Palácio das Tulheiras – Paris, fevereiro de 1825

Enjolras estava na frente do palácio junto com outras muitas pessoas. Não sabia ao certo o motivo de estar parado lá, ele poderia simplesmente ir embora. Seu pai era muito amigo do Rei, para sua infelicidade, e agora estava esperando a princesa chegar da Áustria. Lembrava-se muito de Belle, de como eles haviam crescido juntos como primos e também do dia em que ficou sabendo em que ela era a princesa da França. Tinha 13 anos e ainda não entendia direito sobre política, só queria ficar do lado de sua suposta prima. Agora com seus 18 anos, havia iniciado seus estudos do curso de direito e ainda não aceitava a volta da monarquia em seu país. Havia levado consigo Combeferre, afim de não ficar sozinho num mar de gente fútil e mais preocupada com a cor da grama do que com a situação dos mais pobres. Estava conversando com seu amigo quando viu o pai se aproximar.

- Você poderia pelo menos socializar com as pessoas Enjolras? – seu pai pergunta

- Não – responde já ouvindo os pestanejos de Combeferre – Já lhe disse que isto é a última coisa que faço pra você. O Rei é seu amigo, não meu. Quando eu for embora daqui vou continuar com as mesmas intenções de derrubar esse governo.

- Fale baixo – seu pai fala com um tom mais bravo – Eu juro que não sei onde errei com você. – termina e sai de perto.

- Enjolras... – começa Combeferre

- Não adianta falar nada Combeferre. Nada vai me fazer mudar de ideia.

Ouviu um suspiro de seu amigo e voltou sua atenção para sua frente. Via um grupo de quatro meninas, as quais julgava serem todas de família nobre. Conseguiu ouvir um pouco da conversa delas em que estavam a discutir se a princesa Belle se lembraria delas. Coitadas pensava Enjolras, ela é uma princesa da França e com certeza não iria se lembrar delas, a alta nobreza desse país costumava ter uma memória muito curta, nem dele ela deveria se lembrar e, de certa forma isso o deixava mal. Os dois tinham crescido juntos, ele queria ao menos que ela lembrasse de seu nome.

***

Belle estava com sua cabeça encostada na janela da carruagem, já estava se acostumando com viagens assim. Lembrava-se muito pouco de quando foi de Évreux para Suíça... Ah, Suíça. Ainda não conseguira superar por completo a morte de sua mãe. Depois foi para Paris e com a desculpa que a França ainda não era segura para ela, seu pai a mandou para a Áustria. Finalmente estava voltando para Paris, não aguentava mais a saudade dessa cidade e de suas amigas. Pensava em como estariam Leonor, Charlotte, Francine e Emanuelle, elas eram suas únicas amigas. Todas as pessoas que se aproximavam dela sempre queriam algo a mais, teve sorte de ser educada por uma pessoa muito honesta e inteligente. Mas é claro que não poderia se esquecer de Enjolras, não poderia e nem queria se esquecer do loiro. Sempre se pegava pensando em seu amigo, às vezes mais do que achava normal.

- Cansada? – o homem a sua frente pergunta

- Não... Já estou acostumada com viagens assim, General – ela o responde, ajeitando sua postura.

- Então o que te atormenta Belle? – ele torna a perguntar e ela levanta uma sobrancelha – Eu conheço você desde que você tinha oito anos princesa. Sei quando algo a perturba.

-É que eu estava pensando se minhas amigas estarão lá para me receber...

-Somente nas suas amigas está pensando? – ele a encoraja a falar

-Tudo bem, estava pensando também em Enjolras. Faz tanto tempo, nos vimos pela última vez quando eu tinha quatorze anos. Muita coisa pode ter mudado e sinceramente, eu não quero ele tenha mudado. – ela se abre

-Eu tenho certeza que ele estará lá – ele fala

-Certeza? Como pode ter certeza disso?

-Eu apenas tenho. – ele fala pegando sua mão e a oferecendo um olhar reconfortante. Belle apenas sorriu e apertou um pouco de General Lamarque. Ele havia se tornado para ela uma espécie de pai. Depois de ter a salvado, ficou responsável por sua educação mesmo sendo contra esse regime monarquista. Pensou que poderia mudar o jeito da nobreza a partir de Belle, se bem que ele sabia que depois da morte de Luís ela não conseguiria ser a Rainha. Lamarque já tinha percebido que o tio dela queria a coroa e se Carlos sentasse no trono, não enxergava alternativa a não ser uma nova Revolução. Por mais que suas convicções fossem o contrário do Antigo Regime, não pôde deixar de se apegar à Belle. Agora, temia por ela se acaso a violência da revolução a alcançasse como a alcançou dez anos atrás.

