Palácio das Tulheiras – Paris, junho de 1825

Era a terceira noite que seu pai estava com febre e Belle estava muito preocupada. As febres sempre eram muito altas, davam uma trégua durante um tempo, mas Luís ainda não se sentia bem. Com essa situação, o rei havia nomeado sua filha como a regente. A maioria da corte não havia gostado, pois sabiam ou tinham ideia dos ideais liberais da princesa e, como nobres, não queriam dar espaço para o povo. Esses nobres apoiavam Carlos, que estava enfurecido por não ser o regente e torcendo para que Belle fizesse algo muito errado.

Durante esses três dias, a princesa regente teve que começar a se impor a todos os nobres, o que era uma coisa um pouco difícil, pois todos a menosprezavam por ser uma mulher. Sempre que se reunia com o Conselho a maioria das perguntas dirigidas para ela era sobre um casamento que por algum motivo o rei não havia arranjado ainda. Belle notou que todos os conselheiros a davam sugestões de pretendentes longes da França. Eles não me querem aqui, ela pensou, devo estar os incomodando bastante. O pior de tudo foi no segundo dia. O Conselho tinha chegado com a questão dos revolucionários e Belle teve que fingir que também não sabia quem eles eram. Todos insistiram que ela deveria mandar mais soldados para reprimi-los, mas usou da mesma da fala de seu pai.

-Vocês querem uma nova Revolução? – ela disse para todos – Se nós os deixar falar, talvez eles não nos ataquem com armas. Atacando-nos somente com palavras eles não vão conseguir nada, nós ainda vamos ter o poder.

Para ela, não seria tão fácil continuar escondendo de todos que já sabia quem eram os revolucionários e que seu melhor amigo era o líder deles. Isso até parecia engraçado, quem diria, o melhor amigo de uma princesa é um revolucionário.

Belle saiu do quarto de seu pai quando a febre finalmente cedeu e abaixou um pouco, mas seu pai ainda teria que ficar de repouso, só pra ver se a febre não voltaria mais e como ela é a regente, ficou responsável por ficar no lugar de seu pai no dia seguinte. Amanhã seria o dia em que os camponeses viriam até o castelo, para pedir ou reclamar de algo e, honestamente, Belle acha que ainda não está preparada para isso. Chegou a seu quarto e suas ladys já estavam a esperando. Elas ofereceram um olhar reconfortante à Belle e a princesa caminhou em direção a elas para um abraço. Precisava muito daquele abraço, mas sentia que precisava mais de outro abraço que nenhuma das meninas poderia oferecer, somente Enjolras dava os abraços que ela mais apreciava. Depois de ter tirado o vestido que estava e ter colocado sua camisola, Belle deitou na cama, mas demorou para cair no sono.

Quando acordou, tomou o café da manhã e logo foi ao encontro de seu pai. Ele ainda estava mal e ela podia ver isso. Seu pai ainda estava fraco e pálido, além de estar muito sonolento. Aproximou-se dele e depositou um beijo em sua testa. Falou com o médico e depois saiu, agora não tinha mais como fugir, teria que se mostrar como regente para mais pessoas ainda. Conforme foi caminhando encontrou General Lamarque e ele passou a acompanhar.

-Está nervosa, princesa? – ele perguntou e ela só deu um olhar significativo – Ok. Já entendi – ele falou e parou na frente dela – Só saiba que eu estou aqui para você e somente para você. Vai dar tudo certo. Eu confio em você Belle e seu pai também, se não ele não teria te nomeado como regente – ele continuou e pegou a mão dela.

-Obrigada General. Isso significa muito pra mim – ela respondeu apertando um pouco sua mão.

Continuaram o caminho para a sala do trono juntos e quando chegaram, Belle notou que Combeferre estava do lado de fora. Fazia muito tempo que ela não o via e os outros Amis, até Enjolras. Viu que ele estava com uma mulher vestida bem simples, uma camponesa. Belle se aproximou um pouco mais para que ele a notasse e quando o fez, tanto Combeferre, quanto a mulher fizeram uma reverência para a princesa. Ao começar a conversar com ele, descobriu que ele e os outros Amis estavam acompanhando essa mulher e algumas outras que estavam com receio de virem sozinhas.

