo, se acalmando – Precisa ser forte. O palácio às vezes te faz esquecer como tudo é perigoso lá fora.

—Aqui não é Corippo. – conclui.

—Não, não é – ele concordou.