A Princesa e o Revolucionário

Le Mariage de la Princesse - Partie Un


Palácio das Tulheiras – Paris, setembro de 1825

Belle tinha acabado de acordar e hoje seria o dia de seu casamento. Sempre pensou que esse seria o dia mais feliz de toda a sua vida, mas pelo visto estava enganada, seu tio tinha conseguido estragar até um de seus sonhos. Não estava nenhum pouco a fim de sair daquela cama, mas sabia que era seu dever como princesa. O Duque Hans possuía vastas terras que eram muito produtivas, assim, com o casamento ele prometeu que parte da produção de grãos iria para a França e teria o destino que ela quisesse, era uma boa saída para a fome dos camponeses, Belle sabia disso. Seu tio tinha usado aquilo contra ela, tudo o que queria era fazer com que a fome acabasse em seu país e ele ofereceu uma solução. Levantou-se da cama e foi até sua penteadeira, se olhou no espelho e repetiu o que sempre falava depois que seu casamento foi marcado.

—É o que o povo precisa – ela falou e suspirou. Belle desistiria de tudo, de ser uma princesa e de todo o conforto que tinha, apenas para viver com Enjolras.

Perdida em seus pensamentos, a princesa quase não notou quando suas amigas entraram em seu quarto. Todas ficaram em silêncio e não ousaram falar nada, só dar alguns sorrisos encorajadores para ela antes de irem a abraça-la. Tomou o café da manhã em seu quarto, longe de tudo e de todos, apenas na presença de suas amigas que tentavam animá-la a qualquer custo. O almoço foi praticamente a mesma coisa. Estava deitada na cama com a cabeça no colo de Francine, que passava a mão em seus cabelos quando as cinco ouviram batidas na porta. Charlote levantou-se e foi abrir a porta, encontrando General Lamarque que pediu um tempo a sós com a princesa e ela apenas acenou com a cabeça dizendo que estava tudo bem.

—Vim ver como você está – ele disse sentando-se ao lado dela

—Bom, estou bem na medida do possível General – a princesa respondeu depois de um suspiro.

—Belle, eu sei que está fazendo isso pela França, mas se você quiser desistir, está tudo bem – Lamarque fala e vê os olhos de Belle marejarem – Eu ajudo você a fugir de alguma forma, os seus amigos também vão... – ele continua e abraça-a de lado.

—Eu estou com medo Lamarque. Meu pai está muito ocupado com assuntos de Estado e meu tio está fora de cogitação.

—Belle, eu repito, se você quiser...

—Não, General – ela o interrompeu – É o que a França precisa. Se eu estiver ajudando a diminuir nem que seja um pouco da fome, estarei mais feliz – ela disse e Lamarque não pôde deixar de sentir um pouco de orgulho – Só... eu estou mais com medo de outra coisa...

—Que o Duque perceba que você não é mais virgem – ele disse antes dela, causando até uma ligeira surpresa na princesa.

—Como é que você sabe? Você ficou ontem praticamente o dia inteiro trancado naquela sala com o meu pai! – ela falou e ele deu um breve e cansado sorriso.

—Belle, não há como você pisar fora desse castelo sem eu saber. Mesmo que Bernard esteja com você. E quando soube que você foi se encontrar com Enjolras... não sou tolo minha princesa.

Belle sabia que no que se tratava de sua segurança, Lamarque não poupava esforços, pena que depois desse dia ele já não seria tão autônomo para fazer o que quisesse. Ficava assustada com a ideia de deixar tudo e todos que conhece para trás e se mudar para um lugar tão diferente e longe da França. Ela ainda estava tentada a aceitar a proposta de Lamarque e fugir dali o mais rápido possível.

—Mas não se preocupe, seu segredo está a salvo comigo – ele disse apertando a mão dela de leve.

—Obrigada Lamarque – Belle respondeu com sinceridade – Mas e quando consumarmos o casamento? Ele não irá perceber? – ela pergunta.

—Quanto a isso, você não terá que se preocupar – Lamarque responde e Belle franze a testa – Deixe tudo comigo.

