Agora me sento no chão do meu quarto usando minha cama de apoio; olho pela janela à minha frente e o dia está como qualquer outro, mas tem algo de diferente, algo que eu não consigo identificar no ar, talvez seja porque as coisas estejam diferentes, que elas tenham mudado e, por fim, resolvo não dar importância. Não há nada que eu possa fazer para muda-las.

Então encolho meus joelhos, abraçando-os contra o peito e afundo meu rosto ali.

Não é hora de entrar em crise, não é hora para me preocupar com a minha própria vida, não é hora para nada disso. Repito em minha cabeça.

Ouço alguém bater na porta e levanto meu rosto:

– O que é, Anne?

– Posso entrar? – ouço uma voz familiar, mas não a de Anne

– Claro.

Chuck passa pela porta e me olha:

– Está tudo bem?

Como ele pode se preocupar comigo em um momento desses? Eu sou a ultima coisa com a qual ele devia se preocupar.

O encaro por algum momento decidindo se minto ou não. Ele sempre sabe quando eu estou mentindo, mas...

– Não. – finalmente confesso.

Desviamos nossos olhares e ele se senta ao meu lado.

– É por causa do Peter?

Como eu queria que fosse.

– Não.

– Quer falar sobre isso?

– Não.

Finalmente o olho e pergunto:

– Por que voltou?

– Não quero ter que ir sozinho – o ouço admitir.

Levo alguns segundos sem dizer nada e levanto pegando meu casaco em cima da cama e colocando meus sapatos enquanto ele observa cada movimento que faço. Finalmente paro na porta e o encaro, ele sorri para mim, um pequeno sorriso, mas o suficiente para compensar o esforço de sair de casa considerando o quanto estava cansada por não dormir a noite toda. Então ele também se levanta e descemos as escadas para pegar o elevador.

Quando a limosine estaciona há dois carros de policia na frente do hotel. Assim que entramos uma mulher nos aborda:

– Sr. Charles Bass?

– Sim.

– Eu sou a Detetive Bryte. Queremos que vá até a delegacia conosco – ele assente. – E a senhorita é?

– Elizabeth Redford.

– Namorada dele?

– Am... Amiga, na verdade.

– Vocês passaram a manhã toda juntos?

– Sim, estávamos na minha casa com alguns outros amigos.

– Precisarei do nome deles para confirmar que o Sr. Charles Bass não estava tentando fugir. A senhorinha pode passar os nomes das pessoas que estavam com vocês para o Detetive Harrison? – ela aponta para um homem próximo de nós de cabelos encaracolados e barba por fazer.

– Claro.

– Agora podemos ir, Sr. Bass?

– Sim.

Ele é conduzido até um carro preto e não até uma das viaturas, talvez isso ajudasse a desviar as fofocas na Gossip Girl.

– Vou te esperar aqui – digo antes que ele esteja longe demais para me ouvir.

Então passo todas as informações que me perguntam e um funcionário do Empire me trás a chave da cobertura logo depois que sou liberada do questionário.

– O Sr. Charles será liberado logo, certo? Ele não será preso ou algo do tipo, não é?

– Acredito que não, o advogado dele provavelmente já está a caminho – respondo, mesmo não tendo certeza de muitas coisas no momento.

– Que bom, porque é bem provável que esse hotel vá pelos ares se o Sr. Charles não voltar logo.

–x-

Espero sentada no sofá por mais de duas horas até que ouço a porta se abrir:

– Chuck, está tudo bem? – pergunto me levantando.

– Eles não podem fazer nada contra mim segundo o Breedon.

Um homem de meia idade com cabelos um tanto grisalhos e de feições sérias aparece atrás de C.

– Ela é?

– Elizabeth Redford, uma amiga.

O advogado assente e coloca alguns papéis e pastas em cima do balcão e se retira cochichando algo com Chuck.

Fico parada o olhando remexer naqueles documentos por algum tempo.

– Pode ir embora – ele diz para mim ainda de costas.

– Não, eu não vou.

Ele solta o ar dos pulmões de forma pesada e se vira para mim dando de ombros:

– Faça o que quiser. Eu vou dormir.

– Chuck – tento ir atrás dele e seguro seu pulso, mas ele se solta.

– Escuta – ele explode -, peça serviço de quarto, abra uma garrafa de vinho ou champanhe, durma na cama do outro quarto, desça até o bar do hotel, até o restaurante ou simplesmente vá embora... Eu não me importo. Apenas faça a merda que você quiser fazer... Desde que você me deixe em paz.

E ele se tranca no quarto.

