Era para ser uma noite qualquer, sem imprevistos.

Magali e eu tínhamos a missão de ir até a cidade comprar a comida que estava em falta na casa e voltar para encontrarmos o Cê e a Mô que nos aguardavam. O problema é que a tempestade estava muito forte.

— Acho melhor voltarmos e esperar a chuva passar, não chegamos nem metade do trajeto de volta. – Diz Maga assustada com o barulho dos trovões que também iluminavam o céu noturno.

O tempo estava realmente feio. E estamos apenas no verão.

Olho de relance para Maga que se encolhia no banco carona. Volto a prestar atenção na estrada iluminada pelos faróis do carro. Haviam poucos buracos, mas o temporal não colaborava para uma visão boa. Eu estava em alerta, tanto há buracos como árvores que poderiam cair ou até galhos por conta da ventania.

— Está tudo bem, Maga. Logo estaremos em casa. – Digo tentando acalmá-la, mas concordo que o fato de estar chovendo já me apavora, imagina esse puta temporal.

Vejo a frente várias luzes de alerta, sinais pela pista e pessoas com aqueles coletes que refletem luz, mas ao longe.

Por que diabos estavam naquele temporal?

Me aproximo devagar com o carro. Percebo que atrás deles havia uma árvore caída bloqueando o trajeto completamente. Não havia como contornar.

— Boa noite. – Diz um homem um pouco mais velho se aproximando do carro assim que eu abaixo o vidro do meu lado. Ele devia ter a idade mais ou menos do meu pai, tinha cabelos pretos com alguns fios brancos, olhos escuros e estava usando um dos coletes.

— Boa noite. – Digo e a Maga diz também depois de mim. Ela ainda estava preocupada com a tempestade que continuava extremamente forte.

O homem parecia não se importar com o tempo, mas se esforçava para permanecer parado por conta da força do vento.

— Sinto muito, filho, mas vocês terão que voltar para a cidade, apenas amanhã poderemos remover a árvore. – Diz ele e eu concordo com a cabeça.

— Não tem outro caminho para a Colina Florence? – Pergunta Maga finalmente focando em outra coisa, além da tempestade. – Nossos amigos estão lá.

— Esse infelizmente é o único caminho, mocinha. É melhor vocês se preocuparem com vocês, do que com seus amigos que devem estar bem, dentro de uma casa. Voltem e vão para uma pousada, é mais seguro que enfrentar essa tempestade de carro. – Aconselha e a gente concorda.

— Obrigado, senhor. Boa sorte aqui. – Digo e ele dá um sorriso.

— Tomem cuidado na estrada. Até amanhã de manhã, essa grandona não estará mais. – Diz se referindo a árvore enorme.

— Tchau. – Diz Maga com um sorriso.

O homem se afasta do carro e volta para seus colegas que estavam tentando elaborar um jeito de remover a árvore caída, eles realmente não se importavam em se molhar naquela chuva.

Faço o retorno com o carro e volto de onde eu vinha.

— De volta para a cidade... – Sussurro dando um suspiro. Sinto Maga colocar uma de suas mãos levemente na minha perna, tentando me manter tranquilo.

— A Mô e o Cê vão ficar bem. – Ela diz tentando me acalmar e se acalmar, ela também estava preocupada, afinal não tem sinal para mandarmos alguma mensagem perguntando se eles estão bem.

— Sim...

~~~*~~~~*~~~

— Eu não acredito que só tem um quarto com uma cama de casal. E essa cama de casal parece mais uma de solteiro. – Diz Maga assim que entramos no quarto.

Aquela pousada era uma espelunca, mas o que esperar de uma pousada de uma cidade pequena que mal tem mercado?

Eu não sei dizer o que é pior, nosso quarto ou o lugar. Havia uma cama nada espaçosa, uma iluminação horrível que falhava, uma cadeira caindo aos pedaços, mofos pelas paredes e um criado-mudo que se colocasse algo em cima, poderia acabar desmontando.

— Não precisa se preocupar, Maga. Eu durmo no chão. – Digo e ela encara o chão que se range quando eu ando para a porta torta do banheiro.

— Não! Se essa cama corre o risco de pegar carrapato, eu não vou deixar você dormir nesse chão que tem infiltração. – Ela diz arrasada com o lugar.

— É só essa noite. – Digo com um sorriso, achando engraçado a Maga reclamar de tudo, mas não tenho como negar, que ela tinha razão em tudo.

Entro no banheiro e fico pensando no quão podre era aquele lugar. Aquele banheiro era o cumulo do cumulo, mas fazer o que, é o que temos para hoje.

~~~*~~~~*~~~

Estava já deitado de lado encarando a Maga que estava de lado também. A cama era tão pequena que se não ficássemos assim, um invadiria o espaço do outro, mas nos preocupamos em respeitar um ao outro.

Escuto seu suspiro. Ela faz uma cara triste, mas que para mim era fofa como todas as outras expressões dela.

— Dá de sentir todas as molas desse colchão vagabundo e esse travesseiro parece mais uma camada de pano. – Reclama ela e eu rio.

Realmente, acho que até o chão seria mais macio, mas não quero acordar com algum rato na minha boca depois do incidente no banheiro onde uma pomba me atacou, sim, uma pomba mora no banheiro.