Após o término da conversa dos dois, as amigas de Belle entraram novamente em seu quarto, mas dessa vez era para prepará-la para o casamento. A cerimônia e a festa não seriam algo grande, na verdade, seria algo bem discreto para um casamento de um membro da família real francesa. Iria ser tudo no Palácio mesmo, enquanto a cerimônia seria num pequeno salão, a festa seria no salão principal de festas. Quando Leonor acabou de arrumar o seu cabelo, a princesa encarou seu reflexo no espelho e viu o resultado. Seus longos cabelos pretos estavam totalmente presos num coque meio frouxo, se não estivesse nessa atual situação, tinha ficado mais animada, mas agradeceu a amiga mesmo assim. Levantou-se da cadeira e começou a colocar o espartilho e todas as roupas de baixo com a ajuda de Charlotte e Francine enquanto Emanuelle foi pegar o vestido. As costureiras haviam feito dois vestidos, o que Belle mais tinha gostado fora o que era inteiro de renda, com as mangas compridas e uma fita na cintura, mas não teve vontade de usá-lo. Optou pelo vestido de seda, que tinha as mangas até o cotovelo e a saia era volumosa. Quando se deparou com o tempo, suas amigas já estavam prontas e seu pai batia na porta para levá-la até o altar. O Rei foi até sua filha e lhe deu um abraço, ele queria que ela soubesse o quanto ele também estava infeliz com aquele acontecimento.

—Você está maravilhosa – ele diz passando a mão sobre o rosto da filha – Se estiver fazendo isso somente por causa do Conselho, por causa de Carlos...

—Estou fazendo isso pela França – ela diz convicta antes mesmo de seu pai terminar de falar e o enche de orgulho.

—Sua mãe estaria muito orgulhosa de você, Belle – ele diz e lembrar-se de sua mãe, pareceu dar mais forças para Belle.

Os guardas abriram as portas e ela conseguia ver o Duque Hans de pé ao lado direito do Bispo que realizaria a cerimônia. Apertou ainda mais sua mão no braço de seu pai e conforme foi caminhando lentamente, tentava achar algum rosto conhecido. Suas ladys e amigas estavam atrás dela, Lamarque e Bernard estavam do lado esquerdo do Bispo, certamente esperando seu pai tomar aquele lugar, contudo o rosto que mais queria achar era também o rosto que não queria ver. Enjolras estava na primeira fileira, junto com Gavroche e os Amis e, por mais que quisesse sentir mais força e coragem para se casar, tinha mais vontade de sair correndo. As feições que mais lhe transmitiam segurança eram as de seus guardas, Lamarque e Bernard, compensando a feição de seu tio Carlos. O rosto dele parecia que se iluminava a cada passo que ela dava, talvez por ter certeza que assim, a coroa seria dele. Viu seu tio de consideração, Jean ao lado de Carlos e ele transmitia uma cara triste, como se também não quisesse que ela fizesse aquilo, mas agora não tinha mais volta.

Seu pai entregou sua mão direita para o Duque sem lhe falar nada, afinal também ele não conseguia. Hans tentou dar um sorriso para Belle que devolveu um mínimo sorriso sem mostrar os dentes. Enquanto o Bispo falava, Belle vagou pelos seus pensamentos. Imaginava que se estivesse se casando com Enjolras tudo seria diferente, ela não estaria triste e vazia, pelo contrário, se estivesse se casando com Enjolras, seria o dia mais feliz de toda a sua vida. Só voltou para a realidade quando lhe foi perguntado se aceitaria Hans de Waldeck como seu esposo.

—Sim – disse simplesmente olhando somente para frente e depois ouviu o duque dar a mesma resposta.

Antes da comunhão, eles tiveram que assinar o documento que validava o casamento deles. Hans foi o primeiro a assinar e logo foi a vez dela. Pegou a pena das mãos do Bispo, mas antes de assinar, olhou para trás para ver Enjolras novamente, nem que fosse pelo menos por alguns segundos. Aqueles olhos azuis sempre pareciam lhe dar forças mesmo numa situação em que força era a última coisa que poderia sentir. Respirou fundo e virou-se novamente para assinar seu nome. Escrever seu nome em um pedaço de papel nunca foi tão difícil assim. Quando terminou, olhou para seu marido agora e tentou achar nele a força que achava em Enjolras, mas não conseguiu.

A festa também não estava sendo do jeito que Belle pensava. Ela tentava ao menos parecer feliz, mas pensava que não estava conseguindo. Os nobres vinham todos parabenizá-la pelo casamento e pôde perceber que alguns faziam aquilo com um tom sarcástico na voz, como aquele nobre que teve divergências com ela no tempo em que Belle era regente. Contudo, um nobre em especial, a parabenizou e se desculpou por não estar no Conselho quando eles decidiram sobre o casamento da princesa. Aparentemente, Neville Beaumont tinha o poder de veto no Conselho, mas com sua amada esposa com constantes febres, não teve coragem de deixá-la e no fim, ela acabou morrendo.

—Sinto muito mounsier Beaumont – ela disse sinceramente.

