A Promessa
Bipe.
Vi Julia e o casal – Lethicia e Rob – conversando distraidamente enquanto passavam pelas portas abertas do prédio e eu tinha de tropeçar e quase cair na frente deles porque meu corpo era fraco demais, idiota demais. “O que aconteceu?” ouvi a voz dos três em meus ouvidos, mas eu não sabia se falaria, não sabia se choraria e por Deus, eu não queria chorar na frente de todos. Vi os cabelos castanho-claro sob os ombros e corri em direção a eles. Eu sabia que não eram dele, sabia que não iria vê-lo mas eu precisava de braços conhecidos e quando me aproximei, gritei por Manu e ela se virou assustada sem esperar – ou sem acreditar – me ouvir gritando e por, talvez esta pálida demais e então eu tombo nos braços dela. “O que aconteceu Karlla?” a ouvi perguntar enquanto eu a apertava e engolia o nó na garganta e forçava não deixar nenhuma lágrima cair. “Porque está tremendo?” perguntou mais uma vez e eu não conseguia responder.
Inspirava expirava inspirava expirava para se acalmar.
“Manu, o que aconteceu?” era Letícia, eu poderia reconhecer a preocupação em sua voz e não arrisquei abrir os olhos, não arrisquei ver quem me olhava.
“Ela estava correndo quando a vimos.” Era Rob, podia senti-lo unir as sobrancelhas tentando entender e eu queria ficar calma, me aconcheguei mais fundo e apertei os olhos, tentando imitar Manu quando respirava.
— Karlla? – a voz, logo em seguida a mão em minhas costas me fez enrijecer.
Eu queria poder dizer “Obrigada Manu, mas agora posso ir para os braços dele agora” mas seria grosseria demais? Seria?
— O que houve? Porque ela está assim? – Maxon perguntava para qualquer um, menos para mim. – Karlla. – ele segurou meus ombros e Manu afrouxou os braços, eu continuava imóvel. – Kar. – ele sussurrou e meu coração se partiu em milhares de pedaços, minhas mãos voltaram a tremer e meus pés quase falharam, baixei a cabeça e os soluços vieram em seguida. – Karlla! – Maxon praticamente me tirou dos braços da Manu e me virou para ele.
Eu poderia sentir seus olhos me analisando, mas eu não conseguia erguer a cabeça, não conseguia parar de chorar e então ele me abraçou.
Forte.
Demorado.
Aconchegante.
Seguro.
Uma roda se formou em nossa volta, todos nos observando e esperando – em silêncio – pacientemente até me acalmar. Maxon passava uma mão em minhas costas e respirava com dificuldade, era impossível tentar imitá-lo. Respirei fundo com o rosto enterrado em seu peito e senti seu cheiro, não perfume, não sabonete, mas o próprio cheiro da pele dele. Apertei minhas mãos em suas costas e aos poucos os soluços diminuíam, os carinhos dele em minhas costas não. As lágrimas depois de encharcar a camisa azul marinho dele, começaram a secar. Os carinhos dele em minhas costas... Não.
— Ka? – era a voz da Camila, seu tom de angústia e desespero me deixou mole. – Está melhor? – ela perguntou e eu concordei com a cabeça incapaz de levantar o rosto.
— Pode dizer o que aconteceu? – Manu perguntou.
Minhas mãos tremeram e Maxon sentiu, me puxando para mais perto.
— Ei pessoal, reunião do nosso clube? – era a voz de Aaron se aproximando.
Um bipe.
Achei que fosse morrer. Não ouvi o que responderam, não ouvi o que ele respondeu de volta, senti Maxon enrijecer, mas eu não ouvia nada além do bipe. Ergui a cabeça em direção ao som e todos se viraram para mim, Aaron parou quando seu olhar encontrou o meu e nos encaramos por segundos antes de eu encarar suas mãos.
Bipe.
Voltei para os seus olhos.
Bipe.
Engoli o nó na garganta.
— O que aconteceu? – ele perguntou no instante em que perguntei: – O que é isso? – mas eu não iria responder antes dele.
— Um jogo. – Aaron respondeu com as sobrancelhas unidas.
— É bacana. Todo mundo está jogando e é um pouco viciante. – ele completou.
— Larga isso! – ouvi minha voz alta demais, nervosa demais.
Percebi minhas pernas no primeiro passo em direção a ele, eu não sabia quem estava no comando delas, mas Maxon me segurou forte, não o bastante para me machucar, mas o suficiente para me manter reta no lugar.
Bipe.
— Aaron, larga isso! Não é brincadeira! – eu estava gritando, erguendo as mãos e eu não sabia como parar, como ficar quieta, como calar a boca.
Todos estavam confusos, desnorteados, um tanto chocados até.
Bipe.
Achei que fosse cair.
— Karlla! Me escuta. – Maxon me segurou pelos ombros, me olhando com um brilho de desespero nos olhos, desespero e nervosismo, e angústia. – O que aconteceu? Porque você está assim?
— Deixa eu ver isso. – Manu resmungou indo em direção a Aaron, que não havia falado uma palavra, que não tirava os olhos de mim.
— Não! – gritei. – Por favor Manu. – e lá estavam as lágrimas dando oi, falando “ei, estamos de volta” – Por favor. – implorei e rezei para que ela não visse, para que nenhuma visse o que eu tinha visto. – Isso não é um jogo. – sussurrei.
— O que? – Maxon perguntou se inclinando para mim.
— Isso não é um jogo, Maxon! – falei encarando-o. – Não é um jogo. Eu sei que não é.
— Calma, ok? Só tenha calma! Não vamos ver esse jogo. Certo? Só me fala, o que aconteceu para você está assim. – ele dizia calmamente, ou fingindo calma.
— Minha colega de quarto estava jogando e deixou o notebook ligado, eu estava só. Esse bipe insuportável me fez ver o que era. Por que eu sou idiota! Eu sou uma idiota curiosa demais e um dia irei morrer pela curiosidade!
— Você não é idiota. – ele sussurrou em meu rosto.
Respirei fundo e continuei.
— Eu vi uma coisa na tela...
— Viu o que? – Aaron de repente estava ao meu lado me encarando fixo e seu celular já não estava em suas mãos.
— Viu o que Karlla? – Manu perguntou áspera.
Minha pulsação estava alta, minha respiração estava ofegante e minha vista escurecia.
— Karlla... O que você viu? – Manu perguntou.
Olhei dela para Aaron e para Maxon, o único sem curiosidade nos olhos, o único que eu poderia ter a certeza de que estava mais preocupado em limpar meu rosto de lágrimas ao invés de querer saber o motivo delas.
Fechei os olhos e falei.
— Eu me vi. – uma pausa, um nó na garganta, uma hesitação. – Eu estava morta, ao lado do corpo da minha mãe.
Uma pausa.
Três puxadas de ar com a boca.
Não abri os olhos.
— Eu estava sangrando, deitada sobre o corpo magro, duro e cinza da minha mãe.
O mundo parou e eu queria agradecer “obrigada mundo, gostaria de descer agora”.
— Amiga – era Larissa, falando pela primeira vez. – Você tem certeza disso?
Abri os olhos.
Me virei para ela.
— É claro que eu tenho certeza. É claro que eu – parei para respirar. – Eu me vi, Larissa! Eu vi minha mãe! Era ela. Eu não estou louca.
— Ka.
— Não Manu, vai dizer a mesma coisa não é?
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