Eu estava verdadeiramente decidida a ficar o resto do dia na cama com meu travesseiro confortável o bastante e meu cobertor quente o bastante. Minha cabeça estava em um turbilhão de dúvidas, teorias, perguntas sem respostas, respostas sem sentido, sonhos, pesadelos e a noite do acidente era quase como parte de mim, estava lá sempre em que eu fechava os olhos, um simples piscar já trazia a imagem de Dylan sendo arremessado – eu estava com os olhos fechados quando tudo aconteceu mas não foi motivo para meu cérebro criar rapidamente uma cena. Estava lá quando eu voltava para o Morgan com as meninas naquela noite, estava lá enquanto conversávamos sobre o estado de Dylan e a esperança de que pudesse se recuperar logo. Estava lá quando cheguei ao quarto e Tay se chocou ao me ver como se visse um fantasma, como se eu fosse a acidentada, morta e voltava para assombrá-la. A cena estava lá quando joguei minha bolsa no canto e fui ao banheiro, respirando fundo com as costas na porta pedindo ajuda divina, pedindo força divina e o que quer que fosse. Estava lá enquanto tomava banho e mesmo sem as roupas sujas, o acidente ainda estava em minha pele. O rosto de Maxon ainda estava em meu ombro, os olhos assustados de Júlia estavam em meu rosto e eu não sabia como fazê-los ir embora.

Dormir era algo imprudente, como se fosse proibido. Minha mente gritava para que eu continuasse acordada e assistisse as imagens que ela jogava em minha frente, talvez por punição, talvez por irresponsabilidade minha ou talvez por simples diversão da parte dela. Afinal de contas, minha mente era minha pior inimiga trazendo meus piores medos, meus terríveis pesadelos e minhas únicas paixões quando eu menos esperava. Ela fazia questão de lembrar o quanto fui fraca, o quanto fui idiota e estúpida. Me lembrava a época de escola quando achava que eu era feliz, mas de verdade... Eu nunca fui feliz. Não totalmente e ela me lembrou disso, que eu sempre achei ser feliz, sempre achei ser a garota sortuda com tudo o que tinha direito. Mostrou e me lembrou do dia que conheci alguém por quem perdi quase três anos, alguém que me fez acreditar que havia finalmente encontrado a felicidade, alguém que me fez esquecer o mundo. Daí veio os problemas, as intrigas que minha própria mente tinha o prazer de produzir a cena perfeita para explicar acontecimentos que na verdade não eram nada demais. Ela lembrou o quanto foi má comigo e o quanto fui fraca o bastante para acreditar.

Respirei fundo e suspirei.

Forcei a trazer meus pensamentos de volta ao presente, o passado já não me importava mais e era o futuro que me preocupava. Como Dylan iria se recuperar? Quem irá pagar pelo acidente? Quem era o culpado? Eu não conseguia acreditar que havia motivos para fazerem tal coisa com Dylan, mas tanto Aaron como Maxon estavam certos sobre isso. E eu me perguntava como? Como alguém pode odiar uma pessoa tão legal? Uma pessoa tão de bem?

Foi neste instante que cai na real, eu não devia conhecer Dylan tão bem quanto os outros, na verdade eu não conhecia ninguém de verdade. Eu conhecia apenas o que eles me mostravam, apenas o que eles queriam que eu soubesse.

E eu me pergunto outra vez: Quem são eles?

Uma batida na porta me fez tremer com o susto, encarei-a esperando que ela abrisse – com o poder da mente – e bufei. Levantei arrastando os pés silenciosamente o bastante para não acordar Tay e quase gritei quando abri a porta rápido demais. Ele estava sorrindo para mim, um sorriso de lado, duas covinhas, os olhos baixos e cansados, o cabelo desarrumado, porém, ainda lindo e macio. A roupa natural para a faculdade e me pergunto se ele sabe que já é lindo o bastante, sexy o bastante, extraordinariamente charmoso o bastante. De repente o sorriso sumiu e suas sobrancelhas uniram-se, seus olhos analisavam meu rosto e eu queria cair em um buraco fundo o bastante para nunca mais sair.

— Bom dia. – Maxon sussurrou. – Dormiu bem? – perguntou preocupado.

Neguei com a cabeça e fui para o corredor fechando a porta do quarto atrás de mim.

