A Queda de uma Constelação

Quando o passado bate em nossa porta...


“Eu me lembro das lágrimas escorrendo pelo seu rosto

Quando eu disse "nunca te deixarei ir embora"

Quando todas as sombras quase acabaram com a sua luz

Eu me lembro que você disse "não me deixe aqui sozinho"

Mas nesta noite tudo está morto, acabado e já passou

Somente feche seus olhos

O sol está se pondo

Você ficará bem”

♫ ♫ ♫ ♫ ♫ Safe and sound- Taylor Swift

P.O.V. Sunny

As vozes aos poucos foram se distanciando, já não dava mais para ouvir Ian gritando com ninguém. Eu não entendia porque ele tinha chutado a cara de Kyle, os dois eram irmãos e não deveriam brigar dessa forma. Contudo quando parei para pensar nisso um monte de lembranças vieram a minha mente. Não eram minhas lembranças, mas da Jodi e da vida que ela teve antes que eu fosse inserida nesse corpo. Para ela não era incomum ver Kyle e Ian trocando socos, desde pequenos eles sempre tiveram uma relação muito conflituosa e Kyle por ser mais velho sempre acabava levando a melhor em todas as brigas, isso até o momento que Ian cresceu e as coisas ficaram mais justas. Eles eram que nem cão e gato. No inicio foi difícil ter que mexer nessas memórias. Violência era algo com que eu nunca conseguiria me acostumar. Contudo quanto mais eu vasculhava as lembranças de Jodi mais eu descobria sobre a vida que ela teve. Tudo o que ela tinha sido, tudo o que ela tinha passado. Cada decisão difícil que ela teve que tomar e principalmente todas as lembranças que envolviam Kyle, essas definitivamente eram as mais difíceis de suportar. Porque eu queria estar com ele e não podia, não era algo racional, eu simplesmente queria poder estar ao lado dele. E isso doía muito.

–Sunny–Kyle estava chamando meu nome e perecia que não era pela primeira vez. Eu olhei confusa para ele, isso era um comportamento comum para mim, ficar fora de área enquanto me perco nas lembranças da Jodi, geralmente era assim que eu passava meu tempo livre. Pelo menos até Kyle aparecer, agora eu não preciso usar lembranças antigas para vê-lo, porque ele estava na minha frente. E falando mais alguma coisa que eu não ouvi de novo. Ele me olhava com os olhos azuis brilhando de expectativa.

–Você pode repetir? É que acho que eu não ouvi direito– falei e ele revirou os olhos.

–Eu perguntei se você quer ir comigo até a ala hospitalar ou se você prefere comer alguma coisa, você deve estar com fome.

Eu não respondi de imediato. Agora que eu tinha parado para pensar na possibilidade é que eu fui perceber que estava com fome, mas de forma alguma queria me afastar de Kyle. Mas tampouco queria ir para a ala hospitalar. Hospitais humanos não eram um lugar que eu gostaria de visitar, porque embora a maioria das almas tentassem esconder eu sabia o que humanos faziam quando capturavam um de nós, eles tentam nos tirar do corpo com seus próprios métodos e que passavam muito longe de ser o certo. O que geralmente sempre acabava levando à morte de ambas as espécies.

Kyle percebeu que eu estava hesitante então ele pareceu compreender e pegou minha mão, que era tão grande em comparação a minha.

–Sunny você pode confiar em mim, eu não vou deixar que nada te aconteça– era difícil duvidar dessas palavras.

–Tudo bem eu quero ir– tentei parecer confiante, mas acho que não consegui convencer ninguém. Kyle continuou segurando minha mão enquanto andamos por corredores escuros, eu quase não conseguia ver nada e agradeci mentalmente a Kyle por ele ter segurado minha mão porque se não fosse isso não sei se eu daria conta de acompanha-lo.

–Chegamos– Kyle anunciou, mas a ala hospitalar não parecia em nada com o que eu esperava, mas para falar a verdade eu nem sabia ao certo o que esperar. Eu não sabia se era possível manter um hospital de verdade escondido no meio do deserto.

–O que aconteceu dessa vez?– um homem resmungou e ele não parecia surpreso por ver Kyle assim.

–A culpa não foi minha, dessa vez eu não fiz nada– Kyle resmungou.

–Claro provavelmente você tropeçou no punho de alguém– o homem riu e começou a preparar os medicamentos necessários para cuidar de Kyle e para minha surpresa eram todos remédios de alma. Onde será que eles conseguiram? Será que foi Peregrina?

