– Aí nesse mesmo dia, outro cara deu em cima de mim numa festa – ela contava animada, como se voltasse ao passado subitamente. – Ele sempre usava uma daquelas jaquetas de couro marrom, tinha uma Harley envenenada e dizia que sonhava em abrir um bar ali perto – ela balançava a cabeça em sinal de negação. – Duane. Idiota.

– Esse Duane deu em cima de você?

– Não só ele. Metade do bar olhava pra nós duas como se fôssemos as únicas mulheres ali. Ah! – ela arfou, indignada. – Aquilo foi nojento!

– E o que vocês fizeram?

– A Hill é a mulher mais ciumenta que eu conheço – ela deu uma risada e encostou-se na parede. – Acho que nem você teria feito o que ela fez.

Ward franziu a testa, começando a analisar a possibilidade de aquela mulher ser outra Maria Hill. A que ele conhecia, não parecia muito com aquela que Sammy descrevia. Mas era a mesma, ele sabia. Só não conseguia associar uma à outra.

– Cara, imagina a cena: Nós duas estávamos sentadas nos bancos, tomando nossas bebidas no balcão. Aí chega esse cara chamado Duane e derrama vodca no meu vestido...

– E como era esse vestido, hein mocinha? – ele tentou dar uma de irmão protetor.

– Você fugiu quando eu tinha dezessete, lembra? – ela deu uma pausa pra ele fazer uma breve retrospectiva. – Está só alguns anos atrasado pra me dizer como eu devo me vestir.

Ele teve de engolir aquela. Samantha não gostava de bancar a indefesa, e pra falar a verdade, ela não era nenhum pouco. E feminista como ela só, ela não deixaria aquela por menos.

– Okay, senhora independência... Não me lembro de tê-la visto no 4 de Julho.

– Grantie, querido – ela sorriu, debochando dele. – Eu tenho uma ótima resposta pra isso, mas vou te deixar sem essa porque eu te amo, okay? – ela sorriu novamente e virou-se de frente pra parede como se pudesse olhar para ele. – Apenas deixe-me continuar a história, sim?

– Manda – ele suspirou. – Você é pior do que a Skye...

– Tá – ela sorriu. – Depois você me diz quem o quê é isso – Sammy ignorou a menção do nome da garota e seguiu com a história. – Bom, o cara derramou a vodca no meu vestido e quando eu me virei pra ele, o idiota se ofereceu pra limpar a bagunça.

– Oh...

Ward fez uma careta. Ele sabia que o cara estava ferrado, mas nesse caso, adoraria ouvir o que elas fizeram com ele.

– Eu lancei um olhar de assassina pra ele, mas o idiota ainda tentou tocar em mim. Esse foi provavelmente o pior erro dele naquela noite.

– O que a...

– Eu me virei e deixei a bebida sobre o balcão e quando voltei pra torcer a mão dele, o cara já estava caído no chão. A Hill se adiantou e deu uma rasteira no cara, ficando por cima dele.

Ward não se atrevia a falar mais nada. Existia um vazio vagando pela sua cabeça. Ele estava com os olhos arregalados imaginando a cena, talvez com raiva do cara que havia ido importunar sua irmã. Talvez com muita raiva dele mesmo. E talvez houvesse uma ponta de admiração e gratidão para com a mulher que havia cuidado dela enquanto ele estava ocupado sendo um babaca.

– E ela estava divinamente linda, era a parte mais engraçada da coisa! Os cabelos presos num rabo de cavalo ainda batiam nas costas e ela estava com uma blusa aveludada preta, tomara-que-caia e uma saia quadriculada vermelha com preto, sem contar as botas pretas até o joelho. Ela usava argolas enormes e um bracelete preto também. Ela dizia que era o “lado rock” dela falando. – ela soltou mais uma gargalhada, divertindo-se rios com aquilo.

– A Hill... Assim?!

