A Ordem Das Sombras

Lembranças e Mistérios.


Havíamos descido para o hall do castelo e caminhávamos em sua longa extensão enquanto Mono me revelava mais algumas de suas visões.

– Nesses três dias que estive aqui depois que acordei, tive algumas visões. Umas embaçadas e outras mais nítidas. As nítidas foram as que consegui te falar, sobre seu irmão e sobre eu ser profeta. Mas as embaçadas...

– O quem tem elas? - indaguei curiosa.

– Elas... costumam me atormentar até mesmo em sonhos, e o pior é que não consigo identificar o que vejo nelas, só sei que me assustam, bastante...

– Nossa... mas tipo, você vê borrões em preto, cores, seres estranhos, sei lá?

– Vejo borrões meio monocromáticos, mas com tons de marrom também, porém, a maior parte do que vejo são borrões negros, mas não é só isso. Eu escuto sons também, sons muito estranhos, como se fossem rugidos em diferentes timbres, timbres que até chegam a se assemelharem com som de pássaros. Mas esses sons não são sons naturais, quero dizer, pacíficos. Parecem gritos de dor, de fúria, de aflição... não sei explicar.

A encarei de olhos bem abertos, assustada.

– Nossa... quase na mosca - refleti - Mas tipo, rugidos? Sons de pássaros? Esses borrões são mesmo criaturas, sei lá?

– Bem...é mais ou menos isso. São criaturas, sempre uma distinta das outras. No primeiro dia que despertei tive essas visões e sonhos com elas, mas eram mais embaçadas que agora. É como que se com o passar dos dias fossem ficando mais claras... mais decifráveis.

– Ainda bem, né? Pelo menos assim você vai entender melhor e talvez essa aflição passe.

Ela sorriu ainda meio temerosa, porém com um pouco de esperança.

– Sim.

Sorri em troca.

Havíamos chegado a mesa de pedra, mas agora, o que vinha depois dela, o exterior do castelo, estava bem visível devido à luz do dia, e quando o vi, meu queixo caiu.

– Nossa...! - caminhei ainda do mesmo modo até a extremidade daquele andar, que dava para um laguinho no próprio piso e duas escadarias nas laterais - Que lugar enorme! Sensação de liberdade aqui é infinita, e olha que só cheguei até esse ponto até agora.

Mono riu meiga e assim como eu, fitou o horizonte.

– Sim. Esse lugar é realmente imenso. Na verdade... chega até a assustar...

– Hm? - virei-me para ela - Sério? Cê tem medo daqui?

– Sim... mas é até esperado. Até um dia atrás eu achava que estava sozinha nesse lugar com um bebê e um cavalo.

– E um cervo. - completei.

– É... e um cervo. - ela riu meiga - Mas então, na verdade, é bastante aliviante saber que não sou a única ser humana aqui.

– Ah - ri de seu jeito de falar - Mas ué, como sabe que não tem mais pessoas por aqui? Até onde você andou por essas redondezas?

– O máximo que cheguei foi ali - ela apontou para uma construção em ruínas logo à nossa frente - Ali e tudo que se estende com esse raio de distância.

– Ah, entendi - observei o lugar por mais alguns segundos, em seguida voltei-me para ela novamente - Mas então, se você só foi até ali, como sabe que está sozinha? Outra visão?

Ela bufou risonha.

– Não - caminhou até mim - Mas pense comigo, estamos em uma fortaleza proibida certo? Na verdade, nem sei se posso chamar isso aqui de fortaleza, ta mais para um outro mundo mesmo. Mas então, se estamos nas Terras Proibidas, um lugar amaldiçoado como percebemos que é, porque teriam mais pessoas aqui? Quero dizer, se tivessem, não acha que teriam pelo menos alguma nessa castelo? Que pelo pouco que conheço e tive visões sobre ele, aqui é como uma...referência de mapa, digamos assim.

– Hm - refleti sobre aquilo - Bem, até que você pode ter razão, mas... ainda não vou considerar isso cem por cento verdade até conhecer o máximo possível daqui. - uma pausa - Então, quando partimos?

– Hm? Partimos?

– É. Partimos. - mantinha um sorriso ansioso no rosto.

– Partimos pra onde?

– Pra onde mais seria? Vasculhar essas terras ué.