–Não, é que o Ian ficou muito irritado porque descobriu que a namoradinha de cem pernas dele decidiu ir embora– Kyle estava carrancudo.

Namoradinha de cem pernas? O que isso significava?

–Ai Doc– Kyle grunhiu quando Doc deu um apertão no nariz dele.

–Isso é para você aprender a ser um homem mais respeitoso– Doc resmungou e voltou a cuidar de Kyle.

Eu resolvi dar uma olhada pela ala hospitalar enquanto Doc terminava seu trabalho. Eu não conseguia deixar de pensar em como eles teriam conseguido aqueles remédios, não eram coisas que humanos conseguiriam com tanta facilidade, seria muito arriscado para eles e provavelmente os Buscadores acabariam os descobrindo. Então me lembrei de Peregrina, Kyle havia me dito que eu podia confiar nela. Será que ela não se sentia culpada por fazer isso? E será que eu seria capaz de fazer algo como isso? Tirar da minha espécie e entregar aos humanos. Será que era essa a razão pela qual ela podia ficar e eu não? Era uma troca? Ela oferecia coisas que eles não podiam pegar sozinhos e em troca ela poderia ficar?

Tentei não pensar muito naquilo e voltei a analisar a ala hospitalar e foi quando eu vi os criotanques, no inicio tentei me convencer de que não era aquilo que eu estava imaginando que era. Primeiro os remédios e agora isso. Peregrina havia mudado de lado completamente.

Mas isso nem importava muito, se ela tinha feito tudo isso era porque realmente confiava nesses humanos. Nenhum de nós faria algo do tipo se não fosse esse o caso. Eu só queria ter a oportunidade de poder ficar mais algum tempo com Kyle. Porque ela conseguia ficar e eu não? Eu podia ser útil em alguma coisa, se Kyle ao menos me desse uma chance.

–Sunny olhe para mim– Kyle pediu gentilmente, mas eu não o fiz porque eu senti que as lagrimas estavam começando a se acumular nos meus olhos e eu não sei se seria capaz de segura-las se olhasse para ele.

–Você vai mesmo me mandar para outro mundo não vai? –eu ainda não conseguia olhar para ele– Você ainda acha que tem alguma chance de trazer Jodi de volta.

Mesmo sem olhar para Kyle eu não fui capaz de conter minhas lagrimas. Doía demais saber que ele iria me mandar para longe dele, mas eu não podia culpa-lo. Era Jodi que ele amava, eu era apenas um obstáculo.

–Eu preciso tentar– Kyle se sentou bem ao meu lado. Então olhei em volta e não vi Doc. Onde será que ele tinha ido?

–Você tem razão, ela é o seu grande amor e você deveria mesmo tentar– foi muito doloroso ter que dizer isso, mas eu tinha certeza que se Kyle estivesse feliz eu também estaria mesmo não estando aqui para poder ver isso, quando eu abrisse os olhos para uma nova vida eu me lembraria e isso bastaria.

–Eu não sabia que fazer isso seria tão difícil– Kyle suspirou. Então finalmente olhei para ele que estava olhando diretamente para mim. Doc tinha realmente cuidado do ferimento em seu nariz, mas ele ainda continuava torto do jeito que eu me lembrava, acho que isso nunca teria um jeito.

–Não se preocupe vai ficar tudo bem– falei. Seus olhos azuis me fitaram com intensidade.

–Você se lembra de como foi que ela foi capturada? Ela sofreu?

Eu tive que pensar um pouco antes de responder. Essa era a última lembrança de Jodi e a primeira com a qual eu tive contato quando fui inserida neste corpo. No meu antigo planeta eles tentaram me preparar para o que eu poderia enfrentar. Os sentimentos e as lembranças seriam o maior obstáculo. A dor da perda era quase insuportável, mas não era quase nada se comparado à dor da espera. Porque em sua ultima lembrança Jodi ainda esperava que Kyle voltasse e de certa forma isso apenas foi transferido para mim. Não era mais Jodi esperando que ele voltasse e sim eu.

Kyle ainda estava esperando minha resposta.

–Não, ela não sofreu, ela estava te esperando, ela sabia que você tinha ido atrás do Ian e esperava que você voltasse, mas os Buscadores chegaram antes.