Então respiro fundo e dou meia volta. Olho o sofá com minha bolsa e meu casaco nele e os ignoro decidindo que sim, eu faria a merda que eu quisesse. E neste momento o que eu quero é ficar.

Passo meus olhos pelos papéis no balcão, não seria certo mexer. Meu celular vibra dentro do bolso e isso desvia minha atenção dos documentos.

– Megan – digo ao atender.

– Liz, está tudo bem? Você está bem?

– Estou.

– Onde você está?

– No hotel.

– Isso é bom, Chuck precisa ter alguém aí com ele. Michael me disse que é um momento difícil.

Fico em silencio enquanto caminho até o sofá e me jogo nele.

– O que foi? – ela me pergunta preocupada com o silencio repentino.

– Ele pediu para que eu fosse embora.

– Chuck?

– Ele não me quer aqui.

– Onde ele está agora?

– No quarto, ele queria descansar.

– E você vai embora?

– Eu... Eu quero ficar, eu acho que eu devo ficar.

– Então fique.

– Megan, eu o abandonei uma vez e ele não confia mais em mim.

– E você quer que ele volte a confiar – ela diz e a frase não parece uma pergunta.

– Claro que quero.

– Então faça o que você não fez da ultima vez: fique. Confiança vem com o tempo, apenas esteja aí caso ele precise e quando ele quiser falar com você, ele vai falar. Mas certifique-se de que ele saiba que você está aí para ele e que ele pode sim confiar em você, só não apresse as coisas.

–x-

Chuck’s POV

Abro meus olhos com dificuldade e vejo que ainda está claro, permaneço por algum tempo deitado e então decido me levantar para pegar algo na cozinha.

Caminho pelo corredor até a parte principal da suíte e não consigo evitar um pequeno sorriso quando chego. Lá estava ela, tão pequena e serena.

Lá estava ela dormindo debruçada sobre o braço do sofá com uma xícara enorme de café na mesa do abajur ao lado.

– Hey, dorminhoca. Quer ir dormir no quarto?

–x-

Liz’s POV

Abro meus olhos desnorteada e lá está ele.

Lá está ele me encarando com um pequeno sorriso no rosto, não me parece o mesmo Chuck de algumas horas antes. Dou um suspiro mentalmente.

– Até alguns dias atrás você não queria nem me ver e agora já está querendo me levar para a cama? – digo sonolenta e ele ri.

Lá estava aquele riso que eu precisava.

– Você sabe que não foi o que eu quis dizer.

– Eu sei que não foi o que você quis dizer – falo bêbada de sono e ele estende uma das mãos para mim.

– Vem, você está cansada. Você pode dormir no quarto do Nate.

– Hm – digo e ele levanta uma sobrancelha. – Então agora vocês dois dormem em quartos separados? O que foi? Nate descobriu sobre o Michael?

Ele balança a cabeça rindo:

– Ok, chega desse seu sarcasmo. Você precisa dormir agora.

C me conduz até o quarto e antes de fechar a porta, pego em seu pulso:

– Eu... Eu sinto muito não ter estado aqui quando você precisou. Quando o seu pai... Eu realmente sinto muito.

– Mas você está aqui agora mesmo eu tendo sido um imbecil com você hoje mais cedo. Então acho que está tudo bem.

Eu não sei o que eu estou sentido ao certo, mas decido me aproximar e beijar seu rosto. Não seus lábios, mas perto deles. E às vezes o que beijos assim causam significa mais do que um beijo de verdade. E esta é uma dessas vezes, disso eu não tenho duvidas.

–x-

Não sei que horas são, mas já anoiteceu e Chuck está assistindo TV quando entro na sala:

– Oi.

Sorrio:

– Oi.

Sento-me ao seu lado e faço um coque com meu cabelo desarrumado.

– Você está linda.

O encaro com o cenho franzido analisando seu rosto.

– Obrigada – digo quando percebo que ele está sendo sincero. – O que você está assistindo?

– Não tenho a mínima ideia. Talvez seja um documentário ou um filme de terror... Só sei que tem a ver com coelhos.

– Coelhos?

– Coelhos.

Seguro o riso enquanto pego o controle da TV para colocá-la no mudo e deixar que ela continue iluminando o cômodo.

– Posso te perguntar uma coisa? – ele diz olhando para mim.

– Claro – respondo.

– Por que não foi embora?

– Porque... Eu me preocupo com você.

– Mesmo depois de tudo? Mesmo depois daquela mensagem de voz?

Balanço a cabeça em sinal positivo:

– Mesmo depois daquela mensagem.

– Por quê?

– Porque você pode pedir para que eu fique longe, mas não que eu pare de me importar.

– Ainda assim – ele para um instante – você ficou longe por muito tempo.