Belle viu o castelo se aproximando e sentia seu coração batendo cada vez mais rápido. Queria sair da carruagem logo, abraçar seu pai, suas amigas e Enjolras. Tentava se lembrar de como eram as suas amigas, para não confundi-las umas com as outras. Charlotte tinha o cabelo num tom castanho, mas seus olhos eram azuis, Francine tinha os cabelos louros, quase prateados e olhos meio que esverdeados bem claros e as duas eram de família nobre. Leonor também tinha os cabelos louros, mas seus olhos tinham uma cor de mel, já Emanuelle tinha os cabelos castanhos, assim como seus olhos. Leonor e Emanuelle não eram de família nobre, não sabe ao certo de como seu pai conheceu os pais delas, mas ele as convidou para serem suas damas de companhia e ela agradecia do fundo de seu coração. Elas eram duas das melhores pessoas do mundo. O tempo passou mais um pouco e quando ela se deu por si, já haviam chegado ao castelo. A carruagem parou e ela jurou que pôde escutar um “Ali está Belle!”. General Lamarque saiu primeiro, ninguém sabia quem ele era de fato – principalmente os nobres – e era tratado pelo nome de Pierre. Respirou fundo e com um friozinho na barriga começou a sair da carruagem, aceitou a ajuda de Lamarque e pegou em sua mão para de fato sair. Deu uma olhada em volta e viu que havia muita gente mesmo. Conseguiu ver seu tio, Carlos, o primo de seu pai Luís Filipe, o seu tio de consideração Jean e depois viu seu pai no centro. Quando ia para perto dele, olhou para o lado e viu suas amigas. Abriu um sorriso e foi em direção a elas, quase correndo e viu que elas estavam vindo em sua direção sorrindo também. Pareceu uma eternidade, mas quando ficaram frente a frente, suas amigas fizeram uma reverência e a olharam. Belle simplesmente abriu seus braços e elas pularam até um abraço coletivo.

-Charlotte, Emanuelle, Leonor, Francine. – Belle falou olhando para cada uma – Finalmente estamos juntas de novo!

- Estamos muito felizes em ver você de novo Belle! – Emanuelle falou.

-Sim! Temos que fazer uma noite só das garotas para colocarmos todos os assuntos em dia. – Charlotte disse

-Adorei a ideia Lottie! – Francine falou e Leonor concordou.

-Isso, mas agora eu preciso ir com o meu pai e... – Belle começou a falar olhando para a multidão e achou um par de olhos que não confundiria nunca.

-E? – Leonor tentou a encorajar

-Um minuto meninas. – a princesa disse praticamente sem as olhar e foi em direção a Enjolras.

Quando Belle saiu da carruagem, Enjolras sentiu seu coração bater mais rápido e ficou hipnotizado por sua beleza. Viu que ela foi em direção de suas amigas e percebeu que ela ainda era aquela menina com quem cresceu junto. Queria muito falar com ela e, quando a viu vindo em sua direção não perdeu tempo e foi ao seu encontro. Fez uma reverência para sua princesa e ela o abraçou. Ele não tinha reação, nunca pensou que ela faria uma coisa dessas na frente de várias pessoas, apenas a abraçou de volta quando se deu conta.

-Senti sua falta Enjolras – ela disse

-Também senti a sua Belle, ou melhor, sua alteza. – ele respondeu

-Não! Eu quero que você continue me chamando somente por Belle. – ela falou e sorriu.

-Bom, você sabe que não consigo lhe falar não. – ele termina e os dois dão risada juntos, como eles costumavam fazer antes. – Acho melhor você ir falar com seu pai agora. Ele deve estar sentindo a sua falta.

-Sim, eu vou, mas você tem que me prometer uma coisa...

-E o que seria?

-Meu pai falou que meu tio insistiu para que ele desse um baile em minha homenagem. Eu não queria, mas consegui convencê-lo de fazer esse baile aberto para todos os cidadãos que puderem vir. Não me entenda mal, eu só quero que o povo desfrute de tudo o que os nobres e os ricos podem. – ela diz e de certo modo Enjolras sente um pouco orgulhoso por Belle ter essa visão. – E eu queria muito que você viesse. Seria bom mais uma pessoa que eu conheço. E traga seus amigos também, fale que fui eu quem os convidei.

-Fico feliz com isso Belle. Pode deixar que eu irei nesse baile por você e irei convidar os meus amigos por você. – ele a tranquilizou e sorriu – Agora vá falar com o seu pai. Ele deve estar muito ansioso para ver você. – ele diz e ela se afasta indo com seu pai. Combeferre ficou praticamente estático, nunca havia visto Enjolras agir daquele jeito.

-Você pode me explicar quem é você e o que fez com meu amigo? – Combeferre fala e nota que Enjolras ainda está olhando para Belle. – Enjolras!

-O quê? – ele fala um pouco assustado e Combeferre dá uma risada

-Nada. Vem, temos que falar com todos sobre esse baile.

De uma maneira boa, Enjolras sentiu que sua amiga não estava perdida, mas agora começava a sentir certo medo por Belle. Não queria que ela se machucasse se acaso uma revolução estourasse.