Essa era a lembrança mais difícil de encarar, ela ainda me fazia chorar sempre que eu pensava nela. Kyle e Jodi estavam juntos em um prédio abandonado e eles tinham certeza que ninguém os vira entrar, Kyle estava muito tenso por não saber onde Ian estava e eles tinham combinado de se encontrar ali para eles fugiram para longe, mas Ian simplesmente não tinha aparecido. Kyle temia que ele tivesse ido atrás dos pais deles. Ian era muito apegado a eles e apesar de saber que não havia mais chance nenhuma de trazê-los de volta ele não conseguia se desligar de tudo isso. E Kyle não queria deixa-lo para trás. Então Jodi disse que iria na frente, pois a família dela sabia de um esconderijo muito distante dali e Kyle iria buscar o irmão. Eu podia sentir a dor que isso causou a Jodi quando ela disse isso, mas ela sabia que Kyle se importava muito com irmão, apesar de todas as brigas, Ian era a única família que tinha lhe restado ela não iria deixar que Kyle a perdesse. Mas ele nunca voltou e os Buscadores apareceram.

–Eu quase não cheguei a tempo de salvar o Ian, ele realmente tentou ir atrás dos nossos pais e a alma no corpo da nossa mãe mandou os Buscadores atrás dele. Quando eu o encontrei ele estava com o nosso pai em um prédio em construção, eles ainda não tinham sido capturados. Sabe eu não esperava encontrar o nosso pai lá, porque ele não pretendia fugir da invasão, ele achava que a morte era a resposta e queria convencer o Ian disso também.

–Ele iria se matar? –eu tinha ouvido falar de humanos que preferiram tirar a própria a serem capturados por nós, mas eu nunca tinha acreditado que isso realmente tinha acontecido.

–Sim e ele estava tentando convencer o Ian a fazer o mesmo, mas apesar de tudo meu irmão nunca foi do tipo que desiste, nós já tínhamos passado por muita coisa nessa vida e ele sempre seguiu em frente. Só que naquele momento parecia que ele não queria mais continuar, parecia realmente que ele ia aceitar aquela proposta doida.

Eu não queria imaginar a cena. Kyle, Ian e o pai deles no alto de um prédio e única saída que eles conseguia imaginar era a morte. Tudo isso era muito perturbador.

–Mas você conseguiu convence-los a não fazerem isso, não foi?

–O Ian eu consegui convencer de que aquilo era uma ideia estupida, mas o nosso pai não. Ele estava destruído demais para pensar racionalmente, então ele pulou. Não deu nem tempo de reagir e foi uma queda grande. A única coisa que eu e o Ian tivemos a chance de fazer foi tentar dar um enterro digno a ele. E depois nós partimos, só que quando chegamos nem a Jodi nem a família dela estavam lá.

Ela tinha esperado Kyle até o ultimo segundo e ela não viu quando os Buscadores chegaram, ela tinha cochilado por alguns minutos e nem sentiu quando a capturaram. Eu tentava imaginar porque Kyle não tinha voltado, minha mente formou muitas possibilidades mas nenhuma delas chegou remotamente perto disso.

–Kyle eu sinto muito–sussurrei. Não sei se aquilo adiantaria de alguma coisa ou se ele ao menos acreditaria em mim. Eu só queria encontrar uma forma de poder diminuir a dor que ele estava sentindo.

–Eu não conseguia parar de pensar nela. Eu ficava imaginando com tinha sido e se ela tinha sofrido, mas se eu não tivesse voltado o Ian estaria morto e eu não podia deixar isso acontecer com o meu irmão. Eu sei que ele teria feito o mesmo por mim.

–A Jodi ficou muito orgulhosa de você por ter feito isso, ela sabia que teria a chance de nunca mais te ver, mas ela sua atitude muito digna.

–E isso nos trouxe até aqui– ele estava chorando. Era difícil vê-lo assim, ele que sempre fez o tipo durão, que nunca deixava as pessoas saberem de suas fraquezas.

–Você já pode me tirar daqui– sussurrei e limpei minhas lagrimas. Kyle fungou e também limpou suas lagrimas e me surpreendeu ao passar o braço ao redor do meu ombro.

–Sunny eu espero que você realmente seja feliz– então ele beijou o alto da minha testa– você merece.

Eu queria ter dito alguma coisa a ele, mas as lagrimas voltaram a se formas nos meus olhos e Kyle me abraçou forte. Isso me chorar mais ainda, então me abracei mais a ele, eu queria aproveitar cada segundo daquele meu ultimo momento e ter lembranças nítidas para quando eu acordasse em um novo planeta.