—Obrigado Princesa – ele disse e olhou para os lados como se quisesse ter certeza que ninguém estava por perto – Se precisar de qualquer coisa, até mesmo se precisar lhe fazer virar uma viúva, pode contar comigo – ele disse mais baixo e Belle se permitiu dar um sorriso leve – Sei que está fazendo isso pela França, mas eu tenho meios de abastecer a população num momento crítico. Meios não muito legais, eu confesso, mas ainda sim a fome não iria ser tanta.

Não houve tempo para Belle conseguir responder o homem, Hans havia chegado e quis gritar para Neville ficar e não deixá-la sozinha. Entretanto, se ele não podia ouvir seus pensamentos, Deus podia e parece que fora ele exatamente quem enviou Gavroche quase no mesmo instante que o nobre saiu. O menino tinha se aperfeiçoado com a princesa e ele via que ela estava infeliz. Ele chegou perto dos dois e fez a melhor reverência que conseguia, assim Belle apresentou Gavroche para Hans.

—Com sua licença Duque Hans, mas eu queria tirar a Princesa Belle para dançar – ele perguntou olhando para o homem.

—Você tem a minha permissão Gavroche – o homem concordou com um pequeno sorriso e Belle não conseguiu distinguir a natureza desse sorriso.

Assim, a princesa era conduzida até o centro do salão por Gavroche. Ele não tinha nem a metade da altura dela, mas sem dúvidas era o melhor momento que Belle estava tendo nesse dia. Quando se posicionaram, Gavroche fez a reverência antes de colocar sua mão sob a cintura dela e segurou a mão dela com a sua que estava livre. Belle se abaixou um pouco para facilitar as coisas e então começaram a dançar pelo salão. A música era até um pouco lenta e os dois puderam conversar um pouco.

—Você está se saindo muito bem! – ela fala o elogiando e ele agradece.

—Enjolras me ensinou a dançar – ele fala e ela o olha surpresa – Eu pedi para ele me ensinar um pouco para eu poder dançar com você! – ele fala mais animado, mas logo seu sorriso desaparece – Desde que você falou que iria se casar ele está bem triste e você também parece estar assim – ele fala muito observador e Belle suspira um pouco.

—Bom, é complicado... – ela fala tentando o fazer desistir desse assunto e ele só respondeu para ela explicar – Eu amo Enjolras e ele me ama, mas nós não podemos ficar juntos.

—Por que não? Se você o ama e ele te ama, porque não podem se casar?

—Porque eu estou me casando com o Duque para a população ter o que comer – ela fala e Gavroche a olha com espanto nos olhos.

—É só por causa disso? – ele pergunta e ela concorda – Belle, ninguém quer vê-la triste, acredite em mim. Se você fugir agora os franceses não ficariam nenhum um pouco chateados, eles amam você! Você é a melhor princesa que a França já teve. Todos nós só queremos ver você feliz – ele fala parando de dançar e olhando para baixo – Eu não quero que você vá embora.

—Eu vou voltar sempre Gavroche – ela diz se abaixando para ficar na altura dele e com sua mão levantou o rosto dele – Nada nesse mundo irá me impedir de ver vocês novamente.

—Promete? – ele pergunta.

—Prometo! – ela fala e espontaneamente ele dá um abraço apertado na princesa.

Quando o abraço terminou, eles dançaram mais um pouco até que Grantaire intercedeu e pediu uma dança com ela. Mesmo que um pouco contrariado, Gravoche deixou a princesa dançar com um de seus amigos. Começaram a dançar e Belle percebeu que Grantaire também sabia dançar um pouco.

—Não fique tão surpresa, há muitas coisas que eu sei fazer que ninguém faz a menor ideia – ele disse lhe dando uma piscada de olho.

O tempo passou um pouco e R tentou falar com ela sobre Enjolras, mas não deu muito certo. Belle não queria falar dele aqui e agora, primeiro que era perigoso se Hans escutasse e segundo que durante a consumação do casamento já pensaria demais no líder revolucionário. Pensava que foi condenada para o resto de sua vida se deitar com um homem e imaginar outro no lugar. Belle nem percebeu direito quando a música tinha acabado, mas quando ia pegar as mãos de Grantaire novamente, viu o homem que amava chegando por trás e pedindo por uma última dança. A princesa apenas acenou com a cabeça e quando a música começou as mãos de Enjolras foram naturalmente para sua cintura e sentiu seu corpo inteiro formigar. Durante toda a dança, eles quase nem trocaram palavras, mas não era necessário. Seus olhos se conectavam como um e seus passos eram sempre muito sincronizados. Belle sabia olhando aqueles olhos azuis praticamente tudo o que Enjolras queria lhe dizer e, por mais que ela quisesse dizer o mesmo, não poderia. Não poderia mais dar esperanças para Enjolras sendo que nem ela tinha mais. A música havia terminado e outra havia começado, mas os dois ficaram parados se encarando e por mais que Belle estivesse tentada a beijá-lo ali mesmo, sabia que não podia. Sentiu uma mão em seu ombro, apertando um pouco e quando olhou para cima viu que era Hans.

