– Precisamos leva-la daqui! – Samantha bradou, segurando o corpo frágil de Maria Hill. – E precisamos fazer isso no nosso planeta, de preferência.

Ward olhou para o amuleto em sua mão. Era hora de voltar para casa.

Era a hora de voltar para casa contra a vontade de Asgard e comprometer sua liberdade. A hora de encarar Skye e os outros. Hora de todos saberem a história sobre Samantha. O corpo pálido e frio de Hill não suportaria passar mais tempo ali. Na verdade era até estranho ela ainda não ter morrido de hipotermia, já que Hela havia desativado o campo de força que a protegia do frio já fazia mais de uma hora.

– Vamos para a Terra. – ele apertou o amuleto entre os dedos. Era a coisa certa a se fazer. – Deite o corpo dela, Sammy.

Ward sentou-se no chão e Samantha colocou Maria delicadamente nos seus braços. E como ela estava branca! Os lábios arroxeados não faziam jus ao seu tom de “Comandante Mandona” como Ward estava acostumado a ver. Ele tocou os cabelos negros de Hill, que pareciam estar esbranquiçados pelos pequenos flocos de gelo que se formavam sobre ela. Estava tão fria que Ward a abraçou com o máximo de pele que conseguiu alcançar, envolvendo-a cuidadosamente.

– A pulsação dela está baixando, Sammy... Rápido!

Samantha imediatamente sentou-se de joelhos em frente ao irmão que segurava a comandante da S.H.I.E.L.D em seus braços. Estendeu sua mão e Ward fez o mesmo, acolhendo o amuleto na palma de sua mão. Imediatamente, a luz tomou conta deles e em questão de segundos eles não estavam mais em Jotunheim.

– Que lugar é esse?

– Não faço ideia, Samantha.

– Nós voltamos para Asgard?

– Não se parece muito com Asgard.

Samantha observou ao redor. Nada poderia se comparar àquele lugar. Os cânions pontudos eram absurdamente altos e um lago pacífico regava os pés dos gigantes rochosos.

– Não – ela levantou os olhos e sentiu a luz tocando seu rosto com carinho. – Se parece com o céu.

Samantha estava certa. A imagem ao redor realmente parecia ter saído de um livro de contos de fada: a grama num verde invejável banhada por águas calmas e límpidas; fontes cristalinas que jorravam pacificamente ao redor; a luz espalhando-se como uma cortina resplandecente sobre eles. Definitivamente, haviam descoberto um paraíso em Midgard.

– Pelo menos aqui é quente. – Ward observou, enquanto alisava os cabelos de Hill que estavam umedecidos pela condensação dos cristais de gelo que existiam ali. – Ela vai ficar bem.

– E você está todo preocupadinho com ela. – Samantha soltou uma gargalhada farta, deixando suas costas encontrarem a grama macia.

– Eu só a estou protegendo. Ela é quase minha irmã por associação. – Ward desviou o assunto, quase se amaldiçoando por ter feito uma comparação tão tosca. – E além disso, foi você mesma que disse que queria que nós nos déssemos bem.

– Eu não estou reclamando. – ela jogou as mãos para o ar. – Só observei o fato.

– Tudo bem. – Ward deitou o corpo de Hill sobre a grama, tendo o cuidado de segurar sua cabeça e aconchega-la confortavelmente no tapete verde.

– Eu vou pegar um pouco de água. – Samantha levantou-se e partiu em direção a uma das fontes, que ficava há quase cem metros de onde estavam. – Você fica aqui com ela.

– Eu sei, claro.

Ward acenou com a cabeça e observou Hill enquanto dormia. Ela parecia tão indefesa daquela forma que ele quase esquecera do quão durona ela era quando estava acordada. Ele deitou-se ao lado dela, sentindo as costas doerem um pouco. Pensava em tudo que havia acontecido e só queria um minuto de paz naquela hora. Ele permitiu-se virar para o lado e observá-la dormindo.

– Maria, Maria – ele sussurrou, afastando uma mecha dela que lhe recaía sobre o rosto. – Por que você não podia ser sempre assim?

Como se ouvisse as palavras e sentisse o toque dele em sua testa, Hill começou a se remexer lentamente, até que seus olhos começaram a se abrir. Ward assustou-se com o movimento repentino e afastou-se dela bruscamente, olhando para trás para ver se Samantha já voltava com a água. A última coisa que ele queria era que ela acordasse e o visse ali parado a observando, sem Sammy ao seu lado.

– O que... Aconteceu comigo? – ela perguntou confusa e Ward pareceu perder a fala. – Por que está tão claro aqui e... WARD?! – ela levantou-se bruscamente, ficando um pouco tonta no processo. – O que você...

– Você está bem? – ele voltou a aproximar-se dela e segurou seu corpo, antes que ela desabasse sobre o solo novamente. – Você está fraca, Samantha foi buscar água, ela já está voltando, olha. – ele apontou para Sammy meio atrapalhado. – É uma longa história...

– Mas o que você...

– Bom dia maninha!