P.O.V Ian O’Shea

Eu tinha noventa e nove por cento de certeza que estava sonhando, por apenas um motivo: eu estava em pé em frente a minha antiga casa. A casa que eu morei com os meus pais e o meu irmão antes de descobrirmos sobre a invasão e termos que começar a fugir.

Eu me sentia estranho por estar sonhando com isso, pois ia fazer muito tempo que eu não tinha sonhos assim. Era muito doloroso olhar para trás e pensar sobre tudo o que perdi então na maior parte do tempo eu evitava remoer minhas lembranças.

Minha casa ainda continuava exatamente a mesma como na última vez que eu a vi. Quando eu ainda não tinha acreditado em toda teoria de conspiração que meu pai estava montando. Quando eu voltei só para ter certeza que minha mãe ainda era a minha mãe. Que ela não tinha tido sua mente suprimida por um alienígena qualquer. Eu me recusava a acreditar em algo assim. Então no lugar de fugir com meu irmão e irmos com a família Jodi eu simplesmente voltei e foi a pior ideia que eu poderia ter tido na minha vida.

–Você não deveria ter vindo– alguém sussurrou no meu sonho. Era Jodi.

–Eu tinha que voltar– sussurrei. Eu não conseguia simplesmente me separar de tudo o que eu tinha. Era uma parte de mim que eu me recusava a deixar para trás, custasse o que custasse.

–Você se lembra de como isso tudo terminou? Você queria voltar e ver sua mãe e acabou perdendo o que ainda te restava– ela parecia irritada e provavelmente deveria estar eu fui um idiota com ela e com todo mundo– você não deveria ter voltado.

Eu não conseguia nem olhar para ela.

–Me desculpe Jodi– sussurrei por fim.

–Você precisa se desculpar com o Kyle não comigo, afinal se ele não tivesse voltado para te salvar da morte você não estaria aqui.

Ela tinha razão. A culpa tinha sido minha.

Quando eu acordei eu ainda estava deitado em um dos catres desconfortáveis da ala hospitalar. Eu não pretendia ter pegado no sono, mas estava sendo muito estranho os olhares que algumas pessoas me lançavam quando me viam passar segurando um criotanque, era como se eu estivesse carregando uma bomba que poderia detonar a qualquer segundo. Eu odiava isso tudo. Então resolvi dar um tempo na ala hospitalar. Acho que acabei pegando no sono. O criotanque da Peg tinha rolado para longe de mim. Eu o peguei o mais rápido que eu pude antes que ele caísse no chão.

–Ian toma cuidado com a minha cunhadinha– Kyle deu uma risada estranha me assustando, ele estava sentando ao lado de Jodi e acariciava seus cabelos– nós tivemos que ver o fim do mundo acontecer para você conseguir uma namorada de verdade. Então vê se cuida bem do criotanque dela, porque se acontecer alguma coisa sou eu que vou ter que ouvir você choramingar pelo resto da vida.

–Kyle muito obrigado pela parte que me toca– resmunguei. Ele riu de novo.

–De nada irmãozinho, precisando é só chamar.

–Ian o Jeb disse que estava te procurando– Doc falou, mas sem tirar os olhos de Jodi.

Eu não queria ir até Jeb e saber o que ele queria, mas também eu sabia que se eu não ocupasse meus pensamentos com qualquer outra coisa eu acabaria remoendo aquele sonho estranho. E eu não queria pensar nisso, pelo menos não agora. Por isso eu decidi ir até a cozinha. Kyle me pediu que eu buscasse o jantar para ele, Doc disse que estava sem fome.

Quando eu cheguei lá eu vi que Melanie, Jamie, Jared e Jeb estavam sentados na mesma bancada que Peg costumava usar. Tentei me concentrar apenas neles e deixar de fora o fato que quase todos a minha volta encaravam com certa hostilidade o criotanque em minhas mãos. Caramba! Será que eles nunca iriam superar isso?

Eu me sentei perto de Jamie.

–Agora que você apareceu podemos dar inicio a conversa– Jeb falou e ele parecia bem serio.

.–Então quer dizer que no fim das contas Peg conseguiu concluir seu plano?– Jeb perguntou, ele olhava de Melanie para o criotanque, e depois para mim e Jared.

–Na verdade ela quase conseguiu– suspirei aliviado.

–Então o que vocês pretendem fazer a respeito?– Jeb parecia curioso, era sempre difícil saber com cem por cento de certeza quando se tratava dele.