—Acho que seria bom eu dançar com minha esposa agora, não é mesmo? – ele fala olhando fixamente para Enjolras com uma cara de pouco amigos. Ao ver o olhar do loiro, Belle viu que boa coisa não sairia dali, então concordou com Hans e agradeço Enjolras pela dança e o revolucionário percebeu o que ela queria dizer. Assim que ele saiu, Hans começou a conduzi-la pelo salão, mas não era a mesma coisa – Seu tio me falou sobre ele – seu marido começou e ela deu uma risada sarcástica.

—Tinha que ser – ela disse mais baixo e depois olhou para Hans – E o que foi que ele lhe disse?

—Para tomar cuidado com ele – Hans falou e Belle continuou prestando atenção – Principalmente quando o assunto em questão é você.

—Enjolras é meu amigo e por muito tempo foi o meu único amigo – ela falou prontamente – Não há nada para se preocupar com ele.

—Eu percebi o jeito que vocês se olham Belle. Eu não sou nenhum idiota – ele fala mais ríspido – Só quero deixar claro que não irei tolerar esse tipo de comportamento – ele termina e Belle se afasta abruptamente dele.

—Não quero mais dançar – ela fala e simplesmente vira as costas e vai em direção ao seu acento, mas sente uma mão puxá-la pelo braço.

—Nunca vire as costas para mim – ele fala baixo, mas com um tom bravo – Sou seu marido agora e você me deve respeito – ele continua e depois disso Belle puxa seu braço o forçando a soltá-lo.

—Não. É você que me deve respeito – ela fala o enfrentando – EU sou a princesa da França, enquanto você é somente um Duque – ela fala com um pequeno desdém – Não tente me ameaçar, porque nunca irá conseguir me assustar – ela fala se vira novamente para ir se sentar.

Quando ela caminhava, viu que seu pai, Lamarque e Bernard estavam olhando para aquela cena. O General estava do lado de seu pai e sussurrou algo no ouvido do Rei, que apenas balançou positivamente com a cabeça. Quando se sentou, olhou para o salão inteiro e pôde ver os Amis com suas damas de companhia e todos olhavam para ela, como se tivessem visto o que tinha acabado de acontecer, mas se limitou a sorrir para eles. Pouco tempo depois, notou que Hans havia vindo se sentar ao seu lado e só lhe avisou que eles teriam uma conversa sobre o ocorrido. Antes que qualquer coisa mais acontecesse, Lamarque chegou com uma taça na mão.

—Aceita um pouco de vinho, minha princesa? – ele pergunta.

—Sim Pierre. Obrigada – ela fala rapidamente e pega a taça, colocando na mesa – Qualquer coisa que precisar eu mando lhe chamar – ela falou e ele apenas concordou e saiu. Antes que pudesse pegar a taça para beber o vinho, Hans pegou primeiro e se virou para ela.

—Deixe-me beber este aqui. Não quero você embriagada na noite da nossa consumação – ele fala com a taça numa mão e com a outra passava seus dedos na bochecha dela, da qual ela fez questão de se desvencilhar. Enquanto ele tomava o vinho que era para ser dela, olhou para frente, focando num ponto fixo na parede, tentando imaginar um jeito de sair dali.

Parecia que o tempo corria para Belle. Quando se deu conta, seu tio já estava gritando por todo o salão, dizendo que era o momento da consumação. Viu Hans se levantar e olhar para ela, oferecendo sua mão para ajudá-la a levantar e sem nenhuma opção, aceitou. Ficou de pé e a única pessoa que conseguia ver era Enjolras, contudo um barulho a despertou de seus pensamentos. Hans começava a tossir e colocar a mão em seu pescoço, como se dissesse que não conseguia respirar. Belle tentou ajudá-lo, mas quando chegou perto, ele caiu no chão se debatendo e só ouviu um homem que tinha vindo com ele gritar que ele havia sido envenenado. Então começou uma gritaria no salão e tudo o que Belle conseguiu ver e ouvir foi Lamarque e Bernard virem em sua direção muito rápidos e pessoas gritando “Protejam o Rei”, “Protejam a princesa”.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.