Quando disse isso, percebi que ela pareceu se intimidar a algo. Inclinei o rosto e pus as mãos na cintura enquanto avaliava sua expressão.

– Ah, qual é? Não vai me dizer que ta com medo?

– Er...bem... - ela desviou o olhar para algum ponto no chão, encurvando as sobrancelhas, confirmando minha pergunta, indiretamente.

Sem saber ao certo por que, senti dó dela.

– Ow, Mono - dei um passo mais para perto dela e pus a mão em seu ombro - Vamos lá, não precisa ter medo. É só vasculhar um pouco. Ta? - assumi um sorriso encorajador.

Ela me fitou nos olhos com o mesmo olhar, mas depois de algum tempo, acabou concordando.

– Ta... tudo bem. Você tem razão. - sorriu levemente mais confiante.

– Eba! - comemorei - Mas então, vamos sim, mas só depois de... - pausa.

– De...?

Escutei meu estomago roncar alto e rapidamente abracei a barriga, caindo de joelhos aos pés de Mono e cerrando os olhos.

– Depois de comer. To com muita fome! Faz um bom tempo que esse pobre coitado do meu estomago aqui não digere nada.

– Ah - Mono riu - Imagino - ela se agachou um pouco e estendeu a mão para me ajudar a levantar - Vem, se levanta. Vamos comer algo - disse meiga.

– Ta bem - meu estomago ainda protestava - O que você costuma comer aqui? É bom?

– Vamos subir e dai você tira suas próprias conclusões - disse ela convidativa, em seguida tomou o caminho de volta ao jardim.

– O.k - sorri e a segui.

Quando voltamos para o jardim, encontramos Wander já dormindo em uma espécie de cama improvisada feita de folhagens por Mono. Embora chifres enfeitassem sua cabeça, ele parecia um anjinho dormindo. Agro estava deitada ao seu lado, tomando conta dele.

– Até que a Agro tem um bom papel materno aqui, não é? - indaguei risonha.

– Hm... bem, entenda como quiser. Mas ainda a vejo mais como uma companheira inseparável dele. - Mono também assumia um leve tom risonho enquanto caminhava a um montinho de frutas depositados ao lado de uma coluna.

Ri.

– Tudo bem, se você diz - comecei a avaliar melhor o lugar, até que uma árvore baixa me chamou a atenção. Uma fruta esteticamente saborosa me foi muito convidativa - Olha lá! Que fruta bonita, vou pegar!

Acelerei o passo e quando cheguei à árvore dei um salto alto o suficiente para arrancar a fruta de seu galho.

– Hm? - indagou Mono, voltando-se para mim para certificar-se do que eu estava falando. Porém, quando viu que eu estava a centímetros de dar uma mordida na fruta, ela gritou - Não! - e para meu espanto, saltou contra mim e arrancou a fruta de minhas mãos.

– Hã? O que foi isso? - assustei-me.

– Você não pode comer essa fruta - ela atirou a fruta no chão com força e depois pisou em cima dela, a deixando completamente esmagada.

– Ah!! Por quê?! Por que você fez isso?! - indaguei agitada, fitando a fruta esmagada sob o pé de Mono, sentindo uma tristeza pelo desperdício de sua cara saborosa.

– Você não pode comer as frutas desse jardim.

– Por que não?!

– Elas são venenosas. Se não quiser passar mal ou até morrer por culpa delas, te sugiro não tentar isso outra vez.

Ao escutar isso, calei-me assumindo um biquinho surpreso e assustado.

– Si-sim, mestre.

Ela me fitou por um tempo, em seguida deu uma risadinha.

– Tudo bem, não tem porque se assustar. Foi só um aviso. - ela sorriu e então caminhou até o montinho de frutas novamente.

– Ah...ta... - fui virando-me para ela lentamente.

Após pegar uma das frutas do monte, ela me trouxe e me entregou.

– Tome, essa dai pode comer.

– Hã? - avaliei a fruta em minhas mãos com uma sobrancelha erguida - Ué? Essa fruta é idêntica a que você esmagou.

– Eu sei - disse simplesmente.

– E por que posso comer ela e a outra não?

– Porque essa que está em suas mãos foram retiradas de outra árvore. Árvore que não está nesse jardim.

– Hã?

