Capítulo 7 – James Rogers

– Sabe, acho que você tem razão. Foi bom ter dado um tempo com a Erika. – Dou um longo gole do meu velho amigo Jack Daniels, grato por tê-lo comigo agora que terminei meu relacionamento de apenas quatro meses.

Meu companheiro da noite, o filho de um dos maiores e também agente da SHIELD, Steve Coulson, pede a conta pro barman quando percebe que já estou no meu sexto copo. Mesmo eu não podendo ficar bêbado com tanta facilidade quanto ele pensa, não tento impedi-lo, já não quero mais ficar num bar bebendo e reclamando da vida.

– É claro que tenho razão – apesar das novas circunstâncias, a noite está bem agradável. Não há tantos carros na rua buzinando, o calor não está de uma temperatura infernal e o cheiro dos esgotos da cidade teve piedade das nossas narinas nessa noite. – A Erika é uma garota legal, mas muito ciumenta... Quase possessiva.

– Não é verdade – eu logo defendo minha ex-namorada, não gostando de ouvir falsas acusações sobre ela. – Erika não é assim...

De repente, o comunicador da SHIELD de Steve (que está disfarçado de relógio de pulso) começa a apitar sem parar. Discretamente, meu amigo olha para a tela, lendo o relatório com a testa franzida.

– Problemas?

– É a Sienna – quando Steve fala o nome da irmã, significa que há problemas. – Mais um caso estranho para ser resolvido pela SHIELD.

Solto um risinho baixo de desdém.

– O que foi dessa vez? Alguém encontrou um dos bichinhos de estimação do Lagarto na privada?

– Quem dera... – Ele amplia o arquivo enviado por Sienna no relógio pra eu dar uma olhada nos detalhes. – É mais um daqueles casos das gangues desaparecidas. Três fizeram o assalto, nenhum voltou pro esconderijo.

Com as informações providas por Steve, eu tento ligar os pontos até formar uma teoria.

– Isso parece coisa do Justiceiro ou de algum outro herói de sangue-frio. – Chuto.

– Pensamos nisso semana passada – Steve me dá um crédito por tentar. – Mas nesses casos sempre há um corpo pra achar. Quem quer que seja que acha que está ajudando os heróis, está nos dando uma enorme dor de cabeça escondendo os corpos – o relógio novamente apita nervosamente, fazendo meu amigo morder os lábios. – Me desculpa, James, mas eu tenho que ir, senão Sienna vai ficar buzinando na minha orelha e...

– Não esquenta, já sou bem grandinho pra voltar por minha conta.

Steve Coulson me dá um meio sorriso e um soco no ombro antes de se virar pra seguir na direção oposta.

– Não faça nenhuma besteira.

– Eu saí pra beber com você, não tem besteira pior – devolvo, mas ele já havia dobrado a esquina, deixando-me sozinho.

Por alguns instantes, eu apenas fico parado, observando o pouco movimento da rua mal iluminada. Não tenho ideia do horário, deveria ter visto no relógio de Steve quando tive a oportunidade, mas, ao julgar pela posição da lua no céu, chuto que já passam das dez.

Solto um breve suspiro.

“O que você está fazendo, James? Vai pra casa que é a melhor coisa que você faz.”

Minha consciência tem razão. Foi um longo dia e tudo o que eu preciso agora é de uma boa noite de sono pra colocar minha cabeça em ordem.

Forço meus pés a começarem a andar para a estação de metrô mais próxima; não tô a fim pegar um ônibus cheio ou dar um órgão pra pagar a corrida do táxi. Ajeito minha jaqueta de couro marrom claro, que era do meu pai, e prossigo minha caminhada com passos largos. Quando chego à estação, vou direto comprar uma passagem e, quando percebo que duas... Moças da vida começam a piscar sem parar pra mim e a exibirem suas vantagens femininas, passo rapidamente pela catraca e entro no primeiro vagão que vejo.

Não deixo de soltar um breve sinal de alívio por ter escapado dos apelos daquelas garotas. Já tive mais que o suficiente de contato feminino por hoje.

Acho que eu deveria me juntar aos encontros secretos do Barton e do Dante. Aposto que os dois jogam Skyrim fantasiados como os personagens do “Senhor dos Anéis” enquanto discutem em élfico quais as melhores maneiras de se capturar um dragão.

Ainda é melhor que escutar a Erika reclamar da minha ex-namorada.

– Estranho, eu não me lembro de você ser tão quieto assim – tomo um susto quando percebo que a garota de cabelos vermelhos ao meu lado é a primeira e única...