Ward quase perdeu o fôlego por alguns segundos, tentando imaginar a cena. “Hill? O que fizeram com você?” Ele divagava e ao mesmo tempo se repreendia por estar pensando nela daquela maneira. Samantha ignorou mais uma vez a interrupção quase involuntária do irmão e continuava a história, rindo cada vez mais da situação.

– O cara nem teve tempo de perceber o que houve e ficou com uma cara de dúvida, ele já estava bêbado e depois daquela queda, estava mais desorientado do que você quando chegou aqui.

– Uau... A Hill fez mesmo isso?

– A Maria?! – ela perguntou, incrédula. – Você disse que a conhecia, Tartaruga Ninja! Essa é a Maria Hill, senhoras e senhores! Mas me deixa continuar!

– Continua, Sammy. – ele revirou os olhos.

– Aí ela segurou a cabeça dele e perguntou: “Você não quer derramar vodca em mim também não?” E o cara ficou sem entender se aquilo era uma ameaça ou uma cantada e tentou beijar ela – ela deitou-se no chão, rindo. – Eu só sei que ele passou o resto da noite desmaiado no chão do bar e nós saímos de lá. Era muito assédio para duas mulheres como nós.

– E quantos anos vocês tinham?

– Eu estava com 23 e a Maria tinha acabado de fazer 25.

– E ela era mesmo assim?

Ward ainda achava aquilo tudo muito difícil de acreditar.

– Comigo ela sempre foi assim. E você fala como se ela fosse um monstro, Grant! Olha... Eu sei, ela mudou um pouco...

– Um pouco?! – ele discordou. – Às vezes parece que você está falando de outra pessoa!

– Grant, Grant... Maria passou por maus bocados, antes de se tornar a Toda Poderosa Comandante da S.H.I.E.L.D. Sem contar aquela missão em Bahrein que destroçou a Melinda...

Ward parou de escutar a irmã no momento em que ouviu o nome da piloto. “Oh não. Isso não me parece nada bom... A Sam conhece a May também... Eu estou triplamente ferrado! A Hill me odeia desde sempre, a May me odeia mais do que nunca e até a Skye descobriu que sabe odiar alguém... Ficar em Asgard com a Sammy que ainda não me odeia, nem me parece tão ruim agora...”

– Grant? – Sammy terminou de falar e estranhou o silencio repentino do irmão. – Ainda está acordado?

– Tô – ele voltava a Terra lentamente. – Tudo bem... Eu só não conhecia esse lado da Hill. Na S.H.I.E.L.D ela foi sempre tão... Intocável. Quase arrogante.

– Ela é só a pessoa que resolve as coisas. Esse é o trabalho dela. Isso nos deixa um pouco ríspidos, às vezes. Precisava me ver trabalhando, eu sou pior do que ela! Levamos tudo sempre muito a sério, por isso temos ótimos cargos em grandes órgãos do governo norte americano.

– Bom, parabéns por isso. Você foi uma agente melhor do que eu.

– Não tenha dúvidas disso – ela concordou com uma dose de prepotência. – E eu ainda sou uma agente.

– Eu ainda tenho tanta coisa pra te contar – ele confessou num suspiro, com uma sinceridade incomum. – Aconteceu tanta coisa depois que eu fugi da prisão...

– Tudo ao seu tempo, querido – ela falou com cuidado. – Eu amo você. E o reencontrei depois de quase quinze anos... Não é agora que eu vou te abandonar. Ainda vou te espancar muito, disso não tenha dúvidas, mas isso não significa que eu vou deixar de te amar.

– Eu também te amo, Sammy – ele encostou sua testa na parede fria e sentiu a irmã repetir o gesto do outro lado. – Você a única coisa que me resta na vida.

– E eu não vou a lugar algum, Grantie. Eu vou estar com você até o fim.

(...)

Ela enxugou uma lágrima calada, em meio aos sorrisos. Era inevitável não chorar sabendo que sua pequena estava longe e em perigo. Era impossível para Maria vê-la apenas como uma mulher feita, responsável, competente e independente. Mesmo que ela conhecesse muito bem a sua irmã, seu coração ainda a via como aquela garota assustada que chegara à sua casa com o rostinho vermelho e os loiros cabelos bagunçados pelo vento da estrada. Samantha Hill sempre seria a sua pequena Sam.