— Não consegui fechar os olhos nem um minuto. – falei me encostando na parede.

Encarei o teto ignorando o piso frio nos pés descalços, Maxon me observou por um instante e se encostou ao meu lado encarando a parede em nossa frente.

— Eu sei. – foi o que ele disse.

Eu queria dizer que não iria conseguir agir naturalmente quando combinamos em seu apartamento, queria dizer que não queria fingir ser forte quando na verdade eu era uma criança chorona, uma pirralha que corria para os braços dos pais quando se sentia ameaçada, que liga todas as luzes do quarto por ter medo do escuro.

— Eu nunca vi algo assim na minha vida. – sussurrei para o teto.

Vi pelo canto do olho Maxon olhar para mim, mas eu estava com medo demais para olhar de volta, estava com medo de chorar o que eu não havia chorado há anos. Ele respirou fundo e baixou a cabeça.

— Os médicos dizem que ele ficará bem, que a situação está estável e que estão fazendo o possível e o impossível por ele.

— Que bom. – foi o que saiu da minha boca.

— Então não vai se trocar? – ele perguntou depois de um momento em silêncio e da mesma forma que ele me aconselhou a fazer hoje, ser natural ou o possível para isso. Virei-me confusa. – Você não vai para a aula?

— Vou, mas...

— Então, vamos logo! Eu vim buscar você!

— Por quê? – perguntei elevando a voz de tão nervosa, confusa e desesperada que estava.

Maxon suspirou, passou uma mão no rosto, pescoço e descansou na nuca.

— Olhe, não me pergunte o porquê, está bem? Eu só sei que quando você saiu do apartamento, eu só conseguia pensar no acidente e agora que você está aqui, não penso em mais nada.

Nada? Era o que eu queria pergunta.

Nada mesmo?

Lembrar aquela noite era algo que meu cérebro teimava em não esquecer. Assim como o acidente. Mas a lembrança de estar com Maxon em seu quarto, em seu próprio mundo, era completamente diferente de qualquer outra. Apesar da tensão na sala de estar, apesar da tensão em nossos ombros e da tristeza em nossos olhos e mesmo com a noite terminando da pior maneira possível, estávamos... Sincronizados.

Eu não queria sorrir, de maneira alguma achava que era certo, mas também era impossível não sorrir. Maxon me fez sentar em um lado da cama enquanto procurava as fotos reveladas do show na pequena cômoda ali perto. Ele estava nervoso, eu estava nervosa, nós estávamos com sorrissinhos nervosos no rosto. Enfim quando encontrou o pequeno bloco de fotos, sentou ao meu lado e foi me entregando uma por uma enquanto comentava o momento em que foram tiradas. Havia foto do ingresso, ele na fila antes do show, na cadeira pouco a frente do palco, foto de toda a arena ainda vazia, outra foto da arena lotada de pessoas, do palco enquanto passava a introdução no grande telão. Havia fotos dos cincos rapazes com suas roupas que eu lembrava bem quais eram e os que diferenciavam. Havia foto de cada membro, tão perto que me perguntei como ele havia conseguido. Maxon não parava de falar como havia sido engraçado e ao mesmo tempo maravilhoso. Em como ele havia se divertido com Aaron, que a propósito estava como responsável já que Maxon era menor de idade e eu não conseguia imaginar esses dois homens, em um show de uma boyband.

Pode ser preconceito, tudo bem, mas era algo impossível de imaginar.

Eu estava sorrindo pela história e muito mais pelo modo tão encantado, tão animado e emocionando como ele falava. Era como se voltasse a ser uma criança contando a seus pais como tão incrível havia sido o verão com os avós. Ele parecia tão inocente e vulnerável, que desejei beijá-lo ali. E quando peguei a última foto tive de me esforçar para não gritar ou pular em cima de Maxon ou rir alto, ou seja o que for. Era a foto mais linda que já havia passado pelos meus olhos. O foco estava no rosto de Maxon com o sorriso largo, suas covinhas, olhos felizes e atrás estava o palco. Tive que me esforçar para tirar os olhos daquele rosto para ver um membro da banda logo atrás, levantando o braço enquanto fazia uma careta para a câmera. Maxon deu certeza de que Aaron não havia visto, que estava mais preocupado em fazer Maxon e o palco aparecerem na lente da câmera e nem ao menos notou o cantor no fundo.

