A Noite

Palavras não bastam, não dá pra entender

E esse medo que cresce não para

É uma história que se complicou

Eu sei bem o porquê

Acordo com uma enorme dor de cabeça e por um momento não sei onde estou. Sento-me na cama onde estava deitado e com esforço consigo abrir os olhos e ver que estava em meu quarto. Flashes de horas atrás começam a vir na minha mente e de repente lembro-me que havia saído com os caras pra uma noite de bebedeira. Será que eu estava tão mal assim a ponto de encher a cara e acordar com uma ressaca enorme no dia seguinte? A resposta é sim. No entanto, além da ressaca normal, a ressaca moral me atingiu em cheio. Nunca havia bebido antes, mas depois do dia anterior, decidi experimentar pra tentar esquecer a cena em que eu vi no dia anterior. Aquela maldita cena.

Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços

Me entorta as costas e dá um cansaço

A maldade do tempo fez eu me afastar de você

Era uma sexta-feira, o dia tão esperado por nós, os alunos do terceiro ano do ensino médio. Era o dia em que poderíamos relaxar depois de uma semana extensa e cansativa de provas. Eu esperava que pudesse me divertir ao lado do Cascão e da Magali juntamente com ela. Mônica. Havia combinado de me encontrar com os três no portão principal do colégio. Queríamos decidir juntos o programa que faríamos naquela sexta à noite. Eu esperava que dessa vez a Mônica aceitasse mesmo ir com a gente, afinal fazia mais de um mês que ela estava me evitando desde que começou a namorar com o maldito do Do Contra. Eu o odiava. Odiava saber que agora ela estava nos braços dele, saber que ela estava feliz com ele. Eu sentia vontade de matá-lo por ter roubado a Mônica de mim.

Nunca havia visto os dois trocando algum tipo de carinho ou beijo. Até aquele maldito dia. Juntamente com a Magali e o Cascão, havíamos acabado de chegar no portão principal pra encontrar a Mônica, que havia saído alguns minutos antes de nós. Pensei que a veria sozinha, pensei que a veria sorrindo e acenando pra mim. Mas não foi isso que aconteceu. Ela estava lá com ele. Beijando ele. Abraçando ele. Feliz com ele. Eu nunca pensei que ver aquela cena fosse doer tanto assim. Meu coração havia ficado em frangalhos. Por que as coisas tinham que ser daquele jeito? Por quê? Onde eu havia errado pra ter perdido a Mônica pro DC? Cascão e Magali tinham tentado me tirar dali, mas não conseguiram. Eu estava de olhos vidrados na garota que eu amo nos braços do meu maior rival, beijando ele, abraçando ele. Aquilo doeu. Doeu muito. Eu nunca havia visto ela tão feliz daquele jeito. Ela nunca tinha ficado assim comigo. Ela nunca sorriu daquele jeito quando estava comigo. Ela nunca esteve tão em paz, quando esteve comigo. Por que com o Do Contra era diferente? O que ele havia feito pra Mônica estar totalmente em paz com ele? Eu não conseguia entender.

E quando chega a noite e eu não consigo dormir

Meu coração acelera e eu sozinha aqui

Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão

Olhos nos olhos no espelho e o telefone na mão

Cheguei em casa abalado, controlando a vontade de chorar na frente dos meus pais. Não queria que eles apontassem que a culpa da Mônica ter desistido de mim era somente minha. Eles estavam certos. A culpa é minha. Só minha. Se eu não tivesse vacilado com ela tantas vezes, não teria a perdido pro DC.

Do Contra. Ainda me lembro do dia em que ele chegou no bairro. Ele era o oposto de todos os garotos. Nunca pegou no pé da Mônica, não tinha interesse em participar dos nossos planos contra ela. A princípio achei que era uma forma de nos contrariar, mas acabei percebendo que era mais do que isso. Ele gostava da Mônica. Talvez fosse muito maior do que gostar. Talvez fosse apaixonado por ela. Mônica nunca se deu conta disso, mas mesmo assim, ela tratava ele muito melhor do que me tratava. Eu admito que errava muito com ela ao chamá-la dos piores xingamentos possíveis, mas naquela época eu era um moleque imaturo, talvez eu já gostasse dela na época mas como não sabia como dizer isso, xingar ela era a única forma de chamar sua atenção. Errado, eu sei.

