Eu era diferente. Sempre soube que era.

Por milhares de anos, o homem passou por transformações em seu DNA. Mutações, adaptações ao frio e ao calor. Evolução. Sempre me intrigou o modo como o ser humano foi capaz de se adequar ao ambiente e como ele conseguiu se desenvolver ao ponto de chegar à deficiência intelectual de hoje. Dominação. Bleh! Por que os governos só pensam nisso? Disputa por poder, território, demonstrações de poderio bélico. Isso é realmente muito atrasado para a atual fase da humanidade. Mas isso está perto de mudar. Muito em breve, acordaremos do sono a que fomos submetidos. Um sono que tem sua data marcada para acabar. E acordaremos diferentes. Melhores. Evoluídos. Mostraremos ao mundo o que somos de verdade. Mostraremos que somos especiais. Que não somos os loucos.

E bom... Quando a hora chegar, nada poderá nos impedir de ser quem somos.

* Hunan, China, 25 anos atrás.

– Graças a Deus você voltou – ele passou a mão trêmula nos cabelos úmidos – Já estava começando a me perguntar se alguma coisa ruim havia acontecido...

– Não pense essas coisas – a mulher respondeu, sua voz carregada de sotaque. – Ele não pode mais nos atacar, você sabe disso há anos.

– Eu sei – Calvin respondeu cansado. – Mas agora temos ela. – ele aconchegou mais ainda a pequena bebê que tinha amparada em seus braços. – Desde que ela nasceu, eu tenho esses pesadelos. Eles invadem nossa vila e a tomam de nós.

– Werner Reinhardt está sob custódia. – ela respondeu suavemente, enquanto tomava a filha delicadamente dos braços do marido. – A boa comandante nos assegurou que ele passaria o resto de seus dias enterrado naquela prisão subterrânea.

– Eu sei, querida. Eu sei. – ele suspirou, levantando-se do chão e seguindo a esposa até o berço. – Não consigo evitar. Homens como ele, não se contentam. Não se fartam. São alimentados pela obsessão. Vocês duas são a minha vida.

Ela sorriu. Chen apenas o olhava, o amor transbordando em seus olhos. Passara boa parte da vida ouvindo histórias sobre anjos azuis e mitos sobre uma raça muito mais antiga do que se pudesse contar. Ouvira de seus pais, que por sua vez ouviram dos seus e assim por diante. Sabia que dentro de si existia algo que a fazia diferente da maioria das pessoas. O tempo. O tempo não passava para ela da mesma forma. Dez anos; dez horas. Seu corpo não se sentia ameaçado pela fartura de dias. Não sentia as pernas fraquejarem pelo cansaço da idade, seus olhos não haviam perdido o brilho. Não existia rixa entre ela e o espelho. Acordava todos os dias, praticamente do mesmo jeito. Isso era algo ambicioso. Ela sabia disso. E Calvin também.

– Nada acontecerá conosco, Cal. – ela pôs a bebê sobre um emaranhado de lençóis que forravam o berço e dirigiu-se ao marido, tocando-lhe o rosto com ambas as mãos. – Daisy é o nosso presente. E ela estará sã e salva. Não importa o que aconteça. Ela sobreviverá a qualquer coisa... Até o dia em que ela receberá os seus dons.

– Você fala com uma fé que eu nunca poderei ter.

Calvin abaixou a cabeça, mas Chen levantou seu rosto novamente.

– Como pode ter tanta certeza? – ele continuou. – Fala como se soubesse o que está para acontecer.

– Eu... Não sei, querido. – ela deixou seu olhar se perder novamente no berço, observando a pequena que dormia tranquilamente. – Eu só sinto isso.

– Ela é linda, não é? – ele disse, abraçando a esposa por trás, enquanto ambos assistiam a pequena Daisy dormir. – Poderia passar a noite toda olhando para ela.

– Sim. – Chen suspirou, com lágrimas nos olhos. – Nossa pequena Daisy.

– Obrigada, Chen. – ele virou a mulher para si e a encarou, enquanto alisava seus cabelos negros. – Por me dar o melhor presente do mundo.

– Vocês são os meus presentes. – A mulher respondeu emocionada, as lágrimas já rolavam pelo seu rosto. – Eu nunca amei ninguém como eu te amo, Cal.

