Estava nervosa ao entrar no primeiro táxi que havia visto na calçada do hospital, estava nervosa ao observar o caminho e – extremamente – nervosa ao chegar a fábrica. O taxista aproveitou o trajeto para falar o quanto era velha e em ruínas, que eu não poderia encontrar nada a não ser poeira e mesmo deixando claro que eu estava procurando alguém, parecia uma piada para ele. Mas eu não iria desistir de qualquer modo. Não iria ignorar ter uma chance para desvendar tudo isso, para acabar com tudo de uma vez por todas. E pode ser um erro, pode ser meu fim mas pelo menos tentarei proteger todos que amo.

O taxista não hesitou em me deixar sozinha na calçada da velha fábrica, a rua estava iluminada pelos postes, mas não havia casas ou comércio por perto, sendo assim a única fábrica nas redondezas. Eu não fazia ideia de o que fazer ou como fazer para encontrar a pessoa que havia mandado a mensagem e meu medo era a única forma de me manter firme. Estava com medo de entrar e dei o primeiro passo, xingando a mim mesma por ser idiota o bastante para encarar tudo sozinha. Os portões estavam completamente abertos, os muros cobertos por ervas daninhas e a entrada coberta por grama alta levando até uma grande e arruinada fábrica com paredes sujas e cobertas por plantas, janelas tampadas pelo lado de dentro por madeira e vidros quebrados. A cada passo que eu dava meu coração acelerava mais, minha respiração era a única coisa que conseguia ouvir e além disso, minhas mãos estavam duras, meus pés firmes no chão prontos para correr se preciso for.

As portas da entrada estavam apenas encostadas e – mesmo com toda aquela ferrugem no metal da maçaneta – consegui abri-las fazendo ecoar por todo o lugar o som de rangido, fazendo pombos voarem no teto e minha espinha enrijecer. Minha presença já era clara ali. Engoli o nó na garganta e parei para observar todo aquele lugar, estava escuro demais para ter detalhes, mas era amplo o suficiente para me perder ali, as paredes com alguns tijolos em falta, o teto em certo lugares mostrando a noite no alto, madeira caída por todos os lugares como se um furacão houvesse passado ali. Respirei fundo e limpei a garganta. “Alguém ai?” foi o que perguntei, esperando ouvir gritos, tiros, metralhadoras, mas o único som era os dos pombos no teto.

Será que “A” me mandou para morrer? Será que esta é uma fase do jogo que eu vim, por livre e espontânea vontade? Será que estão jogando nesse momento? Resolvi ignorar minhas perguntas, dissipar meus pensamentos e ter em mente apenas o medo de perder Maxon. O medo que pode me tornar corajosa o suficiente para lutar com quem for. O medo que me deixará viva e atenta a qualquer movimento.

E será pelo medo que irei até o fim.

“Alguém?” perguntei novamente, olhando para cada lado em cada passo que dava. Tendo em mente varrer aquele lugar com os olhos, não deixar nada passar e voltar para casa. Voltar para Maxon. “Está desistindo de nós?” foi o que ele falou ao me ouvir dizer que não daríamos certo, logo depois quando eu soube da aposta. “Foi antes de eu te conhecer.” Era sua desculpa e sentindo o mesmo sentimento que ele, eu estava magoada. Fui traída por suas palavras e sua certeza de que daria tudo certo, mesmo eu sabendo que ele era como Louis e que não poderia mudar. “Você ganhou sua aposta, eu não quebrei minha promessa.” Foi o que falei a ele e agora parece tão hilário porque no final das contas, Maxon me perdeu e eu quebrei minha promessa. “Não. Não está tudo bem.” Ele me disse hoje mais cedo, me dando oportunidade para largar tudo, fugir daqui com ele.

Só ele.

— Então você veio realmente. – uma voz feminina falou atrás de mim, pisquei olhando em volta me chocando com o quanto havia caminhado, quase na outra ponta da fábrica. E eu queria me virar, mas não conseguia, respirei fundo e rezei. – E sozinha. É tão idiota quanto achei que fosse.

Me virei ficando frente a mulher.

Eu a conhecia.

— O que você quer? – perguntei agradecendo não tremer a voz, fixando meu olhar em cada mínima parte de seu rosto sorridente, maligno e irônico.

— Você é muito engraçada, Karlla. – ela disse dando ênfase em meu nome, me deixando um passo atrás por não lembrar o seu, mas ter a sensação de vê-la uma vez. Era loira, seus cabelos chegavam a cintura, seios fartos como as Gama da faculdade. – Mas você acha mesmo que te trouxe para conversar aqui?

— Então...

— Shhh. – ela pediu silêncio com o indicador nos lábios carnudos, dando um passo em minha direção. – Você não vai sentir nada. – ela sorriu perigosamente me fazendo dá um passo para trás, sentindo uma leve picada no pescoço.

O sorriso em seu rosto sumiu, a fábrica saiu de foco e eu estava caindo no chão sujo e empoeirado. Mãos fortes e grandes me puxavam pelos braços, me erguiam e me seguravam enquanto caminhavam. Eu não sentia minhas pernas ou minha cabeça, ouvia apenas meus batimentos e minha respiração fraca, não encontrava oxigênio e muito menos conseguia me mexer. Vi o caminho de grama que havia passado enquanto estava no ombro de alguém – alguém que usava botas pretas e militares – alguém forte o bastante para segurar meu peso com um só ombro, um alguém que com certeza era um homem. Minha mente fervia e me atacava com imagens de minhas amigas, de Maxon, seus irmãos, seus sorrisos. Imagens de quando era criança. Dos meus pais tão felizes, meu irmão e todos aqueles momentos em que meu subconsciente guardava para me mostrar no último dia de vida. Eu queria chorar e gritar por Maxon, queria vê-lo, queria pedir ajuda e dizer que eu voltarei para ele, queria pedir perdão mas meu corpo não me respondia mais.

Ouvi a mesma mulher falar sobre tampar meus olhos e ignorando a risada do homem que me levava, ela mesma enrolou um pano preto e sujo em meu rosto, apertando o suficiente para fazer doer minha cabeça. Mas ela mesma não se importava, não depois de – talvez – matar Dylan e Lethicia. Não, ela não tinha sentimentos. Ela não se importava comigo ou com qualquer outra pessoa e eu queria saber o por que.

De repente a caminhada parou e o corpo que me segurava desapareceu deixando meu corpo cair duro no chão frio e mesmo precisando gritar a dor que passou por mim, eu não conseguia me mover. Ouvi risadas e acho que estava chorando com o pano no rosto, acho que estava tremendo com o frio, acho que estava verdadeiramente com medo.