– E então ela colocou as duas mãos na cintura e olhou brava para o garoto de cima a baixo. Estávamos no meio da colheita e ela usava um macacão jeans florido, enquanto segurava uma cesta cheia de aspargos. Ela simplesmente soltou a cesta e deu alguns passos na direção dele, perguntando por que raios ele havia voltado lá em casa, já que ele mesmo havia terminado o namoro comigo.

– Nossa – Triplett sorriu e tomou mais um gole de café, enquanto Hill mostrava a ele uma foto da Samantha que havia em sua gaveta.

– Aqui – ela colocou a foto sobre a mesa, em frente a ele. – Foi nesse dia.

– Ela é uma garota muito especial, não é?

– Sim, agente Triplett. Confesso que não queria deixar que essa missão se tornasse sobre ela e continua sendo sobre possíveis ameaças globais. Mas – Hill pegou a foto mais uma vez e a usou para cobrir o rosto que ameaçava um novo choro. – Ela é a única família que eu tenho. Depois que o papai se foi, ela e Melinda foram as únicas pessoas em quem eu confiei. Então... É estranho – ela respirou fundo e guardou a foto novamente. – Há algumas semanas nós almoçamos juntas... Não tem nem duas semanas que eu falei com ela no telefone e... Saber que ela foi levada para outro mundo...

– Vai dar tudo certo, comandante. – ele falou, encostando as costas na cadeira novamente. – Temos uma boa equipe, bons recursos e pelo que me contou, ela é uma agente experiente e pode conseguir uma maneira de sobreviver até que a encontremos. Ela vai ficar bem.

– Okay – ela respirou fundo novamente e enxugou o rosto que ainda estava úmido. – Aqui estão as suas primeiras tarefas na unidade E.A.R.T.H. – ela entregou uma espécie de tablet para ele. – Algumas supostas rotas, fundamentadas em pesquisas anteriores dos doutores Selvig e Foster e baseadas no cálculo de espaço/tempo. Eles tem maiores detalhamentos sobre isso, que definitivamente não é a minha área.

– Certo, estarei acompanhando a equipe responsável, Comandante.

– É um prazer tê-lo aqui, agente Triplett. – ela sorriu e acenou com a cabeça.

– Igualmente, comandante Hill. Farei o meu melhor para o bom andamento da missão.

– Tenho certeza que sim.

– Com licença.

Ele desapareceu porta afora e Hill voltou para o seu gabinete, procurando alguma base que pudesse disfarçar aquela cara de choro. Olhou a foto mais uma vez e lembrou-se de algo que remotamente poderia ajuda-la a encontrar sua irmã. Era uma possibilidade quase nula, mas se houvesse algo que ela poderia tentar, ela com certeza o faria.

– Sammy... Por favor, me diga onde você está. – ela desejou quase num sussurro, apoiando os cotovelos na mesa e escondendo o rosto entre as mãos.

(...)

– Agente May? – A voz de Triplett a trazia de volta a realidade.

– A-agente Triplett – ela respondeu surpresa e ofegante, mesmo que o nome do agente tivesse piscado na tela antes dela atender. – Algum problema?

– Agente May – ele se interrompeu, estranhando o tom de voz dela por algum motivo. – Você está bem?

– S-sim, claro – ela estava nitidamente embaraçada. – Estou ótima – ela falou, um tanto convincente. – Já chegou à nova unidade? O Helitransporte da E.A.R.T.H. é enorme, não?

– Sim, agente May – ele resolveu ignorar o fato de que ela estava muito falante e seguir com o assunto. – Acabei de sair do escritório da comandante Hill.

– E como ela está?

– Ela está precisando de alguém que a conheça bem, agente May – ele deu uma pausa, voltando a falar logo em seguida. – Desculpe-me o intrometimento, eu acredito que ela saiba muito bem se virar sozinha e manter suas emoções controladas, mas... Ela precisa de você.