– Sin. – Seu nome sai de meus lábios como um rosnado.

– Sentiu minha falta, Jaime? – Os olhos dela faiscam quando Sin repete o apelido que ela costumava me chamar quando namorávamos, mordendo os lábios de uma forma sensual só para me provocar.

– Por que você voltou? – Inquiro, tentando me controlar para me manter calmo. Não estamos sozinhos, não posso fazer nada a não ser entrar no jogo dela. Muito esperta. – O que você quer?

– Nossa, é assim que você fala com uma antiga amiga? – Ela faz um biquinho, mas é óbvio que não está ofendida com meu tom de voz.

Olho para os lados, certificando-me de que não estamos chamando atenção. Aparentemente os jornais e garrafas de bebidas são mais interessantes que a nossa conversa.

– O que você quer que eu diga? Foi embora pra se tornar o que é hoje – tento esconder a dor de confrontar nosso passado, o que conseguiria fazer de alguém que não tivesse recebido o mesmo treinamento que o meu na SHIELD. – Você ficou longe por três anos e do nada voltou. O que você quer?

Por um segundo, por um mínimo segundo, por trás de toda aquela arrogância maléfica que Sin faz questão de desfilar, eu pude ver um vestígio da garota que eu amei, a verdadeira Sinthea, e não o monstro que ela se tornou agora. E só por aquele mínimo segundo, eu soube que ela ainda tem algum sentimento por mim. Amor, amizade, compaixão? Não importa, qualquer coisa positiva vinda de Sin é lucro.

Pena que durou pouco.

– Se você sobreviver hoje, a gente pode discutir sobre isso amanhã – ela me dá uma piscadela, rebolando os quadris para perto da porta. – Tchauzinho, Jaime, uma pena que você tem que pegar o metrô.

Tudo acontece muito rápido. Assim que Sin sai do vagão, eu tento segui-la, porém, uma enorme explosão arrebenta os trilhos, jogando-me para trás junto com dois vagões pro buraco recém-criado. Vejo dezenas de pessoas jogadas no chão, feridas e gritando por ajuda enquanto mais gritos vêm de dentro das partes do trem que estão prestes a cair na enorme cratera.

Mais que depressa eu corro para os vagões e tento segurá-los um em cada mão, mas sei que não vou aguentar muito tempo; não sou tão forte como Banner e seu pai, precisaria de ajuda pra manter esses dois vagões erguidos.

Meus dedos doem com o excesso de peso que têm que suportar, dando-me a horrível sensação de que estão sendo arrancados do meu corpo. Cada músculo dos meus membros superiores pulsam no mesmo ritmo do meu coração, parecendo que vão explodir a qualquer momento.

Tento controlar minha respiração como uma forma de ganhar tempo para pensar em meu próximo movimento, mas não vejo outra maneira de como essa história possa acabar sem que eu ou os vagões saia perdendo. Estou sozinho aqui para ajudar dezenas de pessoas e não tenho a menor condição de chamar reforços.

Se ao meu eu conseguisse fixar o peso em algum dos pedaços de ferro que ficaram avulsos dos restos dos trilhos... Usá-los como apoio... Mas não consigo me mexer, qualquer tentativa e poderia deixar todas aquelas pessoas morrerem.

Sinto meus joelhos tremerem, chegando ao limite. O suor brota por toda parte do meu corpo, veias saltam dos meus braços extremamente vermelhos. Por alguns instantes eu perco minha visão, vendo tudo embaçado antes de recuperar o fôlego e mandar bastante oxigênio pra cabeça, permitindo que eu veja novamente.

Meu tempo está acabando, e ainda não cheguei a nenhuma solução.

– Como ele está fazendo isso?! – Escuto um homem exclamar fascinado de fora de um dos vagões, tirando fotos minhas com seu celular a uma distancia segura.

– Deus nos ajude, é só um menino! – Uma mulher choraminga para seu bebê de dentro do vagão.

– Onde estão os Vingadores?!

– Ou os X-Men?

– Ei garota, volta aqui!

De repente, percebo que não estou mais sozinho nessa missão de resgate suicida. Uma garota com o capuz do seu moletom preto encobrindo o rosto corre para perto das barras de ferro que eu tinha visto antes, porém, antes que pudesse chegar perto o suficiente, um fio elétrico se solta de um dos vagões se solta, acertando um de seus pés.

Ao cair, levo um susto quando vejo que algumas mechas de seus cabelos são brancos.

Erika?

Porém, o susto de encontrar minha ex-namorada logo após nosso término passa quando percebo que o restante da longa cabeleira é, na verdade, azul celeste, destacando-se da pele azul bebê.

