A Promessa

Olá Nova Cidade


Eu não estava nervosa.

O que?

Eu?

Nervosa?

Sorri para o espelho na porta do guarda-roupa e chequei pela milésima vez a roupa que usava. Era uma calça jeans surrada, rasgada na altura dos joelhos, tênis e casaco com capuz. Sorri para meu rosto e amarrei o cabelo no alto da cabeça antes de me virar para as três que me encaravam em diferentes lugares do quarto. Manu, sentada na cama com o travesseiro no colo, fez uma careta. Camila, encostada ao lado da janela enquanto fumava, sorriu e concordou com a cabeça várias vezes. Larissa, sentada na cama da minha sumida colega de quarto, apenas sorriu.

— Você não está nervosa, está? – ela perguntou se levantando.

Neguei com a cabeça puxando minha mochila, elas fizeram o mesmo e me seguiram até a porta, Camila parando para jogar seu cigarro no lixeiro vazio pisando para apagar a chama.

— Eu não sei por que estaria nervosa. – falei sem disfarçar o tom sarcástico. – É nosso primeiro dia aqui e faz quanto tempo que planejávamos isso? – perguntei me virando para observá-las. Camila deu de ombros distraída e foi Manu quem respondeu.

— Mais ou menos três anos. – sorriu orgulhosa.

Ela realmente era a primeira a se preocupar conosco e com nossa amizade. Não que as outras não se preocupassem, mas Manu era extremamente protetora em manter o nosso grupo.

Saímos do Morgan Hall para um ar pós-verão que jogou nossos cabelos para trás fazendo tanto Larissa quanto Manu sorrirem. Descemos o pequeno lance de escadas até o caminho que nos levava ao campus e não pude deixar de notar, era impossível não notar os três homens que conversavam perto dali. Tentei não olhar, mas algo como um imã me fez observá-los mais do que o normal e vê-los sorrindo enquanto discutiam algo entre si. O mais alto que não parecia, de jeito nenhum, aluno da faculdade ou se fosse, poderia ser do último ano falava com os outros dois, que eram o estereótipo dos jogadores de futebol da minha antiga escola. Dei de ombros jogando a lembrança do meu último ano e continuei andando, voltando a atenção à conversa ao meu lado.

—... Com certeza. Acho que seria ótimo. – Larissa disse animada.

Abri a boca para perguntar do que estavam falando até Camila responder minha pergunta não dita.

— Fechado então! Setor 45 mais tarde. – revirei os olhos.

Enquanto Manu procurava a faculdade perfeita para nós, Camila estava mais preocupada com os bares que haviam pela cidade, ela poderia simplesmente trabalhar como guia indicando os melhores por perto.

— É óbvio que eu estou dentro. – Manu disse. – Mas hoje? A gente acabou de chegar, mal descansamos e vamos...

— Sair! – Camila gritou terminando a frase. – Sim. É claro que sim. Vamos lá Manu. – disse apertando o braço da amiga. – Nós estamos pela primeira vez sozinhas. Não é uma viagem de dias, é uma temporada! – ela dizia animada e não pude deixar de sorrir.

Sim. Era nossa primeira vez em um local completamente diferente, com pessoas diferentes e clima, quase parecido com nossa cidade natal. Mal consegui ter uma vida social há três anos quando começamos a planejar e economizar para nossa entrada na faculdade. Pelo menos tudo valeu a pena.

Adeus vida monótona.

Adeus amores mal sucedidos. Adeus pais malucos.

Adeus vida parada.

Olá cidade nova.

Olá pessoas novas.

Olá novos amores... Hã, não. Por enquanto, sem amores na minha vida.

Como sempre Manu foi dobrada pelas grandes habilidades que Camila tinha de persuadir alguém e até chegarmos ao refeitório, já havíamos decidido roupas, maquiagem e até mesmo lingerie. Não que fosse acontecer algo de qualquer modo. Pegamos as bandejas na entrada e seguimos para o balcão do almoço, não era exatamente o que tínhamos no colégio, mas pelo menos tinha uma coisa ou outra comestível. Viramos para as mesas e cada uma parou procurando alguma desocupada. Eram visíveis os grupos formados pelas fraternidades, havia o Ponto Alfa, Beta, Gama, Ômega e PI, este último menos conhecido pelo fato de pertencer aos nerds, mas eu me sentia desconfortável tirando-os da lista.

O Ponto Gama pertencia às garotas siliconadas que mostravam mais pele do que roupa e não era de se admirar que a mesa ao lado fosse dos Ômegas, os caras que se dividiam entre o time de futebol e os briguentos. As Alfas pertenciam às garotas ricas e inteligentes, os Betas os mauricinhos ricos e a PI, os nerds. Para as garotas que não faziam parte de uma fraternidade existia o Morgan Hall, o alojamento feminino e para os homens, eu não fazia ideia onde era o alojamento para os sem fraternidade.

— Ali. – Manu apontou para o fundo, havia uma mesa vazia frente as grandes janelas de vidro e estrategicamente longe das outras fraternidades.

Camila foi na frente cortando caminho entre as mesas e eu a segui encarando a bandeja em minhas mãos, me forçando a não derrubá-la em alguém. Finalmente na mesa pude relaxar e sorrir com minha pequena vitória.

O dia passou rapidamente, as aulas eram praticamente para discutir o plano de ensino do semestre e confesso que para alguns professores foi a chance de conhecer os alunos dedicados da turma. Havia quadros nos corredores ao lado de várias salas mostrando o líder de sala de tal disciplina, aquele encarregado de ajudar o professor em qualquer minuto da aula ou até mesmo fora dela e era justamente a última coisa que eu queria para mim. Pelo menos não agora. Tive as duas últimas aulas com Larissa, estávamos em um beco sem saída por ainda não saber qual curso seguir, fazendo as primeiras matérias essenciais do primeiro semestre.

Tínhamos duas aulas com Manu e Camila, as duas eram completamente decididas, Manu estava fazendo Direito e Camila queria Marketing, e mesmo ajudando Lari e eu a decidir os vários cursos que nos disponibilizavam, nossa indecisão era realmente maior.

Estávamos caminhando de volta ao Morgan, desta vez, estávamos com o dobro de animação. Camila repassava os planos da noite enquanto nós concordávamos com a cabeça, eu tinha plena certeza de que ela ainda teria muita coisa para falar e subi as escadas na frente pretendendo abrir a porta para que passassem, mas ao invés disso, dei de cara com um abdômen definido e destacado na blusa.

— Opa. – ele disse.