Depois do almoço, me tranquei no quarto, fitando o teto do mesmo com desânimo, tristeza. Aquela cena de minutos antes havia me deixado deprimido. Eu nunca tinha pensado que iria ver Mônica nos braços do meu maior rival. Eu queria matá-lo, queria sumir com ele, mas sabia que se fizesse isso, seria como magoar a Mônica mais uma vez. Mas dessa vez seria uma mágoa enorme. Ela nunca mais iria olhar na minha cara. E isso era tudo o que eu menos queria. Ainda queria ter a amizade dela, mesmo tendo que aturar o Do Contra por perto. Não desistiria da amizade dela por causa daquele babaca. Não mesmo. Não sei por quanto tempo fiquei fitando o teto, pois logo em seguida adormeci num sono profundo.

Pro tanto que eu te queria o perto nunca bastava

E essa proximidade não dava

Me perdi no que era real e no que eu inventei

Reescrevi as memórias, deixei o cabelo crescer

E te dedico uma linda história confessa

Nem a maldade do tempo consegue me afastar de você

Eram exatamente 16:30 quando acordei escutando meu celular tocar. Mesmo com sono, decidi atender a ligação com a esperança de que fosse Mônica me ligando. Mas não era. Era o Xaveco me convidando pra uma noite dos garotos repleta de bebida e diversão. A princípio eu não queria ir e declinei o convite, pois estava totalmente deprimido pra me divertir depois de ver aquela cena trágica na saída do colégio. Encerrei a ligação, mas o convite estava vagando pela minha cabeça. Talvez não fosse ruim dar uma saída pra espairecer um pouco. Eu estava precisando mesmo, o Xaveco tinha razão. Decidi que iria.

Horas mais tarde, estava me arrumando pra sair. Graças ao dinheiro guardado da mesada que meu pai me dava, conseguiria sair sem preocupações. Porém, algo martelava na minha cabeça: e se o DC estivesse na festa? Será que ele faria uma besteira? Meu rosto se iluminou com essa possibilidade. Se ele fizesse algo grave, provavelmente a Mônica ficaria sabendo e terminaria com ele, e assim voltaria pra mim ao ver que o Do Contra não era o cara certo pra ela. Com esse pensamento esperançoso, saí de casa, pegando o táxi pra ir pro local da festa.

Te contei tantos segredos que já não eram só meus

Rimas de um velho diário que nunca me pertenceu

Entre palavras não ditas, tantas palavras de amor

Essa paixão é antiga e o tempo nunca passou

Cheguei na festa com esperança de encontrar o Do Contra cometendo alguma besteira. Mas, pra minha decepção, ele não estava lá. Perguntei ao Nimbus se o Do Contra não viria na festa, e pra minha raiva, recebi a resposta de que DC dormiria na casa da Mônica. Meu sangue esquentou de forma rápida. Eu estava atordoado com a possibilidade da Mônica dormir com ele, dividir a cama com ele. Como eu fui idiota em achar que o Do Contra viria a festa e cometeria uma besteira que faria a Mônica terminar com ele. Eu fui um burro! Burro! Mil vezes burro!

E quando chega a noite e eu não consigo dormir

Meu coração acelera e eu sozinha aqui

Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão

Olhos nos olhos no espelho e o telefone na minha mão

Eu estava cego de raiva. A adrenalina havia tomado conta do meu corpo de tal forma que não vi que depois que virei o primeiro copo de álcool, vieram mais outros e outros. A dor havia consumido o meu coração que já estava ficando insuportável ficar sóbrio naquele momento. A única coisa que poderia me confortar naquele momento eram vários copos de bebida alcoólica. Assim, eu poderia esquecer por um momento, por um único momento, a mágoa, a decepção que eu senti naquela festa.

E quando chega a noite e eu não consigo dormir

Meu coração acelera e eu sozinha aqui

Eu mudo o lado da cama, eu ligo a televisão

Olhos nos olhos no espelho e o telefone na minha mão

Na minha mão, na minha mão

Encaro a janela e vejo que ainda é noite. A festa havia durado pouco pra mim. Ao ver que eu havia bebido muito, Xaveco me trouxe de volta pra casa. E agora, nesse exato momento, estou sozinho nessa noite, enquanto penso no que a Mônica poderia estar fazendo com o Do Contra nesse momento. No final, eu perdi. Passarei todas as noites, imaginando o que poderia ter sido de nós dois caso eu não tivesse vacilado com ela. Eu perdi. Eu perdi. Eu perdi.

Fim.