Ela olhou em volta.

– Esse jardim... tem algum tipo de segredo que não posso explicar, porque ainda não descobri, mas, se você provar alguma fruta daqui, ela irá te fazer mal e pode até te matar.

Engoli em seco.

– E como você sabe de tudo isso?

– Vi um lagarto provar dessa fruta e logo depois morrer.

Arregalei um pouco os olhos.

– Sério? E como pode saber se todas as frutas daqui são assim? Talvez tenha sido só aquela...

– Você não vai querer arriscar, não é? - seu olhar agora era intimidador.

– Ah, er...não, claro que não. - disse por impulso.

– Hm, ótimo. - um sorriso de canto formou-se em seu rosto, era como se estivesse achando graça de algo - Mas vamos, coma logo, você realmente deve estar faminta.

– Ta... tudo bem. - e então, ainda receosa, dei uma mordida na fruta.

Algum tempo mais tarde, eu e Mono já havíamos nos saciado de frutas. Agro também havia pastado um pouco por ali, assim como o cervo. Wander era o único que ainda não havia comido nada, porque ainda estava dormindo.

– Ei, o que Wander tem comido nesses dias? - indaguei sonolenta, encostada em uma das colunas com as pernas esticadas no chão.

– Frutas também - respondeu Mono, enquanto descansava de corpo todo estirado no chão, usando umas folhagens, semelhantes as da cama de Wander, como travesseiro.

– Mas... bebê precisa de leite, não de frutas.

– É um caso de necessidade - ela também estava sonolenta, respondia de olhos fechados.

Então minha ficha caiu, despertando-me um pouco mais.

– Mas espera, frutas podem fazer mal pra um bebê, e não quero que ele passe mal por falta de leite - uma pausa reflexiva - Ele pode morrer!

Mono abriu uma fresta dos olhos e virou o rosto para mim.

– Ele não vai morrer, não precisa se preocupar.

– Claro que me preocupo! Ele é um bebê, o corpinho dele é muito frágil até pra certos alimentos.

– Eu sei, mas... olhe para ele agora, ele não é um bebê comum.

– Mas... - olhei para ele, que ainda dormia. Em seguida, olhei para ela de novo - Mas mesmo assim.

– Não tem outra coisa pra ele, Éven.

– Será que nessas terras não tem vacas? Tipo, uma vaquinha?

Ela abriu mais os olhos e me fitou meio incrédula.

– Você está falando sério?

– Claro que sim! - ergui-me de supetão - Estou falando muito sério. Vim aqui justamente pra ver se achava meu irmão são e salvo, e o achei... - pausa de reflexão - se bem que... não do jeito que eu esperava... - outra pausa - mas enfim, espero levar ele de volta ainda são e salvo. Tenho que achar algo mais agradável para o estômago dele por aqui - pus as mãos nas cintura e pensei, decidida - É isso ai. Vamos caçar vacas! - ergui o braço exibindo o punho fechado e então voltei-me para Agro, que estava deitada próximo a nós - Vamos, Agro, vou precisar de você.

Agro levantou-se obediente.

– O que...? Você vai assim? Agora? - Mono ergueu parte do seu corpo enquanto me fitava.

– Claro que sim, ué - disse, já subindo em Agro.

– Espera - ela se levantou completamente e caminhou até nós - Você não pode ir com ela. A pata traseira está machucada.

– Hã? - inclinei o corpo para o lado para observar a pata - Ai - desci dela instantaneamente e agachei-me ao lado de sua pata ferida - Não brinca - disse, desapontada por não poder cavalgar nela e triste por ela estar machucada.

– Infelizmente. E eu já tinha te avisado isso.

Acariciei a pata dela.

– Você disse que ela havia subido as escadas com a pata machucada, mas não sabia que era um machucado forte, porque ela estava tão bem quando a vi.

– Ela pode não tê-la quebrado, mas... ainda está ferida. É melhor não forçá-la. - Mono agachou-se ao meu lado e avaliou a pata de Agro também.

– Sim, você tem razão - acariciei a pata mais um pouco e então ergui-me - Mas tudo bem, não vou usá-la. Na verdade tenho até que cuidar dela.

– Sim - ela se ergueu.

– Mas isso não me impede de ir caçar mamíferos saudáveis por ai. Vou assim mesmo.