-Mas estamos mais ao final da fila, então seu tio irá demorar um pouco para nos atender – ele disse.

-O quê?- Belle disse logo em seguida. Não era o seu tio que iria fazer isso. – Eu sou a regente. Meu tio não pode fazer isso. – ela fala e olha para Lamarque.

-Seu tio falou que ele quem era o regente – Combeferre fala mais uma vez, só que agora um pouco assustado.

-Isso não vai ficar assim – ela responde e os três veem a princesa andar a passos largos e firmes em direção à sala do trono e Lamarque não perdeu tempo de ir atrás dela. A princesa não vacilou nem uma vez e abriu a porta com tudo – O que está acontecendo aqui? – ela pergunta direcionada ao seu tio, que estava sentado no trono. Não chegou a gritar, mas falou muito firme e Lamarque não conseguiu evitar que um sorriso aparecesse em seu rosto.

-Ora, eu estou cuidando disso para você, querida sobrinha – Carlos responde.

-Acontece, tio, que eu sou a regente – Belle continua e dando ênfase no “eu”.

-Bom, eu pensei que você iria querer ficar com as suas amigas. E, olha! Elas acabaram de chegar – ele fala cinicamente enquanto aponta para as meninas logo na entrada.

-Você pensou errado – ela fala calmamente e caminha em direção a ele, assim, Lamarque está atrás dela – Saia do trono do meu pai. Você não é o Rei ou o regente.

-Ou o quê?

-Ou eu irei fazer você sair.

-Você está o ameaçando? – o chefe da guarda dele fala e Belle sente seu sangue esquentar.

-Eu falei com você por algum acaso? Não, eu não o ameacei. – ela fala se vira para Lamarque – Pierre. Na próxima vez que esse homem abrir a boca, corte a cabeça dele. – dá essa ordem e se volta para o guarda – Vê? Isso foi uma ameaça. Agora, você – ela disse agora virada para seu tio – Saia. Agora. – continuou ainda com a voz firme e viu seu tio se levantar com as mãos levantadas em sinal de rendição.

-Tudo bem. Eu saio, mas vou ficar aqui do lado. – ele disse descendo as escadas que davam ao trono.

Quando seu tio desceu, Belle andou até o trono, mas ao invés de se sentar no trono da Rainha, ela se sentou no trono do Rei. Sim, era maior e mostrava a superioridade do Rei em relação à Rainha, mas Belle não achava isso certo e se o seu tio e o Conselho achava que ela iria sentar no trono menor eles estavam muito enganados. Ela detinha o poder agora e somente ela. Quando se sentou olhou para frente e viu todas aquelas pessoas. Por um momento havia se esquecido de que estavam todos ali e que ela tinha desafiado o seu tio na frente deles. Também notou os Amis em um canto. Todos eles estavam com um sorriso no rosto, principalmente Enjolras.

-Por favor, aproxime-se. – Belle disse ao camponês que estava lá e ele assim o fez – O que deseja?

-Vossa Alteza. – ele disse fazendo uma reverência – Eu e minha família estamos passando muita fome... – ele nem conseguiu terminar de falar, porque seu tio o interrompeu.

-Sim, sim. Várias pessoas estão passando fome. – ele fala e Belle sente ainda mais raiva.

-Se você não for ficar quieto vou pedir para que saia, tio.

-Não, tudo bem. Eu só pensei que você iria querer ajuda de alguém mais experiente nessas coisas – ele responde.

-Com certeza não queria ter a sua ajuda. Pensando bem, Pierre, escolte meu tio até os aposentos dele, por favor. E depois volte aqui. – ela disse e Lamarque prontamente a atendeu. Depois ela se virou para o camponês e pediu para ele continuar. Ela não estava acreditando no que estava acontecendo. Pensava em como o seu pai ficaria feliz pelo modo que ela se impôs.

