57 – Não tão fácil assim.

Já tinham se passado semanas, desde o incidente na APE, a noção do tempo não era nada boa. Os lobotomos nos atacaram – e não foi apenas uma vez… todos mostraram muita coragem, e Otróplia teve bastante trabalho, mas há um ponto positivo: agora temos cobertores de pele de lobos.

A cabana era o item mais útil que tínhamos – fora as espadas e escudos. Todos os dias mudávamos a localidade do acampamento, logo que os militares começavam a cercar os arredores. Entre um dia e outro, algum de nós saia da floresta de onde estávamos e comprávamos comida e suprimentos – incluindo jornais, bem, manter-se informado no meio de uma floresta nunca é fácil. As pessoas estavam ficando mal humoradas e instáveis para comigo. É quase como me culpassem por não chegarmos aos abrigos. Outros – ou os mais próximos – incentivavam a idéia insana que pairava malévola na minha cabeça. Um contra ataque em sua base maior. Mas, cinco adolescentes contra o programa nacional de proteção á Casa Branca? Ah, tão simples!

Sabíamos bem, que se ninguém tomasse a atitude de enfrentar o sistema viveríamos sendo caçados para sempre. Mas a coragem para enfrentar o sistema em que você obedeceu por grande parte de sua vida, não é coisa mais simples. Poderia ser uma missão suicida, e qualquer aparição estranha entre humanos era rotulada pelos jornais como: “Monstros entre nós!” Exatamente, esses monstros que um dia foram filhos de humanos comuns, e que agora, estão sendo caçados como animais. Bem, nem animais, já que existe ONGs defendendo-os, mas existe alguém a favor de nós? Ah é, nah!

Nada ajuda que eu não consiga olhar para Joe sem sentir tristeza. É claro que eu gostava muito dele, ! E quando eu olhava para ele, eu queria pedir desculpas, e ter um ombro pra chocar meus desesperos. Mas quando eu olhava para ele, a imagem de Cedric corria á frente de minhas pupilas, deixando Joe contorcido em um fundo de realidade. É, eu estou muito dramática. Mas as coisas estão assim. Péssimas.

Malice conseguiu a confiança de todos – menos Sharon, que a olhava com os olhos semicerrados, tentando mutilá-la apenas com a visão.

Depois da grande descoberta que Malice teve: Arkansas – meu amável Hyperion – pode se transformar em um dragão, ele tem sido realmente útil. Podemos poupar nossos Ourinfos, quando se tem um bom dragão para viajar. E agora estávamos em Little Winning – uma floresta no norte de Washington - á quatro dias, gelo estava forrando o chão, e eu estava esgotada – depois de enfrentar três quimeras. Todos comiam desanimadamente os chesseburgers e refrigerantes que Malice arranjara numa cidade próxima da reserva. O fogo e a mastigação eram os únicos sons que eram exibidos no momento. Eu brincava com Otróplia entre os dedos, e me sentei em cima de um galho de uma das árvores que estavam em volta da clareira. Uma capa de pele de lobo cobria minhas costas para me aquecer. A hora de dormir se aproximava e como sempre eu seria a sentinela.

- Vamos. – falei – Todos para a barraca.

Sem sair de cima da árvore, notei todos os Dots jogando os restos de papéis na fogueira que tintilava, e entravam na cabana.

Tyler e Sharon caminhavam de mãos dadas para dentro, quando Sharon parou e olhou para mim e resmungou alguma coisa para Tyler – que me olhou e em seguida assentiu e entrou.

Sharon por outro lado, voou lentamente para o galho onde eu me sentava e falou.

- E o que deu em você, ó grande filha de Éphira? – perguntou ela irritante, como sempre.

Olhei para ela com escárnio. – Vai embora.

- Bem, vamos ao texto. – ela limpou a garganta e começou – Você e aquele boneco de neve inútil estão mais chatos do que ver uma banana apodrecer, ou ver uma corrida de tartarugas em câmera lenta e reprise. E, como você me fez ser a mentora substituta do Tyler, e agora as coisas engrenaram, eu não quero ficar devendo nenhuma obrigação á você. E por mais que eu adore ver você desanimada, eu dependo de você, assim como qualquer outro, já que a droga de líder aqui, é você. Tendo isso em mente, eu diria que o Joe não para de falar para mim. “Eu fui um idiota, e ela é fantástica, entende?” E pelo amor dos deuses, faça um favor: aceite que ele é mesmo um idiota, e voltem a ficar juntos! Quem sabe alguma coisa boa aconteça por aqui.