–Nós vamos organizar uma incursão e ir atrás de um corpo para ela. A Peg não pode ficar para sempre nesse criotanque.

E não podia mesmo.

–Certo. E é bom ter você de volta Mel– Jeb sorriu e abraçou a sobrinha.

Eu não pude deixar de notar que algumas pessoas ainda encaravam o criotanque. Eu não queria mais ficar ali então peguei o jantar de Kyle e me encaminhei de volta à ala hospitalar. Eu não queria admitir o que queria ficar sozinho, meus pensamentos estavam uma bagunça e eu queria organiza-los e aquele sonho parecia que tinha feito tudo desmoronar dentro de mim, fez reabrir feridas antigas que eu pensei já estarem cicatrizadas. Era muito doloroso saber que Kyle só tinha perdido a Jodi por minha causa. Embora Kyle nunca tivesse me dito isso eu sabia que quando ele veio atrás de mim ele teve que deixar Jodi e quando nós fomos até ela já era tarde demais. Minhas idiotices custaram à felicidade do meu irmão.

–Ei Ian, me espera– era Jamie. Ele veio até mim com uma cara meio emburrada. Ele estava segurando uma mala e um monte de outras coisas que eu não soube identificar o que eram, estava escuro demais.

–Aconteceu alguma coisa?– perguntei. Jamie bufou.

–A Mel e o Jared expulsaram do quarto, eles disseram para eu ficar com você enquanto não saímos na incursão.

Revirei os olhos.

–Tudo bem então– falei e continuei caminhando até a ala hospitalar.

P.O.V. Kyle O’Shea

Não era exatamente um pesadelo o que eu estava tendo, mas também não era exatamente um sonho. Pra falar a verdade eu nem estava dormindo, meus olhos apenas estavam fechados e eu podia ouvir Doc monitorando os batimentos cardíacos de Jodi. Contudo eu podia sentir minha mente vagando longe. Agora que parecia que eu poderia ter Jodi de volta eu não conseguia parar de pensar nos nossos momentos juntos. Eu não conseguia parar de pensar no quanto a amava e em como foi difícil perde-la.

Porém eu ainda não tinha conseguido decidir se gostava ou não do que estava vendo. Eu estava em cima do muro observando tudo de longe. Mas assim era bom, chegava bem perto do que eu realmente queria que era ter Jodi de volta.

"Por que você consegue ficar? Por que eu não posso ficar se você pode?" Sunny havia dito essas palavras e mesmo agora depois de um bom tempo eu não conseguia tira-las da minha cabeça. Sunny queria ficar, mas não havia como mantê-la sem que Jodi se perdesse no processo. E foi pela Jodi que eu me arrisquei e saí das cavernas. Era Jodi que eu amava. Contudo agora que eu tinha tirado um tempo para pensar a respeito parecia cruel demais o que eu tinha feito a Sunny.

"Eu sei que é ela que você ama" Sunny também havia dito um pouco antes de ser retirada "Espero que vocês dois sejam muito felizes".

Partiu meu coração essa despedida. Sunny era tão amável, tão meiga. Eu queria realmente que ela fosse feliz, que ela encontrasse alguém que pudesse ama-la verdadeiramente. Ela realmente merecia. Eu estava me sentindo horrível com tudo isso, mas toda vez que eu olhava para Jodi deitada a poucos centímetros de mim, eu não conseguia pensar em nada a não ser em como eu queria que Jodi acordasse agora.

–Voltei– era Ian. Abri os olhos. Ele parecia bem mais animado do que hoje de manhã quando percebeu que a Peg tinha quase ido embora, mas ainda assim me perecia um pouco desanimado. Eu conhecia meu irmão o suficiente para saber que ele só ficaria feliz quando Peg voltasse.

Ele estava segurando uma bandeja com jantar e de algum modo ainda tentava segurar o criotanque da Peg. O Doc me disse que ele tinha carregado isso pra cima e pra baixo nas últimas horas e que não tinha deixado nem o Jamie nem a Melanie encostarem um dedinho nele.