Após aquele camponês, Belle perdeu as contas de quantas pessoas só vieram até aqui por causa de fome. Realmente, a situação não estava bem na França. Antes de chamar mais um camponês para atender, Belle se virou para Lamarque que já havia voltado e agora estava do lado dela.

-O que aconteceu com os grãos que recebemos semana passada? – ela perguntou sussurrando. Sabia que os grãos eram para o castelo, mas eles já estavam bem abastecidos. Se a corte mantivesse todos esses grãos iriam estragar e depois teriam que jogá-los fora.

-A corte quis que o castelo mantivesse tudo.

-Mas os grãos irão estragar. Há um monte aqui.

-Seu pai iria fazer algo, mas ele ficou doente. Agora ele não pode fazer nada.

-É, mas eu posso. – ela disse e se levantou – Para todos que estão passando fome e precisam de grãos, eu digo que vocês terão. O festival de verão está chegando e acontece aqui no castelo. Temos bastante grãos estocados aqui, então serão distribuídos para vocês. – ela termina e vê sorrisos por toda parte – Eu sei que não é uma solução para o problema da fome, mas eu espero que isso ajude enquanto eu ache uma saída. E lhes dou a minha palavra que eu irei cuidar disso pessoalmente.

-De fato, princesa. Isso irá ajudar muito – um camponês fala – Muito obrigado Alteza. - ela olha para Lamarque que estava sorrindo e sente que ele está orgulhoso dela.

-Quero que você cuide de mandar para todos os nobres que tiverem grãos de reserva para que distribua para os camponeses da região. – ela fala para ele.

-Como quiser princesa.

Agora o difícil seria encarar a todos os nobres e, por falar neles, antes que pudesse dizer mais alguma coisa um homem entra na sala do trono como se fosse dono de tudo. Pelas suas vestes, Belle sabia que ele era um nobre. Ao invés de esperá-la, começou a andar em sua direção, passando para trás todos os camponeses.

-Princesa – ele disse fazendo uma reverência – Eu sou Émile de Chântilion e preciso falar com o seu pai ou com o seu tio.

-Não irá falar nem com meu pai ou com meu tio. Você irá responder a mim e somente depois que eu terminar aqui. – ela fala – Ou se quiser esperar na fila, fique a vontade.

-Eu sou um nobre. Não vou esperar uma menina brincar de monarca, muito menos responder a ela – ele debocha e Belle perde a paciência.

-EU SOU SUA PRINCESA E SOU A REGENTE – ela grita e levantando do trono e indo para mais perto dele. Se ele iria a desafiar, ela também iria o desafiar – ALGUM DIA EU SEREI A RAINHA DA FRANÇA. VOCÊ É APENAS O MEU SÚDITO E ME DEVE RESPEITO – ela termina e olha o seu olhar surpreso e nem um pouco agradável. Seu sorriso já tinha desaparecido de seu rosto. – Espere lá fora, que vou terminar aqui primeiro.

-Alteza, eu viajei por muito tempo. Ainda terei de esperar? – ele fala tentando reprimir a raiva em sua voz.

-Chegasse mais cedo monsier* de Chântilion – Belle responde simplesmente voltando a se sentar no trono – Assim não teria que esperar. – ela terminou e viu o homem sair passos largos.

Permitiu-se dar um pequeno suspiro de alívio e procurou os olhos azuis que sempre lhe deram coragem. Por algum motivo Enjolras sentia que ela precisava de forças apenas a olhou com um sorriso e acenou com a cabeça, como se tivesse dizendo que ela tinha ido muito bem e ela entendeu. Depois olhou para Lamarque que a olhava quase da mesma forma que Enjolras, aprovando suas atitudes. Agora mais do que nunca, Belle sentia de verdade como era ser uma regente e o quão difícil era essa tarefa, principalmente por ser uma mulher. Contudo, seria uma monarca diferente de todos os outros, ela sentia isso. Não iria parar de ser impor, afinal ela é a Belle Bourbon, a princesa da França e um dia seria a Rainha de seu tão amado país. Não iria deixar ninguém tirar isso dela, nem mesmo seu tio ou nobres iguais aquele homem.