– Eu amo você, Chen. Mais do que a mim mesmo. Eu prometo, meu amor – ele a segurou pelos ombros delicadamente, afastando-se um pouco dela, com os olhos marejados. – Eu viverei por vocês duas. Eu não preciso de mais nada na minha vida. Eu... Eu estou completo.

E então, ele a beijou, sem imaginar que aquela seria a última vez.

(...)

– Mas nem morto eu entro nesse quinjet com você!

Fitz tentava argumentar enquanto Skye tinha as duas mãos repousadas sobre a cintura e uma expressão nada agradável.

– Nossa! – ela estava incrédula. – Que consideração, pessoal!

– Skye, nós queremos ir – Jemma retrucava, sendo nitidamente censurada pelo olhar de Fitz. – Mas você nunca pilotou antes...

– E aquelas duas vezes que eu fui a co-piloto da May? Não conta?

– Aquilo foi diferente – Fitz quase gaguejou de medo. – A única coisa que você fez foi ficar sentada perto dela, olhando as nuvens. Isso não conta como pilotar. Além disso, o que faremos se formos atacados pelo meio do caminho?

– Você conhece aquele quinjet mais do que qualquer outro, Fitz! – Skye rebateu, séria. – Sabe dos comandos automáticos. Você tem a física e eu tenho os músculos. – ela deu um tapa nas costas dele. – Por favor. Preciso de vocês para chegar até a base E.A.R.T.H.

– Tá bom! – ele esbravejou e Simmons deu um sorrisinho para Skye. – Mas se nós três morrermos, você assume a culpa!

– Pode deixar, capitão!

Skye o abraçou, animada e o viu sumir pelo corredor, em direção à garagem.

– Coulson quer falar com você – ela se dirigiu à Simmons. – Com certeza vai te mandar ficar de olho em mim.

– Como se eu já não fizesse isso o tempo todo. – ela respondeu virando os olhos com um meio sorriso.

– Obrigada, Jemma – Skye segurou o braço dela antes que a cientista deixasse a sala. – Por tudo.

– Sabe que não precisa agradecer.

– Eu sei. – ela sorriu. – Mas eu quero.

– De nada.

Simmons sorriu e foi até o escritório de Coulson, antes de preparar suas coisas. Fitz já estava na garagem e alguns minutos depois, Skye se juntava a ele. Ambos estudavam alguns possíveis imprevistos que poderiam acontecer durante o voo, traçando soluções alternativas. May havia sido informada de que Skye estava indo para a base. Pilotando.

– Ela vai o quê?!

A voz de May pareceu alterada pelo telefone.

– É isso mesmo que ouviu. – Coulson detalhava. – Simmons acabou de sair da minha sala, eles partirão para a base E.A.R.T.H. em alguns minutos.

– E Skye disse que podia pilotar?

– Sim. Ela falou que se saiu bem nos treinamentos que fez com você.

– Bem... Isso não é mentira, mas... – A asiática percorreu a sala com os olhos, procurando por Alan. – Isso foi completamente teórico, salvo alguns exercícios com os simuladores, o que devo dizer, foram ótimos. Mas mesmo assim... Não me sinto a vontade sabendo que Skye e Fitz-Simmons estão em um avião sozinhos.

– É um quinjet.

– Dá no mesmo, Phil. Ambos são pesados e estão há mais de trinta mil pés de altitude.

– Skye pode fazer isso.

– Eu sei que ela pode – May encontrou o garoto desenhando super heróis, sentado sobre a mesa de Hill. – Mas isso não impede que eu não me preocupe.

– Acho lindo o jeito que cuida dela.

– Você me conhece, Phil. – ela suspirou. – Avisarei aos agentes para se prepararem para recebê-los, em algumas horas.

– Obrigada, Melinda. – Coulson ficou em silêncio por alguns segundos. – Como está o garoto?

– No momento, ele está desenhando a armadura do Tony. Ele encontrou uma pilha de papéis na mesa da Hill, já gastou meia resma com desenhos dos vingadores.

– Isso soa como a Hill.

– Foi a primeira coisa que pensei quando vi. – ela deu um sorriso triste. – Ela vivia exibindo seus desenhos lá na academia. E eram bons mesmo.

– Nós vamos encontra-la, May. – Coulson prometeu, sabendo como ela deveria estar naquele momento. – Segure as pontas por aí.

– Pode deixar. Tenha cuidado, Coulson.

– Eu terei. Prometo.