–Eu trouxe o jantar, Doc você disse que não queria– ele colocou a bandeja ao meu lado e se sentou no outro catre. Ele abraçava o criotanque como se ele pudesse se desfazer a qualquer momento em seus dedos. Tentei imaginar como ele deveria estar reagindo tudo a isso. Meu irmão tem um coração bem mais frágil que o meu e foi isso que sempre nos diferenciou. Ele se importa realmente com o que acontece com as pessoas e se coloca no lugar delas e ele se apega de verdade quando gosta de alguém. Deveria estar sendo muito difícil saber que sua amada pretendia partir e que agora estava confinada em algo tão pequeno. Por que até mesmo para mim estava sendo difícil imaginar que Sunny estava numa situação parecida.

–Você deveria comer– Doc comentou e me lançou um olhar preocupado– você passou o dia inteiro aqui, deveria sair um pouco.

–Você também passou o dia inteiro– respondi. Eu não queria me afastar da Jodi. E se ela acordasse enquanto eu saísse?

–Eu posso ficar aqui de olho nela– Ian sugeriu– vocês dois precisam sair, eu posso ficar aqui cuidando da Jodi, é só o Doc me dizer o que fazer.

Eu não queria ir, não é que eu não confiasse no Ian nem nada do tipo. Eu só não queria mesmo me afastar dela. Eu tinha medo que acontecesse como no passado, eu tinha medo de que se eu me afastasse demais algo aconteceria e eu não estaria aqui por ela.

–Vai ser por apenas alguns minutos– ele tentou de novo, mas acho que ele já sabia qual era minha resposta. Eu não iria sair daqui.

–Bom então eu vou– Doc suspirou– eu preciso ver onde a Sharon está.

Então ele se retirou. Ian continuou sentado ao meu lado. Ele perecia tenso só que agora era de uma forma diferente, ele parecia realmente concentrado em alguma coisa, seus dedos envolviam o criotanque com uma força exagerada.

–Ei toma cuidado com isso– avisei e apontei para o criotanque. Será que ele seria capaz de se quebrar assim tão facilmente?

–Kyle eu queria falar com você por isso eu pedi para o Doc... Dar um passeio– ele começou e então parou subitamente.

–Ian você está estranho– comentei. Ele suspirou e então engoliu em seco.

–É que eu tive um sonho estranho foi isso– ele respondeu.

–Estranho como?

–Eu sonhei com a Jodi.

–O.K. Isso é um pouco estranho– admiti.

–Ela estava irritada comigo.

–E o que você fez para deixa-la irritada? –essa conversa estava tomando um rumo estranho.

–Porque por minha culpa ela e a família dela foram capturados pelos Buscadores– agora eu que engoli em seco. Ian nunca tinha dito isso, pelo menos não assim tão diretamente. Depois que nós descobrimos que a Jodi tinha sido capturada ele ficou um bom tempo fechado em si mesmo, eu também não era a melhor companhia para se ter e nós raramente falávamos um com o outro, a não ser que fosse realmente necessário. Eu sabia que ele estava remoendo culpa e não falava nada, não que eu quisesse vê-lo sofrer, mas é que simplesmente eu não conseguia tocar naquele assunto. Com o passar do tempo às coisas foram se amenizando. A necessidade venceu e nós tivemos que voltar a falar um com o outro, mas nunca tocávamos nesse assunto. Até agora.

–Você sonhou com isso? –foi à única coisa que eu fui capaz de perguntar.

–Ela me fez lembrar que eu nunca te pedi desculpas ou nada do tipo. Se não fosse por você eu não estaria aqui.

–Irmãos são pra essas coisas–falei. Era estranho ter essa conversa depois de tanto tempo.

–Bem... Obrigado. Era isso que eu deveria ter dito há muito tempo– ele deixou escapar uma lagrima, mas a secou rapidamente. Eu sorri, pois queria desesperadamente amenizar aquela tristeza que estava pairando sobre nós. Então saltei sobre Ian.

–Eu não poderia viver em um mundo sem o meu irmãozinho querido porque não ia ter mais miguem que eu pudesse irritar– então o empurrei de lado ele começou a resmungar que eu ia acabar derrubando o criotanque da Peg no chão, mas ele disse isso rindo o que foi bom.

Eu queria que Jodi pudesse ouvir esse momento, acho que ela ficaria feliz em saber que nosso sacrifício não foi em vão e que apesar de todas as perdas, todas as dores e lagrimas cada esforço tinha tido uma recompensa no final. E apesar de nosso pai ter achado que a morte era a resposta para nossos problemas eu e Ian ficamos de pé e provamos que havia mais uma saída. Que como humanos nós não podíamos simplesmente desistir porque ser humano era exatamente isso, levantar a cabeça e seguir em frente. Desistir jamais seria uma opção.