– A pé?

– Exato.

– Mas esse lugar é imenso, Éven!

– Mono - virei-me para ela e pude ver que seus olhos esbanjavam medo. Sorri - Eu sei que esse lugar te assusta, sei que... deve ter coisas por aqui que não façam parte de uma dimensão normal, coisas perigosas... - pus as mãos em seus ombros - Mas não precisa ter medo por mim, tá? Sou acostumada a me meter em cantos nada haver e perigosos, mas para mim é questão de sobrevivência, e nesse caso - olhei para Wander - Questão de cuidado.

Ela me escutou ainda temerosa, em seguida olhou para Wander também.

– Eu sei... - disse ela ainda do mesmo jeito, em seguida olhou para mim novamente.

– Então - sorri encorajadora - Não se preocupa, ta ? Vou da uma olhada aqui por perto. Quando a pata da Agro estiver melhor, a gente expande a curiosidade, ta?

Ainda incerta da minha decisão, ela olhou baixo e refletiu um pouco. Inclinei o rosto e a olhei, esperando por uma resposta.

– Então...?

Ela ergueu a cabeça.

– Então eu vou com você.

– Er...mesmo? Tipo, certeza...?

– Sim. Justamente por sentir um medo anormal desse lugar, não posso deixar você ir só. Vou com você. - disse decidida.

Surpreendi-me, mas sorri contente.

– O.k. Então vamos nessa. - ao dizer isso, comecei a caminhar em direção à saída do jardim.

– Agro - disse ela, acariciando Agro do rosto - Cuide do Wander um pouco, ta? Já voltamos.

Agro fez um som com a garganta como se estivesse dizendo que sim e sacudiu a cabeça. Mono sorriu e então me seguiu.

Quando saímos do castelo e começamos a caminhar por ali, uma brisa fresca passou por nós. Alguns pássaros voavam no céu claro enquanto davam gritos de liberdade.

– Hm - fechei o olhos e senti a brisa passar por mim com refrescância - Não sei como você consegue ter medo daqui, olha só o tamanho desse lugar, a brisa, os animais, as paisagens. Aqui é realmente muito lindo.

– Bem... isso não posso negar mas... não sei como explicar, mas tem alguma coisa aqui que me assusta muito.

Olhei para ela e aquele olhar receoso destacava-se em seu rosto outra vez. Não sabia o que dizer para encorajá-la de verdade. Olhei em volta e então, tive uma ideia.

– Ei, Mono, foi ali que você foi na última vez, não é? - apontei para a construção em ruínas à nossa frente.

– Uhum.

– Então, você subiu lá em cima?

– Não. Não sei como se escala isso, está tudo quebrado.

– Ah... mas, você tem medo de lá também?

– Er... bem... sim.

– Okay! Vamos fazer assim - parei em frente à ela, fazendo-a parar também - Eu vou escalar aquele negócio e ver o que há lá em cima. Se tiver algo de muito assustador ou sombrio eu te aviso e a gente nunca mais volta lá. Certo? Mas tenho certeza que não terá nada, aqui é tão solitário.

– O quê? Você vai subir?! Não, por favor, não faça isso. - ela agitou-se temerosa.

– Ué, por que não? Se existe algo de anormal aqui, uma de nós duas tem que descobrir justamente para evitarmos, né? E já que com certeza não é você que vai subir, eu vou.

– Não, por favor, é sério! Sinto uma presença muito forte vindo lá de cima. Por favor, não suba!

– Bem... - assumi um sorriso desafiador - Não vou subir se...

Ela me olhava receosa à qualquer resposta.

– Se você me pegar primeiro! - dizendo isso, sai correndo em direção à construção em ruínas logo mais à nossa frente.

– Hã? Quê? Espera, não faz isso! - ela gritou e correu atrás de mim, mas seus passos delicados não me acalcavam.

Ria enquanto corria.

– Só se você me pegar! Ha! - continuei correndo.

Algum tempo depois cheguei à construção e antes mesmo que ela me alcançasse, rapidamente saltei sobre uns musgo grudado à parede mais baixa e comecei a escalar por ele. Quando Mono me alcançou, eu a esperava já em cima da primeira parte do muro.

– Olha, você não me pegou, então eu venci.