Ela desligou o telefone e olhou o garoto por alguns segundos. Loki era mesmo um desgraçado por fazer aquilo. Tudo que ela mais queria no momento era poder apertar o pescoço dele até que ele implorasse pela vida.

– Vamos descobrir o que você quer, desgraçado. – ela jurou silenciosamente. – Seja lá o que raios você está planejando. Isso não vai acabar bem pra você.

(...)

Os corredores escuros eram dominados por um gotejar agoniante. Sangue e água, talvez. O Doutor não costumava manter sempre a compostura, e quando saía do controle, o resultado era simplesmente devastador. A força e a ira habitavam em seus braços e sua mente parecia paralisada em algum evento do passado. Seus olhos transpareciam o nada, mas na verdade, era muito mais lúcido do que o julgavam seus pacientes.

– Ora, ora, ora – ele limpava as mãos com um pano encardido, enquanto puxava duas cadeiras do “consultório”. – A que devo a honra, Raina? E quem são seus amigos? – ele perguntava num misto de curiosidade e ambição.

– Estes são Ian Quinn, daquela empresa rica e este é...

– Permita-me que eu me apresente. – o homem tirou sua capa e estendeu seu cetro que brilhou como uma joia azulada resplandecente no meio daquela escuridão úmida. – Eu sou Loki, de Asgard. Filho de Odin. Vim de muito longe para que pudéssemos negociar e sua cooperação seria muito apreciada por Asgard.

– O que querem comigo? E como pretendem pagar por isso?

– É simples, Cal. – Raina tirou uma foto do bolso e entrou a ele. – Encontramos sua filha.

O homem se apossou da foto e a segurou, seus dedos ainda estavam sujos de sangue. Ele observava cada traço da garota. Aqueles olhos, o cabelo... Ele podia ver sua falecida mulher naquele rosto fino e delicado. Não pôde segurar por muito tempo.

– O que querem em troca dela? – ele levantou-se subitamente, caminhando em direção aos três.

– Uou, uou! Calminha aí, doutor. Não falamos nada ainda. – Quinn apressou-se em falar. – Queremos que nos ajude a fazer fortuna.

– Você já é rico demais.

– O que nosso amigo quis dizer, é – Raina cortou, percebendo quão limitada era a mente de seu parceiro. – Você sabe algo que realmente nos interessa. Um caminho, mais precisamente.

– Seja mais específica! – Cal pediu, sem muita paciência.

– Antes de Garrett desaparecer... Ele me mostrou algo. Ele recebeu uma visão. E eu estou nela, Doutor.

– Que visão?

– De um mundo novo. – Raina pronunciou pausadamente. – E você sabe disso. Sua esposa Xiao Chen sabia disso, não?

– Não toque no nome dela! – ele se enfureceu.

– Calminha, Cal. Só quero retribuir o que você fez por mim. Você me encontrou. E agora estou dando a chance de você reencontrar sua filha.

– Vou perguntar uma última vez antes de perder completamente a paciência. O que você quer?

– Nós sabemos sobre o Artefato – Loki falou dessa vez. – Aquele que apenas alguns tem o direito de tocar. Não sei como o chamam aqui, mas aquilo é a chave para um outro Reino.

– Eu sei – Cal respondeu sem muita animação. – Um lugar para pessoas como minha mulher e filha.

– Attilan. – Loki continuou. – Este é exatamente o lugar.

– E você não pode entrar lá. – Cal concluiu. – Você não é digno, não é mesmo?

– Não. – Loki confirmou. – Eu venho de outra linhagem. Nem mesmo meu poder poderia burlar o código que dá acesso à cidade.

– Então você não pode tocar no Divinador.

– Não.

– Mas Raina pode. – Cal completou.

– Exatamente. – a mulher do vestido florido sorriu para os demais. – Diga-me como conseguir o artefato e eu farei uma visitinha ao meu verdadeiro lar. Preciso de algo que está lá para cumprir um acordo que fiz com este cavalheiro. – ela apontou para Loki, que sorriu cinicamente. – E quando o Divinador estiver sobre o meu domínio... Trarei sua filha para testemunhar esse momento glorioso. Quem sabe nós possamos até ir juntas para Attilan.

– E eu conhecerei minha filha.

– Isso mesmo. E todo mundo sai ganhando. – Ian Quinn completou.

– Bem... Onde eu assino?