Do enorme fio que havia se desprendido do restante das conexões, posso ver uma enorme figura se formar pelas faíscas elétricas que explodem para todos os lados, assustando todos os presentes. As ondas elétricas amarelas e azuis vão se ligando rapidamente, transformando-se em uma figura humana.

Ah, legal, além de estar com a vida de dezenas de pessoas nas mãos, ainda tenho o Electro pra me encher o saco.

Barton tava certo. Sinthea sempre foi uma maluca e agora estou pagando o preço de ter me envolvido com uma doente como ela.

Electro joga a cabeça para trás, rindo maleficamente enquanto explode todos os aparelhos eletrônicos do lugar, incluindo a pouca iluminação que restava, deixando o pessoal ainda mais em pânico.

Começo a perder o tato dos meus dedos, o que também me deixa desesperado, pois sei que apenas alguns minutos me restam agora.

O membro bocó do Sexteto Sinistro me fita com seus olhos florescentes, ameaçando-me com palavras mudas para meus ouvidos que já não mais escutam devido à falta de oxigênio. Minhas pernas tremem mais e mais a cada segundo, minha respiração falha. Não há duvidas de que sou um alvo fácil.

Quando percebo que a tagarelice do provável “hoje você vai cair e blá blá blá” acaba, fecho meus olhos e desejo que minha morte seja rápida, porém, o impacto mortal no meu corpo, seja de um punho ou de uma rajada elétrica, não me atinge.

Tudo o que sinto é um vento gelado eriçarem meus pelos da nuca e anestesiarem meus sentidos por completo.

[x]

Não sei por quanto tempo fiquei de olhos fechados, pois quando os abro, já não estou mais na estação destruída de trem com os vagões estourando meus braços e pessoas em pânico me filmando com dezenas de celulares, mas sim deitado na ala hospitalar do edifício Baxter com meus braços enfaixados até os cotovelos.

Meu deus... O que raios aconteceu comigo?

– Pai?! - Escuto a voz de Valeria Richards gritar com urgência para uma sala vizinha de onde estamos. - Pai?! Ele acordou!

Com minha cabeça rodopiando mais rápido que um peão, eu tenho sentar sobre a cama hospitalar, mas mãos habilidosas me deitam de maneira delicada novamente.

– Não se mexa, James - reconheço a voz calma da Mulher Invisível me instruir. Sua mão ainda está em meu peito, fazendo-me ficar deitado.

– Valeria, será que poderia tomar conta da experiência na bancada oito? É só tomar cuidado pra não deixar a força atômica abaixar. - Os passos apressados de Reed Richards afastam a esposa de perto de mim, trazendo sua figura esguia para o meu campo visual. - Como ele está?

– Consciente - bufo. - O que aconteceu? O que estou fazendo aqui?

– Eu vou ligar para o Steve e a Natasha. - Sue Storm nos deixa a sós, fechando cuidadosamente a porta de vidro da ala hospitalar.

O Sr. Fantástico não pareceu se importar com meu tom malcriado. Sendo pai de dois filhos, eu diria que ele já teria um mestrado em aturar birra.

– Você quase perdeu os seus braços ontem. Seu rastreador disparou e Thomas Banner foi o primeiro a chegar na sua localização, que era um beco sem saída a dois quarteirões daqui. Porém, fizemos uma analise no tecido epitelial das suas mãos e encontramos vestígios dos trilhos do metrô, o que nos diz que você pode estar diretamente relacionado com o acidente de ontem a noite que aconteceu na estação 123 - Reed me informa, confirmando o que eu já suspeitava, enquanto anota rapidamente coisas avulsas em sua prancheta. - Do que se lembra?

Imediatamente a imagem de Sin piscando pra mim, da nossa conversa no metrô e de seu sorriso sádico ao explodir a estação toma conta da minha mente. Sinto dor, a agonia de sentir meus músculos serem puxados como látex, da carne querer rasgar ao meio e a pele ceder com o excesso de peso. Lembro-me da explosão da energia elétrica e do Electro.

– James? - O Sr. Fantástico tenta me trazer de volta para a realidade.

– Eu deveria estar morto agora - digo-lhe. Ainda preso nas minhas lembranças, eu toco na minha nuca, sentindo meus pelos ainda eriçados. - Algo me salvou.

Reed Richards arqueia as sobrancelhas.

– E o que foi que te salvou, James?

Ergo meus olhos, mirando o líder do Quarteto Fantástico com o mesmo olhar questionador.

– Eu esperava que você tivesse essa resposta.