– Por favor, Éven. Desce daí! - ela ainda insistia, enquanto ofegava depois da corrida.

– Ham ham. Agora, vou subir e te provar que não tem nada lá em cima, tá? - sem esperar por uma resposta, dei uma piscadela e comecei a escalar o resto.

– Não, Éven. Éven!

Porém eu não a obedeci.

Depois de saltar alguns pontos falhos, subir outras lacunas e rolar por debaixo de outra, finalmente cheguei ao topo. Na beirada do lugar, algumas árvore mortas destacavam aquele lugar rochoso e morto. Comecei a me infiltrar mais naquele espaço.

– Éven! - Mono tentou mais uma vez.

– Calma, já vou! - e então segui.

Aquele lugar poderia até ser considerado uma arena. Pois ele era rodeado de rochas gigantes formando-lhe uma parede e mais à frente havia o que me parecia um pedaço de um templo, como se fosse sua entrada, mas não era aquilo que mais me chamou a atenção.

No centro daquele arena, se encontrava uma pequena colina de rocha, era o que mais me parecia. Caminhei curiosa até o lugar, em passos calmos e bastante atenciosa, pois Mono disse que sente uma presença muito forte naquele lugar, e já que ela é profeta, eu acreditava nela. Então, sempre olhando ao meu redor, cheguei até a pequena coluna de rocha, e ao fazer isso, tive uma surpresa.

A colina, na verdade, não era bem uma. Mais de perto pude ver que aquela rocha toda formava uma figura, uma figura gigantesca. Dei a volta na mesma e pude observar detalhes que ao mesmo tempo que me pareciam curiosos, me assustavam. Aquilo tinha forma de pernas, braços, cabeça e até detalhes dos olhos e de uma possível armadura.

– Nossa... - disse me aproximando mais - O que é isso?

Pássaros começaram a gritar em cima de mim, olhei para cima e eles voavam em bando fazendo círculos no céu. Uma brisa voltou a soprar e meus cabelos e roupas se envolveram com ela. Mas naquele momento, que olhei para cima, que me senti um nada em meio aquele lugar imenso, imaginei por um segundo alguma criatura daquele porte rondar por ali sempre só e sombriamente. Nessa hora, um calafrio subiu pelas minhas costas eriçando os pelos da minha nuca e braços. Voltei a olhar a pedra, que na verdade, em alguns pontos também se formavam plantas. E me perguntava:

– Será... que o medo que a Mono sente daqui, tem alguma coisa a ver com você?

Sabendo que não obteria respostas, apenas fitei melhor aquela rocha na região em que parecia ser uma cabeça e observei melhor uma coisa. Podia ser coisa da minha imaginação, mas aquela coisa a qual eu estava encarando, tinha uma feição de urso. Mas não era um urso normal, era um urso... maléfico. Engoli em seco ao me dar conta daquilo, mas mesmo assim não hesitei e então, estiquei a mão para tocar aquela rocha moldada.

– Será que sua textura é de rocha mesmo?

Curiosa, toquei a pedra e no mesmo instante, uma forte onda de imagens confusas tomou conta do meu campo de visão. Meus olhos manteram-se arregalados enquanto um filme confuso, bizarro e colossal se passava diante dos meus olhos. Foi como um choque de imagens. Faixas negras se exibiam em ramificações que aos poucos iam engroçando e dava a impressão que aquele lugar estava se rasgando, dando acesso a um outro completamente negro em que as imagens mais nítidas iam se formando.

Era um monstro, um gigante. Ele tinha partes peludas de cor marrom e outras pareciam serem feitas com pedaços de construções, e que lhe supunha uma armadura. O monstro carregava uma espécie de machado em uma das imensas mãos que quase tocavam o chão e grunhia de forma assustadora. Ele se sacudia para todos os lados de uma forma não muito rápida, e quando parecia realmente estar enfurecido, seus pequenos olhos de cor azul assumiam uma alaranjada, como o brilho de chamas. O cenário então aos poucos foi tornando-se mais claro, e as partes pretas que antes rasgaram meu próprio campo, agora assumiam a forma dele mesmo, e de repente, vi o monstro colossal bem à minha frente, foi tão real que comecei a tremer de medo mesmo sem perceber.