– Eu achei que era o melhor a se fazer por nós dois.

– E foi?

– Eu não sei... Foi?

– Eu não sei.

Ficamos em silencio encarando a TV sem som, não é um silencio constrangedor ou torturante, é apenas um silencio necessário. Um silencio para pensarmos no que aconteceu, um silencio para lembrarmos o porquê de estarmos ali.

– Uma vez você prometeu que sempre cuidaria de mim – finalmente falo, mas eu tenho a impressão de que o silencio ainda continua.

– Eu me lembro.

Estamos apenas pensando em voz alta agora.

– E mesmo hoje você manteve sua promessa, você me fez ir dormir no quarto.

Ele ri:

– Isso não foi nada demais. Isso não foi cuidar de você.

– Na verdade foi... Anne sempre me fazia ir para cama quando eu caia no sono no sofá ou em qualquer outro lugar da casa e ela fazia isso porque se importava comigo, porque ela tomava conta de mim. E cuidar de alguém não é só fazer grandes coisas, não é apenas precisar estar disposto a passar dias e dias em um hospital a esperando acordar... Cuidar é se importar vinte e quatro horas por dia, por isso você faz essa pessoa ir dormir na cama para não acordar com as costas doendo, por isso você fica mesmo quando ela te pede para ir embora, por isso você faz essas pequenas coisas. Todo espécie de relacionamento sempre foi construído dessas pequenas coisas.

–x-

– Como foi a formatura? – pergunto e agora acho que já estamos há mais de duas horas conversando sobre assuntos aleatórios.

– O quê?

– Você sabe, a formatura de vocês. Como foi?

–Ah... Não me lembro tão bem. Quero dizer, estávamos todos bêbados, pelo menos eu estava – ele corrigi. – Mas houve discursos chatos, muitos discursos chatos, disso eu me lembro.

Dou risada e ele me olha:

– E a sua formatura? Como foi?

Desvio os olhos e permaneço em silencio por um breve momento.

– Eu pensei em te ligar. No dia da formatura, quero dizer. Eu quis te ligar aquela semana toda na verdade, mas não o fiz.

– Por quê?

– Porque – paro, não sei ao certo a resposta para a pergunta. – Porque eu queria que você estivesse lá comigo, não necessariamente de smoking com uma limosine, só queria que você estivesse lá. Por alguma razão eu senti a sua falta, senti mais do que eu queria e mais do que aguentava naquela semana.

Vejo-o balançar a cabeça em sinal negativo como se essa não fosse a resposta que eu deveria ter dado:

Por que você não me ligou?

– Porque seria egoísta... Seria egoísta fazer isso do mesmo jeito que é egoísta eu querer que você me perdoe por ficar dois anos longe. Mas é isso o eu faço, não é? Eu só quero as coisas na hora que eu quero, eu só me importo comigo mesma, eu me importo com os meus sentimentos, com o que é conveniente para mim. É o que eu faço, é o quem eu sou. Eu sou egoísta e mimada.

– Não, você não é.

– Sim, eu sou. Eu só tento não ser, mas ainda que eu tente, eu não consigo mudar.

– Ok, você é egoísta e mimada.

– Ah, obrigada. Achei que amigos serviam para te fazer sentir melhor e não para fazerem você perceber o quanto é uma pessoa horrível.

– É isso o que somos agora? Amigos?

– Não era isso o que você queria desde que eu voltei?

– Não era isso o que você estava evitando desde que voltou?

Reviro os olhos e isso o faz rir.

– O ponto é que – Chuck continua – você é egoísta e mimada, todos nós somos, e não estou me referindo apenas a N, B, S, você e a mim. Quando digo isso, estou me referindo a cada única pessoa no planeta. Você precisaria ser Gandhi para ser diferente, mas até ele deve ter tido os seus momentos. Nós somos assim, L. Todos nós agimos assim, é a natureza humana ser egoísta e mimado.

– O que você quer dizer é que não há boas pessoas no mundo?

– Não, o que estou tentando dizer é que as pessoas são simplesmente assim, o que as diferenciam uma das outras é que existem aquelas que abusam de sua condição natural e aquelas que não.

– E eu seria qual delas?

– Bom, você não é uma psicopata.

– Talvez eu seja, nunca se sabe.

Então ele pega a garrafa de vinho e volta a encher as duas taças até a que a ultima gota escarlate caia e volte a encontrar o resto do liquido de um dos copos.

– Podíamos sair para comer alguma coisa – ele me fala enquanto bebo um gole do vinho.

– Ou poderíamos apenas ir até algum mercado aqui perto e comprar alguma coisa para comermos aqui mesmo.