— Foi engraçado porque eu só vi essa foto quando cheguei em casa. – ele disse observando-a, sorrindo como se lembrando do momento. Eu sorri para ele e voltei à foto, observando meu membro favorito da banda fazendo uma careta que o deixava ainda mais bonito e Maxon.

Ah... Maxon.

— Eu não sei como defini-la. É linda. É engraçada. É maravilhosa. – foi o que disse.

Que se dane minha animação exagerada. Era Maxon. Era Louis. Era nossa banda favorita.

Que se dane as regras. Que se dane tudo. Eu queria pedir a ele, mas era visível o quanto ele amava aquela foto.

Caminhávamos em direção ao prédio das aulas ainda mais cedo do que o normal, mas Maxon não parecia se importar e muito menos eu. A única coisa que me incomodava era o frio e o vento que batia em meu rosto como corte afiado de uma faca. Maxon estava falando sobre como teve de esperar enquanto Aaron se arrumava naquela manhã e que pela primeira vez estava apressando o irmão que normalmente o apressava. Ele estava sorrindo, orgulhoso de si e mesmo depois de eu perguntar o que o fez sair tão cedo da cama, Maxon não me respondeu, apenas deu de ombros e continuou conversando e conversando me fazendo esquecer Dylan, do acidente, da minha mente trabalhando contra mim. Havia esquecido até minhas amigas.

— Oh. Meu. Deus. – falei parando brutalmente. Maxon parou logo à frente se virando para mim. – Minhas amigas. Eu esqueci completamente de avisar que estava indo...

— Ah. Tudo bem. – ele respondeu com um pequeno sorriso no rosto.

— O que? Não está nada bem?

— Eu me encontrei com elas no corredor e falei que iria conversar com você e elas saíram. Foram à cafeteria.

— E porque não me avisaram? – perguntei ofendida. Verdadeiramente ofendida.

— Você não tomou café, não é? – Maxon perguntou unindo as sobrancelhas. Balancei a cabeça e ele ergueu a mão para mim. – Vamos encontrar com elas, então.

E eu a peguei.

Peguei e não quis apertar, não quis entrelaçar nossos dedos e Maxon nem ao menos tentou. Aquele toque era mais do que eu podia suportar. Era como se fôssemos algo impossível e agora estamos nos tocando. Lembrei da promessa, lembrei-me do motivo que me fez prometer nunca amar, lembrei-me da primeira vez que o vi, de como o comparei com os garotos da minha escola. Lembrei de vê-lo com a loira, depois com a morena que na verdade é Celeste. Lembrei o pequeno discurso sobre curtir a vida e não prometer nada a uma mulher do que uma noite de diversão.

E então... Joguei todos os pensamentos de lado. O sorriso debaixo da máscara de frio sumiu e eu estava louca para chegarmos à cafeteria.

Foi simples, rápido e muito, muito constrangedor quando chegamos à cafeteria, eu estava presente de corpo, mas não ouvia uma só palavra. Via que minhas amigas falavam, mas não as escutava. Via Maxon sorrir baixando a cabeça, mas não sabia o porquê. Via Robert e Lethicia mais relaxados, mas não conseguia sorrir para os dois. Letícia chegou a perguntar duas vezes “como você esta?” e “Ka, você dormiu? Não parece que dormiu bem.” Mas eu estava com raiva, chateada, triste e confusa. Um misto de sentimentos que eu queria muito poder controlar. Encarava minha comida intocada no prato enquanto que a xícara com café esvaziava rapidamente. Estava completamente desligada quando alguém falou sobre o teatro da faculdade. Ergui a cabeça e agucei meus ouvidos, era Júlia quem falava.

—... Não sabia que teríamos aula até...

— O que? – perguntei mil vezes curiosa, milhões de vezes atenta. – O que você está falando?

— No meu curso – disse com uma mão no peito. – Teremos uma aula no teatro. É como uma aula de campo. Mas no teatro, consegue me entender? – balancei a cabeça rapidamente. Sim, sim, sim, sim. – Começamos hoje.

— Qual seu curso?

— História da arte. – Júlia respondeu, fiz uma careta para ela e antes que pudesse abrir a boca, eu já estava perguntando e perguntando e perguntando. Onde, a que horas, com quem.

Eu não sabia que tínhamos um teatro e amava um teatro e eu queria muito conhecer o teatro.