Não consegui acreditar, companheiro. Sharon Louis – aquela garota praticamente insuportável, que era um ótimo alvo para sanguessugas, agora estava tentando me ajudar. De uma forma estranha se ajudar, mas ainda assim… Era o que ela estava fazendo.

- Não é minha responsabilidade que você e o Tyler estejam namorando. – falei sem olhar para ela – Ele é tarado, só isso.

Sharon riu. – Na verdade ele é ótimo, garota. E… não me faça ter desperdiçado as minhas palavras, okay? É bem mais fácil pra mim pensar que isso que eu acabei de fazer, não vai ser inútil e diminuiu os nossos índices e “inimigabilidade”.

E assim, ela saltou da árvore, enquanto seus pés eram chamas fosforescentes e abriam caminho pela neve que recobria o chão.

Voltei á olhar para meus cabelos que agora não possuíam mechas rosa flamingo. Eram apenas longos e ondulados cabelos louros dourados.

- Realmente elas fazem falta. – olhei para onde vinha a voz. Joe. Ele estava do meu lado.

Não falei nada. Só continuei a olhar para ele, enquanto ele me fitava, e ora fitava a neve.

- Deve estar feliz, não é? – falei em voz baixa – Com todo esse gelo…

Ele sorriu, como não sorria á muito tempo – ao menos para mim – mas não era aqueles sorrisos que era os sorrisos-do-Joe. Algo triste estava naquele rosto nada moreno, e seus cabelos que sempre se pareciam com angelicais, nada mais eram do que cabelos opacos e mal tratados.

- Poderia estar mais feliz. – disse por fim – Bem mais.

Não falamos nada por muito tempo.

- O que quer que eu te diga, Joe? – disse por fim – Dizer que eu te detesto e que você foi realmente um idiota? Eu sinto muito, mas eu não detesto você, porém você foi realmente idiota em me monopolizar por ciúmes. Qual é? Você tinha de confiar em mim!

Joe assentiu solene, e olhou para a fogueira. – Sustento minha tese – disse ele -, realmente é difícil imaginar você e outro cara. E quando esse cara realmente pode ameaçar meu cargo. – respondeu me olhando. Mas não pude retribuir. Cedric realmente tinha coisas que Joe não tinha – como ser como eu, por exemplo, mas… eu mal conheci Cedric e ele era meu amigo, simples e puramente amigo.

- Você tem de me ouvir antes, de escutar essas suas hipóteses malucas – respondi.

Mais silêncio.

- Feliz aniversário. – ele disse e estendeu um pacotinho sujo e amassado.

Meu aniversário de dezesseis anos. Ah… Como seria ele se eu ainda fosse uma garota normal? Se ainda namorasse Tyler McField? Se ainda morasse em Chicago com meus pais? Se nunca tomasse conhecimento que meus pais verdadeiros não eram eles?

Ah sim, as coisas realmente seriam diferentes. Definitivamente.

Peguei o objeto que Joe me entregava. Com toda certeza, não era nada clichê – como jóias e coisas desse tipo. Era apenas um frasquinho dose-única de… shampoo de babosa!

Eu sei, eu sei. Deve estar pensando que eu sou idiota companheiro, por ficar comovida, com um presente como esse. Mas… veja as circunstâncias que nos encontramos:

1º - Estamos sendo caçados por militares;
2º - Terminei com Joe – por um motivo bobo – mas ainda assim, terminei;
3º - Não tenho notícias dos meus pais – Lílian e George – a tempo de mais;
4º - Tenho de lidar com um bando de adolescentes nervosos, todos os dias;
5º - Meu Hyperion é um dragão;
6º - Podemos passar a vida toda sendo perseguidos;

… mas ainda assim, Joe se lembra que eu fico mais calma com o cheiro de shampoo de babosa. Não é importante o preço – pela primeira vez – mas sim que, ele se lembrou!

E sem dizer nada, Otróplia diminuiu para um anel e eu deitei no colo de Joe. Ele plantou um beijo na minha testa, e deixou que eu chorasse meus desesperos em paz…

Ao menos ele sabe que as coisas não são tão fáceis assim…