Sei que ele está estreitando os olhos ou está com a testa franzida, mas não me dou ao trabalho de olhar.

– Você sabe que estamos em um hotel, certo? Podemos pedir qualquer coisa pelo serviço de quarto.

Ergo uma das sobrancelhas o esperando terminar:

– E você também sabe que existem restaurantes que entregam comida pronta, não é?

– E?

– Viver no meio de cangurus por tanto tempo te fez esquecer como a cidade funciona? Talvez seja bom eu te lembrar como nós vivemos: nós compramos comida pronta, nós não vamos ao mercado, nós não cozinhamos...

– Você já foi a algum mercado?

–Um lugar que venda carros serve? Tipo uma feira de carros?

– Não, não serve. Então acho que hoje é um dia histórico: Chuck Bass vai às compras como qualquer mortal.

– Eu não quero ir às compras, Liz. Eu gosto da comida já lavada e cozida.

– Vamos lá, não é tão ruim assim – insisto.

– Quem fez isso com você? Quem te apresentou a esse mundo sombrio e que não nos pertence?

– Não há nada demais em ir ao mercado. Ande logo, estou com fome.

– Você ficará me devendo essa.

Reviro os olhos e o puxo pelo pulso.

– Vou ligar para o Arthur – C diz pegando o celular.

– Não, nós vamos a pé.

– Não, nós não vamos.

– Sim, nós vamos. Por acaso você desaprendeu a andar?

Chuck bufa:

– Você não sabe cozinhar, eu não sei cozinhar. O que vamos fazer no mercado quando nós não temos a mínima ideia de como usar o que tem lá?

Volto a encará-lo:

– Quem disse que nós vamos cozinhar? Michael fez questão de pegar todos os talentos nesse requesito na hora de nascer, não sobrou nada para mim.

– Então?

– Você sabe que no mercado vende sorvete, certo?

– Vende?

– Onde você viveu os últimos dezenove anos da sua vida? Em baixo de uma rocha?

– Escuta, eu sempre achei que sorvetes eram vendidos em sorveterias... Como qualquer pessoa normal acha.

– Do mesmo jeito que “pessoas normais” acham que leite vem da caixa e que vacas são apenas uma lenda urbana que os outros criaram?

– Você não cansa de tirar sarro de mim, Redford?

– Nunca, Bass.

Entramos no elevador e vejo a tragédia em meu cabelo refletida no espelho. Quase de forma automática começo a colocar os fios para trás na intenção de fazer um coque mais arrumado e descente.

– Você está linda.

O olho pelo espelho arqueando minha sobrancelha esquerda:

– Não precisa mentir, eu sei que estou uma tragédia.

– Não, você não está.

Termino o coque e me viro para ele:

– Por acaso o elogio está acompanhado de segundas intenções?

Vejo-o dar um sorriso de lado e passar os dedos pelos cabelos castanhos e lisos que agora formam um topete bagunçado:

– Por que você não pode apenas aceitar um elogio?

– Eu posso aceitar um elogio, desde que seja só um elogio.

– Foi só um elogio.

– Ok, então. Obrigada... Posso te fazer uma pergunta?

– Claro.

– Por que você não me odeia?

– Por que eu te odiaria?

– Porque eu não te contei que estava grávida, porque eu abandonei todos vocês. Eu abandonei você.

– Dois anos é muito tempo e você acha que eu já não passei tudo o que nós vivemos de novo e de novo na minha cabeça como um filme que eu não consigo parar de assistir? E eu acho que se eu fosse você eu também iria embora. Eu te machuquei, eu nunca te dei motivos suficientes para confiar em mim.

– Eu também te machuquei.

– Isso é o suficiente para você esquecer que eu também parti o seu coração?

– Ainda assim, você poderia me odiar. Você tem todo o direito.

– Do mesmo jeito que você também tem todo o direito de me odiar, mas não odeia.

– Como sabe?

– Porque você está usando a pulseira que eu te dei.

Olho para o meu braço com a pulseira que ele havia me dado no dia do baile e falo a única coisa que vem a minha cabeça.

– Eu não quero te odiar.

Então nossos celulares tocam:

– Ela não se cansa – digo.

“Hey, Upper East Siders

Como as coisas estão indo? Mal? Bom, pelo menos para alguém as coisas estão bem, talvez bem até demais.

Temos fotos de L com Bradley Kerman, ninguém menos do que o filho do Governador Matthew Kerman. Ele é formado em Princeton, estudou o ensino médio na Áustria e fez um ano de intercambio na Alemanha, além de ser o herdeiro do Sr. Kerman e, claro, lindo.

Mau gosto é uma coisa que você não se dá ao luxo de ter, não é mesmo, