A Rainha da Beleza

VI - Quase Cinderella


Alicia passou a prancha quente nos meus cabelos mais uma vez, antes de me envolver em uma nuvem de spray. Todas as outras meninas já estavam esperando para descer ao salão, apenas nós havíamos ficado no quarto.

—Em breve vai aprender a fazer isso sozinha – falou ela, sorridente – E todo o resto...

Assenti, temendo me levantar e olhar-me no espelho – o que seria impossível não fazer, já que havia tantos espelhos no quarto. Alicia ainda estava linda, mas mesmo ela não conseguia mante-se tão linda quanto eu costumava ver.

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Seu rosto estava pesado de maquiagem, linhas negras em volta dos olhos, lábios laranja vibrantes como o acabelo. Era quase assustador.

Ela havia me penteado e maquiado, passado pós e tintas no meu rosto, até que eu sentisse tão pesado que poderia arrancar tudo com um puxão. Meu cabelo estava liso e duro, e minha cintura estava tão apertada sob o vestido que eu tinha que respirar muito devagar.

Quando eu enfim encontrei meu rosto no espelho, eu vi uma linda e deslumbrante boneca de porcelana. Não era real. Não era humana. Não era eu. Era uma coisa magra e alta, com pele branca como papel, bochechar da cor de maçãs e cabelos que pareciam fios de palha alinhados um ao lado do outro.

Até mesmo minha altura parecia estranha e anormal com aqueles saltos enormes, como se eu estivesse usando pernas de pau.

No dia em que encontrei com a rainha pela primeira vez, eu estava cheia de adereções e maquilhagens, mas ainda parecia comigo. Agora, eu entendia como era ser um enfeite. E eu não gostava nem um pouco de me sentir como um enfeite.

Eu queria desesperadamente chorar. Mas atrás de mim, Alicia sorria.

—Pense nisso como um disfarce – ela falou calmamente – Uma Cinderella que pode dançar, rir e festejar, que será admirada a noite inteira e no dia seguinte será uma garota normal.

Assenti, respirando fundo e a seguindo para fora do quarto. Pelo menos, depois das quase duas semanas de aulas e treinos eu conseguia andar sem medo em cima dos saltos.

As outras meninas estavam tão cheias de adornos e pintura quanto eu, percebi, assim que chegamos à sala de estar. Alicia nunca me deixava vê-las antes de irem para os bailes, e sempre havia uma das garotas para ficar comigo a noite e garantir isso. Conheci bastante cada uma delas nesses dias, mas nada comparado ao vê-las agora.

Talvez você só conheça alguém quando os vê sob a segurança de um disfarce.

—Até que enfim, achei que iriamos nos atrasar por causa de vocês – falou Isabel, sendo a primeira a nos ver, se levantando e me medindo com os olhos – Nada mal... Mas você deveria a deixar escolher por si mesma da próxima vez, Alicia.

—É o primeiro baile dela – grunhiu Alicia, mas parecia um pouco receosa de repente.

Olhei para baixo, para o vestido azul brilhante que Alicia escolherá para mim. Sim, não seria minha primeira opção, com certeza, ele não ficava nem de perto tão bonito em mim quanto o azul noite ficava nela, mas ele era incrivelmente bonito.

Isabel e Kali eram as únicas que não tinham pó branco no rosto, mas enquanto Kali vestia roupas típicas indianas, de tecido estampado e brilhante, e carregava no corpo uma dezena de joias, Isabel parecia ainda mais bronzeada do que há poucas horas, vestia um vestido dourado reluzente e tinha a mesma cor nos olhos e na boca.

—Eu gosto do vestido – falei, mas Isabel já tinha entrado em uma conversa com as gêmeas, vestindo vestidos de plumas preto e branco idênticos, com cachos cheios em volta do rosto. Elas nunca estiveram tão parecidas antes.

—Acho melhor nós irmos – falou Tina, com seu vestido verde folha parada ao lado de Jin, que usava um quimono vermelho e um batom tão vermelho quanto no rosto pintado de branco. Eu já tinha visto imagens como ela em livros, há muito tempo atrás. Como era o nome? Neixas... Feixas...

—Gueixas – falou Jin, como se lesse meus pensamentos – Sim, gosto de me inspirar nelas.

Corei um pouco enquanto ela passava por mim logo atrás de Tina, eu era tão obvia que era constrangedor. Alicia me segurou enquanto todas passavam. Annie deu uma olhada de canto de olho para mim, enquanto passava, e embora não tenha falado nada, tive a impressão que sua boca se torcerá um pouco.

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—Então... – Comecei, enquanto saíamos atrás das outras – Tem festas todas as noites?

—Bem, basicamente sim – falou Alicia, sorrindo – Estamos no meio do ano, é a temporada de bailes... Nos meses mais frios, a maioria dos nobres vai para casa se preparar para as festas, ou migra para lugares mais quentes...

—Como a Itália – falou Isabel, com desgosto, colocando um dedo no meu ombro e me empurrando enquanto eu bambaleava nos saltos para me manter em pé – Uma dica, novata... Não fique no meio do caminho até conseguir lidar com a multidão... E não coma muito, aparentemente a senhora perfeita ai colocou você em um vestido feito para alguém com metade da sua cintura!

Um relógio cuco começou a apitar na parede, e Isabel atravessou entre as outras meninas para descer as escadarias em frente a todas. Alicia soltou um grunhido.

—Você está bem?

—Estou – ela sorriu, olhando para a minha cintura – Nada, Isabel só está sendo irritante... Vamos lá.

Ela me puxou até o fim da escadaria e apertou minha mão antes de sair de trás da grande cortina junto às outras meninas. A segui, da maneira mais natural que conseguia, o que não foi muito fácil. Eu normalmente tinha a impressão de ser invisível, agora a impressão era que todos estavam olhando para mim.

As outras meninas rapidamente se dispersaram, entrando em conversas e dançar, e me deixando sozinha para descobrir aquela nova parte daquele novo mundo.

Eu estava assustada. Comecei a andar em meio às pessoas sem saber direito o que fazer, olhando para qualquer lugar menos para seus rostos. Acho que tombei em uma ou duas pessoas antes de acabar me perdendo das outras.

Um grupo de meninas perto de uma mesa de doces me chamou atenção, eram cinco ou seis, e estavam amontoadas rindo despreocupadamente. Apesar de eu nunca tê-las visto antes, estavam tão, se não mais, maquiadas e cheias de joias do que nós musas.

Tentei não sorrir enquanto me aproximava da mesa. Poderia ter sido Isis ali.

—Boa noite – cumprimentei, olhando para os diversos docinhos coloridos. Pequei um, dando uma mordida apenas para sentir uma dor forte quando engoli. Eu nunca diria isso a Alicia, mas Isabel estava certa sobre a cintura daquele vestido. Não que eu fosse dizer isso a Isabel também.

—Que vestido incrível – falou a que parecia a líder das meninas, com um longo cabelo lilás preso em uma trança, me olhando de cima a baixo – Espere... Você é uma das musas? Isso é incrível! Qual seu nome?

—Bethany – falei, sorrindo, enquanto as outras meninas também prestavam atenção - Prazer.

—Eu sou Elizabeth – falou a menina do cabelo lilás – E essas são... Bem, na verdade não sei o nome delas, acabamos de nos conhecer. Eu sempre quis ser uma musa, mas minha avó ficaria devastada que eu viesse para o palácio.

Eu não sei como aconteceu, mas de repente eu estava andando pelo salão conversando com aquela garota que eu nem conhecia, falando sobre o que aconteceu em Corippo, e ouvindo-a falar como ela também perderá os pais, mas tinha que cuidar sozinha da avó doente.

Elizabeth, batizada em homenagem a três grandes rainhas inglesas do passado, vinha de uma família rica, mas não nobre, e morava ali mesmo em Paris. Seus pais se conheceram em uma festa no palácio, e por isso ela amava quando tinha oportunidade a ir até as festas da rainha, mas com os cuidados que a avó precisava, os empregos em meio período e a faculdade de arquitetura, era difícil arrumar um tempo para festas, tanto quanto era difícil conseguir um convite.

—Com licença senhorita, se importa em me conceder uma dança? – um rapaz tocou meu braço. Era alto e loiro, com um sorriso brincalhão e olhos azuis brilhantes – Podemos voltar para sua amiga depois disso.

Assenti, enquanto tentava lembrar como fazer aquilo. Foi difícil no início, eu tropecei uma ou duas vezes nos saltos e minhas pernas se prenderam nas pernas do vestido, mas acho que ele não percebeu. Estava tropeçando tanto quanto eu, claramente com um pouco de álcool na corrente sanguínea.

—Talvez nós pudéssemos voltar àquela sua amiga e largar essa festa chata – ele falou, descendo a mão da minha cintura para o meu quadril. Ele não havia bebido só um pouco, percebi pelo hálito. Tentei disfarçar minha careta, mas desta vez não consegui ser tão sutil – Oh, você não gosta de mim? Você com certeza não sabe com quem está falando, eu sou o...

—O maior idiota da face da terra, Domenic – falou uma voz atrás dele, enquanto outro garoto o puxava e olhava para mim – Achei que tinha esquecido nossa dança querida, estou esperando a noite inteira.

O loiro, Domenic, saiu tropeçando entre as pessoas do salão e o outro garoto pegou seu lugar. Tinha cabelos castanhos escuros lisos e um sorriso brincalhão, como se estivesse acabado de sair de um bom acesso de gargalhadas.

—Sinto muito, ele acabou de terminar com a namorada e... Bebeu mais do que deveria – falou o moreno, com modos perfeitos segurando minha cintura e minha mão – Você deve ser a novata, Bethany, correto? De Corippo?

—Como sabe...

—Ah, eu sei muitas coisas – ele deu os ombros – Dylan de Bordeaux, primo favorito do príncipe, ao seu dispor senhorita. Sabe onde fica Bordeaux?

—Na França? – tentei, sem muita certeza.

—Exato, três horas de trem ao sudoeste, para ser mais preciso – ele falou, sorrindo – Muito mais agradável e ensolarada do que a velha Paris, mas quem resiste aos encantos da capital do mundo?

—Imagino que haja muito mais vantagens quando se é parte da família real – arregalei os olhos quando percebi o que tinha dito. Maldita boca, essa não era a hora ara começar a falar demais, talvez daqui a dois ou três anos, não hoje.

—Está tudo bem, não é nada além da verdade – ele falou, parecendo se divertir e olhando em volta – Veja todas essas pessoas... Imagino que as despreze um pouco, não é mesmo?

—É claro que não!

—Bem, você deveria – ele falou pensativo – Depois de algum tempo você vai perceber que um pouco de desprezo neste lugar, não faz mal para ninguém.

Ele se afastou, puxando outra garota do salão para dançar. Virei-me, me deparando com as gêmeas, sorrindo – Oi.

—Oi! – as duas falaram ao mesmo temo, encaixando os braços nos meus.

— Vejo que conheceu o Dylan. – comentou Lilie – Espero que ele não tenha te irritado, ele tem o costume de ser um pouco... Imprevisível.

—E cheio de si – falou Livie – Extremamente cheio de si. Ninguém o suporta.

—Nem mesmo Isabel – falou Lilie – E ninguém suporta Isabel, então...

—Vocês duas estão sempre atrás de Isabel – tentei parecer natural, mas meu tom era quase acusador.

—Ah, bem, ninguém além de nós – falou Lilie – Nós gostamos dela.

—É ela cuidou de nós – concordou Livie – Quando chegamos aqui, quero dizer. Foi há dois anos.

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—Nós estávamos com tanto medo – elas falaram ao mesmo tempo, me prensando entre as duas para passarmos pelas pessoas.

Mordi a bochecha para não falar mais nada idiota, por que é o que eu faria se abrisse minha boca novamente. Eu não conseguia ver Isabel ajudando ninguém, não sem ser irônica sarcástica ou cruel. Mas as duas pareciam tão gratas a ela que imaginei se o problema dela não seria comigo.

—Olhe só, Annie está dançado com o príncipe – falou Livie – De novo.

—Ela é tão sortuda – suspirou Lilie, enquanto as duas me soltavam – Acho que precisamos voltar a circular, se quisermos dançar com alguém.

—Quer uma bebida Bethany? – perguntou Livie, pegando duas taças sobre uma mesa e me entregando uma – É totalmente sem álcool... Bem, quase totalmente, eu imagino. Pelo menos deveria ser.

—Ela não está brincando – avisou Lilie – Às vezes alguns convidados batizam as bebidas, entende?

—Se você não está acostumada a beber, eu sugiro só pegar bebidas das bandejas – concordou Livie, virando a taça e a largando sobre a mesa antes de correr para o meio da multidão rindo.

—Eu vou atrás dela – falou Lilie, saindo atrás da irmã até que eu ar perdesse de vista novamente.

Suspirei, trocando o pé de apoio. Eu nunca havia passado tanto tempo com sapatos como aqueles, mesmo depois de todos aqueles dias e ensaios, meus pés estavam doendo como se eu estivesse pisado sobre brasas.

E eu já havia feito algo parecido uma vez.

—Oh, o que ouve com seu braço? – perguntou uma senhora parando ao meu lado, horrorizada. Olhei para meu braço, os hematomas amarelos ganharam um tom avermelhado que eu não previra, provavelmente por conta dos esbarrões por todo o salão.

—Eu... Machuquei-me, em meio a um incêndio – falei, me encolhendo um pouco e dando um gole no drink na minha mão.

—Imagino que tenha se juntado as musas, então – falou ela, e eu concordei – É uma instituição adorável, quantos riscos uma garota bonita pode sofrer sozinha no mundo? Queria que existisse algo assim no meu tempo.

Pisquei surpresa. O rosto dela estava banhado de uma tristeza, de repente, e seus olhos se encheram de lágrimas.

—Não é terrível, tudo isso? Essas pessoas... Elas mancham todo o nome de um povo com todos esses atos de destruição – dei um passo para trás. A mulher estava chorando. – Tantas pessoas sendo, acusadas injustamente por causa dessas... Dessas bestas sem coração!

—Eu, com licença, eu preciso ir – falei, me afastando rapidamente, apavorada. Eu não estava esperando por nada desse tipo, era demais para mim. Olhei em volta, procurando as outras meninas, mas o salão estava cheio. As luzes haviam diminuído, e a música lenta tocava. Olhei para os lustres brilhando acima a mim, e os sons dos saltos junto aos meus.

Minha cabeça estava doendo, eu me sentia uma barata em meio ao salão, olhando volta procurando uma saída, até que enfim encontrei uma porta. Um milhão de pessoas até a porta.

O cheiro de doces e perfumes estava ficando forte demais de repente, eu nunca tive problemas em lugares pequenos e apertados, mas naquela sala imensa cheia de gente eu me sentia claustrofóbica de repente.

Meio milhão de pessoas até a porta. Um grupo de meninas rindo passou por mim, seus rostos maquiados pareciam flutuar para fora da cara, uma máscara branca com bocas coloridas e bochechas vermelhas.

Duzentas e cinquenta mil pessoas até a porta. Ele apareceu.

Eu nunca fui graciosa, mas desta vez eu não tropecei. Eu quase cai direto no chão, e cairia, se ele não tivesse me segurado. Ele tinha cabelos negros e olhos negros. E a pele mais branca do que a minha, a rata de biblioteca. Perdi-me por um minuto, seu rosto parecia familiar, mas seus olhos também estavam voando para fora do rosto como de todos os outros.

Olhos negros e vazios, do tipo que não se pode ler facilmente.

—Desculpe – murmurei, tropeçando meu meus pés para chegar até a porta. Mil pessoas, eu encontrei os guardas com olhos flutuantes. Um par de olhos que eu conhecia bem, cético e de um azul noite. Apolo.

—Bethany? – eu não conseguia entender muito bem o que se passava na cabeça dele. Parecia admirado, surpreso e preocupado.

—Como eu... Como eu volto, para a Casa das Musas? – perguntei, desviando das pessoas que entravam e saiam para chegar até ele. Eu estava tropeçando mais do que o normal, e percebi que era por que eu havia perdido um sapato no meio do caminho – Eu não...

—Chame a Srta. Alicia – ele pediu a um dos outros guardas, que saiu correndo imediatamente, voltando no que pareceu um piscar de olhos com uma Alicia correndo atrás deles. A última coisa que me lembro é de vê-la correndo até mim antes de minhas pernas cederem.