Porém, as imagens se misturaram mais uma vez, e uma sequencia delas vinha de uma vez, me deixando completamente paralisada de medo. Meu coração acelerou, meu corpo todo suou e eu não podia fazer nada, por um momento, parecia que tinha perdido todos meus movimentos. Depois de tantas explosões de imagens, elas cessaram em uma só. Desta vez, a criatura colossal não tinha mais cor nos olhos, estavam negros, e seu corpo gigante estava caindo de joelhos, rachando todo o chão com o impacto. Em seguida todo seu tronco foi desabando, e o pior, bem em cima de mim.

– AHH!!! - gritei, caindo sentada quando vi aquele corpo gigante cair sobre o meu, cessando então toda a visão.

Quando tudo pareceu ter voltado ao normal, eu ainda me encontrava sentada e com o corpo absurdamente trêmulo. Soava frio e meu coração quase saia pela boca. À minha frente, a rocha moldada ainda se encontrava lá, fria, morta. Desesperada, levantei-me às pressas, mas quando vi que as características da rocha eram idênticas ao do gigante que havia visto não hesitei em sair dali. Rapidamente, corri ofegante até o muro para descê-lo o mais depressa possível, porém, ao chegar lá, estava tão abalada que acabei pisando em falso e tombando algumas colunas.

– Ahh!! - gritei com a queda enquanto algumas pedras rolavam junto comigo.

– Éven!! - Mono agora sim estava desesperada - Éven!! Você está bem??!!

Eu havia caído apenas nas primeiras colunas, mesmo assim, a queda não havia sido agradável. Ergui-me com pouco de dificuldade devido à algumas dores e olhei para baixo. Mono estava realmente assustada, e seu olhar, no momento, era mais de preocupação que de desespero. Porém, ao ver aquela feição, não queria preocupá-la mais do que ela já estava preocupada, então, tentei fingir que estava tudo bem. De pé novamente, desci o resto das colunas com mais cuidado e ao chegar no musgo novamente, saltei para baixo. Embora fosse fingir que estava tudo bem, queria sair o mais depressa possível dali.

Cheguei no chão e então caí ajoelhada. Mono rapidamente veio até mim e se agachou ao meu lado, pondo as mãos sobre meus ombros.

– Éven! Por favor, diga que você está bem!

Consegui simular uma risada relaxada, porém não tanto devido às dores.

– Calma, Mono, eu só escorreguei. Está vendo, estou bem?

– Você não bate bem da cabeça? Por que desceu correndo?! Você tem que prestar atenção quando for andar em lugares assim, principalmente aqui!!

Mesmo sem perceber, ela já estava gritando comigo. Mas reconsiderei por conhecer um pouco da sua personalidade.

– Calma, mamãe. Prometo que na próxima vou olhar onde piso - disse brincalhona, erguendo as mãos em defesa.

Ao perceber que já estava exagerando, Mono deu um estalo com a língua, meio desconcertada, e ergueu-se. Caminhou alguns passos e então parou de costas para mim, escondendo o rosto nas mãos.

Ergui-me também enquanto mantinha os olhos nela. Não parecia estar chorando, mas algo com certeza a estava abalando muito.

Pus a mão em um dos braços, pois estava dolorido e dei um passo.

– Do que você tem medo, Mono?

Ela não respondeu, apenas ergueu a cabeça e baixou as mãos. Dei mais um passo.

– Por que esse lugar te faz tão mal? É só pela presença ou... - dei uma pausa e inclinei a cabeça enquanto tentava estudar o que ela sentia - Ou... você tem medo de ficar aqui só?

Quando disse isso, ela pareceu se surpreender. Devagar foi virando-se para trás e ficando frente a frente comigo. Suas sobrancelhas curvadas e olhar entristecido davam a entender que eu estava certa.

– Então...?

– Bem... - sua voz agora estava mansa, porém, o timbre entristecido não era imperceptível - Eu...eu não sei...

– Hm? Como assim não sabe?

– Não sabendo... você agora falou isso e, de repente, é como se... - uma pausa para estabelecer as ideias, procurar as palavras - Se... realmente fosse isso o meu medo, porém... nunca havia parado pra pensar que realmente era isso...

Por algum motivo, até me senti surpresa com a sua resposta.

– Então... você tem medo que alguma coisa aconteça comigo e você acabe ficando aqui só... outra vez?