— Eu tive uma ideia, mas não acho que você vai querer. – Digo corando, ela percebe mesmo com a pouca luz que vinha da janela de madeira sem cortina.

— Me diz. – Sussurra ela e eu juro que me perco por um momento encarando sua boca rosada.

— Se você quiser... pode dormir com a cabeça no meu peito. – Digo a encarando nos olhos. Aqueles olhos cor de mel que brilhavam e que eu tanto admirava, mesmo que as escondidas. Nem Cebola sabe de meus sentimentos escondidos pela Maga, mas ele bem que suspeita.

— Não é uma ideia ruim. – Ela sussurra se aproximando de mim e eu me arrumo para que ela possa deitar com a cabeça em meu peito.

Sinto seus cabelos escuros caírem sobre meu braço assim que ela se aconchega com a cabeça suavemente no meu peito.

— Melhorou? – Pergunto com minha voz quase falhando. Eu não conseguia respirar direito, aquela aproximação me fazia pensar diversas coisas que eu não podia pensar sobre minha amiga.

O aroma de flores da primavera dela invade meu olfato e pela primeira vez, sinto o tão forte... Eu apenas o sentia quando a abraçava, mas sentir isso enquanto ela está desse jeito em mim, me faz esquecer da tempestade lá fora, da chuva, de tudo.

— Sim... – Ela sussurra me trazendo para a realidade.

Permanecemos assim por alguns minutos, até que sinto ela se virar para me encarar, ficando apoiada no meu peito, quase em cima de mim, se não fosse por suas pernas totalmente do lado esquerdo da cama.

— Cas? – Pergunta manhosa.

— Oi, Maga? – Sussurro por ver a proximidade de nossos rostos. Eu podia beijá-la agora mesmo, mas consigo permanecer no meu controle.

— Obrigada pela sugestão. – Ela diz se aproximando mais de mim. Sua respiração se misturava com a minha.

— Não tem de que... – Digo me aproximando. Ver ela assim, desse jeito destrói todas minhas barreiras.

Quando estou perto de a beijá-la, sou parado pelo barulho alto de uma janela batendo contra a parede. Murmuro um “merda” quando levanto da cama, indo até a janela que havia sido aberta com um estrondo pela tempestade.

Estava frustrado por não conseguir o que eu queria e ao mesmo tempo com raiva por ter tentado algo com minha amiga que só me vê como seu amigo de infância.

Fecho a janela com força e tento fechar todas as trancas que não pertenciam a janela original, mas que haviam colocado para tentar manter a janela fechada.

— Resolvi. – Suspiro irritado e assim que me viro me deparo com uma Magali de pé me encarando de um jeito estranho. Minha expressão se suaviza ao ver aquele belo rosto.

Antes que eu possa perguntar o motivo dela estar de pé, a mesma me beija desesperadamente, como se ela não quisesse perder a coragem. Fecho meus olhos a puxando mais perto para mim, assim que vejo que ela não iria se afastar.

Nosso beijo transmitia todo nosso amor e desejo ocultos, escondidos. Eu não era o único que sentia algo e escondia, eu era correspondido mesmo que nunca havia tentado nada.

Agradeço mentalmente a aquela tempestade, pois eu nunca poderia beijá-la e provável que nunca me confessaria.

Separamos nossas bocas lentamente, mas os corpos ainda colados.

— Não me olha assim... – Ela sussurra corada desviando seus olhos de meu olhar cheio de paixão e desejo.

Eu estava completamente louco por ela, me controlando pra caralho para não a jogar naquela cama. Novamente, meus pensamentos impuros voltam com força. Eu nunca tinha tido esses sentimentos por ninguém antes.

— Desculpa... – Digo a separando de mim assim que vejo que ela parecia triste, ela não estava arrependia por me beijar, mas sim, porque ela ainda estava namorando, assim como eu...

— Acho melhor... não fazermos mais isso... – Ela diz virando de costas andando a passos lentos em direção a cama.

Sinto uma pontada forte no meu peito. Eu não queria que ela fosse..., não quero perde-la.

— Eu te amo. – Digo e ela para, mas não se vira. – Eu não quero perder sua amizade, mas eu não quero ser só seu amigo.

— Não faz isso, Cas... Você e eu estamos comprometidos com outras pessoas... – Ela sussurra e sinto que ela estava chorando pelo falhar de sua voz.

Me aproximo e a abraço por trás, acariciando seus cabelos. Ela se vira e retribui, me abraçando mais forte ainda.

— Eu também te amo..., mas não podemos. – Ela continua chorando por um tempinho. Seu olhar ergue para procurar meus olhos que a encaravam. – Ainda não.

— Um dia... Eu nunca vou desistir. – Limpo suas lágrimas com meu polegar gentilmente.

Entrelaço minha mão na sua a puxando para a cama para deitarmos.

— Apenas durma, amanhã temos que voltar. – Sussurro assim que ela se aconchega no meu peito.

— Boa noite, Cas... – Ela sussurra fechando os olhos para dormir.

— Boa noite, Maga... – Sussurro. Volto meus pensamentos para tudo.

Eu a amo, ela me ama, mas não podemos... Não ainda...

Será que algum dia iremos poder?

Ou permaneceremos, assim para sempre, nos amando sem nunca ficarmos juntos?

Eu espero que não...

Espero um dia tê-la em meus braços, não apenas em uma noite de tempestade.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.