Sammy apareceu com um enorme sorriso nos lábios e se jogou sobre Hill, não acreditando ainda que estavam juntas novamente.

– Eu senti tanto, mas tanto a sua falta, Maria! – As duas riram incontrolavelmente.

– Eu também senti a sua, Sam. – Ela segurou os braços da irmã e a puxou para um abraço apertado. – Eu fiquei tão preocupada quando soube de você! Foi horrível!

– Talvez devesse sair de cima dela, Samantha. – Ward atrapalhou o momento fofo das duas. – Maria acabou de sentir uma tontura repentina.

– Não escuta ele, Sam. Ward não está acostumado a ser deixado de lado. – Hill alfinetou. – Ele ainda pensa que tudo gira em torno dele.

– Você ficou tonta, Maria? – Samantha afastou-se e rolou para o lado, saindo de cima dela. – O que você sentiu?

– Não é nada demais. Eu só estou um pouco fraca... Mas alguém aqui quer me explicar o que está acontecendo? E o que raios você está fazendo com o Ward? Como conhece ele?

Samantha olhou para Ward como se estivesse combinando alguma coisa.

– Você conta ou eu? – Ward perguntou.

– Falem de uma vez!

– Nós somos irmãos! – os dois disseram simultaneamente.

– O QUÊ?! – Maria levantou o tronco e ficou sentada de frente para os dois. – IRMÃOS?

– Pois é – Samantha colocou as duas mãos nos ombros dela, tentando acalmá-la. – Desculpe-me por ter escondido isso, mas eu não... – Sammy deu uma pausa para suspirar. – Ward é meu irmão que eu achava que nunca mais veria.

– Okay, Samantha. – Hill apertou os olhos e sacudiu a mão. – Depois conversaremos sobre isso com calma, mas agora... Onde estamos? Onde estão Loki e aquela coisa que ele chama de filha?

– Não vimos mais ninguém depois que saímos daquele reino congelado.

– Eu e Ward encontramos um amuleto que nos permite atravessar os reinos. Foi assim que te trouxemos de volta.

– Precisamos de um mapa. – Hill levantou-se e olhou ao redor. – Se estamos mesmo na Terra, já conseguimos o mais difícil.

– Esse lugar é lindo – Samantha observou novamente. – Em que parte do mundo será que estamos?

– Com certeza não é nos Estados Unidos. – Hill comentou sorrindo. – Nem Rússia, nem Canadá.

– Enquanto vocês duas tentam acertar na loteria, eu vou subir em alguma coisa para tentar enxergar melhor onde estamos.

Ward as deixou há poucos metros dali e apressou-se em subir na enorme árvore que havia nas proximidades.

– Eu já vi aqueles cumes antes. – Hill estreitou os olhos na direção de um conjunto de cânions. – Poderia jurar que já estive aqui.

– Como assim? – Samantha olhou na mesma direção que ela. – Você não se lembra?

– Pode ter sido um sonho... Já faz muito tempo mesmo...

– Senhoritas – Ward acenou com a mão para elas. – Subam aqui, rápido.

Hill e Samantha se entreolharam e correram em direção à árvore, escalando-a o mais rápido que podiam.

– Estamos na Ásia. – Ward apontou para um casebre em estilo oriental ao longe, seguido de uma pequena vila de aldeões. – Estão vendo aquela construção?

– Eu sei exatamente onde estamos. – Maria sentiu os olhos saltando para fora da caixa.

– E? – Ward deu uma força.

– Estamos em Hunan... Na China.

– Hunan?! – Ward segurou-se para não cair da árvore. – O mesmo lugar onde acharam Skye?

– Exatamente – ela engoliu em seco. – Foi em uma das primeiras missões que assumi quando me tornei comandante da S.H.I.E.L.D. Procurávamos um 0-8-7 como... A Skye.

– Eu não estou entendendo, gente. – Samantha levantou a mão em curiosidade. – Quem é Skye?

– É uma agente da equipe de Coulson, Samantha. Quando chegarmos à S.H.I.E.L.D. você irá conhecê-la. – Hill esclarecia. – Ela... Bem, é complicado explicar. Ela não é cem por cento... Humana.

– Okay – Sammy respondeu com mais dúvidas ainda. – E quando vai ser isso?

– Quando eu me comunicar com o Phil e pedir um jato particular para nos levar de volta. – Maria mexia nos bolsos procurando o telefone com conexão via satélite.

– Espera um pouco. – Ward olhava para o amuleto brilhante em sua mão. – Mas porque isso nos trouxe até aqui?

– Como assim, Ward? – Maria perguntou.

– Quando fomos a Jotunheim salvar você, o amuleto nos levou diretamente até onde estava... Por que não fez o mesmo aqui? Viemos parar do outro lado do mundo ao invés de termos “aterrissado” diretamente na base da S.H.I.E.L.D.

– Hunan é um lugar muito específico. – Samantha juntava as peças. – E se esse for o lugar em que devíamos estar?

– O que você está dizendo, Sammy? – Ward a olhou preocupado.