Em silêncio, ela mordeu o lábio inferior e acenou positivamente com a cabeça, de um forma até discreta.

Poderia considerar aquela reação bonitinha? Bem, acho que sim. Porém, não podia acostumá-la aquilo. Se temêssemos a tudo, nunca iríamos descobrir alguma forma de sair dali, então tive que agir de uma forma mais fria.

Sorri de canto.

– Não se preocupe, Mono - disse já passando por ela - Se eu morrer aqui saiba que você ainda vai ter o meu irmão. Você não vai estar sozinha.

– Não... não é isso, Éven...

– Hm? - parei e olhei para trás - É o que então?

Ela virou-se para mim mais uma vez.

– Não vou estar só, eu sei. Mas... não sei se consigo aguentar ficar presa nesse lugar amaldiçoado sem... - ela deu uma pausa.

Apenas a observei, esperando o resto da frase.

– Sem ao menos um amigo... Éven.

Pisquei surpresa. Mas no fundo, a entendia. Só de me imaginar "só" naquele lugar, apenas com um bebê e um cavalo - ah, claro, e o cervo - ainda mais depois do que presenciei há pouco tempo, realmente, era de assustar.

– Sabe, na verdade, até agradeci de você ter aparecido, e ainda por cima ser irmã do Wander, você vai saber cuidar dele melhor do que eu, eu... nunca cuidei de um bebê na minha vida. Talvez você tenha até razão sobre as frutas que dou pra ele, você com certeza sabe melhor do que eu o que um bebê deve comer, deve saber tratar muito bem eles, muito melhor que eu.

Quanto mais ela falava, mais conseguia sentir seu desespero.

– E... tem mais uma coisa, Éven - ela deu um passo à frente.

– O quê?

– Você tem uma coisa essencial pra nos tirar daqui.

– Mesmo? - me senti curiosa quanto a mim mesma - E o que é?

– Sua coragem. Eu sei que to tentando te evitar de fazer algumas coisas mas... você tem razão, precisamos vasculhar, precisamos sair daqui. Precisamos... de você.

Pisquei surpresa.

– Você é irmã do Wander, você deve ter aprendido muitas técnicas de combate com ele. A bravura, a coragem... não sei, mas sinto que você pode nos tirar daqui, Éven. É por isso que... por isso que quero que tenha cuidado, quero que viva, viva! Não só por você poder nos tirar daqui mas... - uma pausa - Não quero ficar só, realmente não quero... não quero! - ela pareceu-se agitar-se em medo, percebi até que estava segurando algumas lágrimas.

Curvei as sobrancelhas, comovida, embora estivesse tentando ser um pouco fria, mas pelo visto, não precisava mais agir assim.

– Ei, calma, fica calma - dei um passo a mais para perto dela e pus as mãos em seus ombros - Como você mesma disse, puxei muitas coisas do meu irmão sim, então, fica tranquila que sei me cuidar, ta? - sorri meiga e ao mesmo tempo tentando ser encorajadora.

Um sorriso fraco, porém esperançoso se formou em seu rosto enquanto ela enxugava uma lágrima que havia escapado.

– Ta. Tudo bem - disse tentando se manter firme naquela ideia.

Sorri contente e então abri os braços para um abraço.

– Posso, senhorita profeta? - indaguei brincalhona.

E quando esperei por sua resposta, ela apenas me abraçou , sem falar nada. Surpreendi-me, não só pelo abraço repentino, mas sim porque seu corpo também estava trêmulo. Então foi ai que realmente entendi sua situação, mesmo sem presenciar o que vi, seu corpo frágil e franzino se tremia tanto o quanto eu estava me tremendo. Não sabia perfeitamente o que se passava em sua cabeça, como eram suas visões, mas de uma coisa tive certeza, depois daquele abraço pude finalmente entender nossa extrema necessidade de sair dali.

Com o queixo em seu ombro, olhei para o topo da arena a qual havia retornado e minha feição se fechou, comprimi os lábios e curvei as sobrancelhas, com uma mistura de medo e vontade de decifrar aquele mistério que presenciei. O que havia sido aquilo afinal? Ilusão ou foi realmente real? Não sabia dizer, a única coisa que sabia era que queria terminar com aquela história logo.