– Que talvez... O amuleto tenha nos colocado aqui por uma razão, Grant. Não é muita coincidência, nos três termos nos encontrado em dois mundos diferentes e termos sido trazidos para esse lugar onde acharam a menina com poderes?

– Ela não é uma menina com...

– Ward, está perdendo o foco. – Maria o interrompeu. – Continue, Samantha.

– Loki disse que queria quebrar a barreira dos Nove Reinos não era?

– Sim.

– Nós fizemos isso duas vezes na última hora, Ward. – ela tocou o amuleto na mão do irmão e o brilho que saía do artefato se intensificou. – Estávamos em Asgard, depois em Jotunheim e agora voltamos para a Terra. O que acha que está havendo aqui? O que acha que está havendo conosco? Nós acabamos de interferir na Ordem dos Nove Reinos, não?

Ward sentiu um arrepio percorrer a sua espinha. Samantha fazia todo o sentido do mundo. E se eles não fossem mais os mesmos depois daquele amuleto? E se algo tivesse acontecido no momento em que eles haviam usado o artefato para fugir de Asgard? E se... Se isso tivesse acordado o Caos?

– Hill – ele começou a sentir falta de ar. – Comunique-se com o Coulson agora mesmo. Precisamos conectar as peças dessa loucura antes que o Tribunal de Asgard nos capture de novo. E dessa vez sim nós teremos o que temer.

(...)

Cal enxugava as mãos com uma toalha encardida. Seu trabalho de médico havia regredido muito desde que perdera sua mulher e filha, tornando-o um homem sombrio e feito de vingança. No entanto, nesse momento, ele estava focado em algo um pouco mais humano: reencontrar sua filha e dá-la a chance de descobrir quem ela realmente era. Cal sempre brincava dizendo que sua filha havia abalado seu mundo como um terremoto, mas nem mesmo ele podia imaginar a literalidade que havia naquelas palavras. Sua pequena Daisy seria capaz de chacoalhar mais do que a vida de um pai de primeira viagem. Ela causaria um verdadeiro Terremoto.

– Onde está o objeto? – Raina perguntou, cansada de vê-lo enxugar as mãos num silêncio infinito.

– Tudo a seu tempo, minha cara Raina. – ele permaneceu de costas para ela, com um sorriso sem explicação. – Primeiro, você e eu vamos fazer uma pequena viagem. Não sei quem é este cavalheiro – ele apontou para Loki. – Mas você eu conheço. E farei negócios apenas com você. O que ele ganhar por fora, não é da minha conta.

Loki o olhou em dúvida, mas Raina assegurou-lhe de que tinha tudo sobre controle.

– É justo, Doutor. – ela pronunciou com seu ar carregado de subjetividade. – Você dita os termos do acordo, contanto que eu e o meu amigo possamos ficar com o Obelisco por um tempo até que eu consiga entrar na cidade que é minha por direito.

– Tudo bem. Façamos assim – Cal bateu as mãos uma na outra, como se uma ideia genial tivesse lhe ocorrido. – Nós dois vamos trazer o Obelisco, e quando estivermos em posse dele, você me trará minha filha. Então eu poderei mostrá-las o que esse objeto divino pode fazer.

– E eu? – Loki levantou a mão atrás dos dois. – Não esqueçam de mim.

– Quando eu partir para a cidade, tomarei o item de que precisa e então eu voltarei para entrega-lo a você. – Raina voltou e tocou a mão de Loki. – Não esquecerei que me ajudou a realizar o sonho da minha vida.

– É bom que não esqueça, Raina. – Loki respondeu firme, puxando a mão de volta. – Não me responsabilizo pelo que acontecerá caso você ouse me trair.

– Calma, cavalheiro. – Cal interveio. – Não vamos perder a cabeça por aqui. Se todos fizermos nossa parte, todos sairemos satisfeitos. Eu só quero a chance de explicar tudo a minha filha. Não tenho interesse em interferir nos seus negócios.

– Ótimo. Partirei para cuidar de alguns assuntos pessoais. – Loki sacudiu sua capa, virando-se para a saída. – E você, Raina, me mantenha informado de cada passo. Basta pressionar o botão azul do dispositivo que a entreguei. Use-o quando precisar falar comigo.

– Tudo bem. Muito obrigada pela confiança, Senhor. – ela prestou uma breve reverência a ele.

– Que seja.

Loki desapareceu e Raina virou-se sorridente para Cal. Era hora de encontrar o Obelisco. Achar respostas para perguntas de toda uma vida.

– Então, vamos? – ela convidou.

– Ele é um tipo meio estranho. – Cal observou, depois que Loki se foi.

– E você não é?

– Não tanto quanto ele. – Cal respondeu, andando desajeitado pelo seu consultório imundo. – Eu mostrarei o caminho, Raina. Está com suas malas prontas?

– Malas? – ela sorriu, confusa. – E para que eu precisaria de malas?

– Estamos indo para bem longe, Raina. O Divinador não está por aqui.

– Está aonde, então?

– No lar da minha finada esposa. – ele respondeu com pesar, sentindo algo estremecer dentro de si. – Vamos voar para Hunan.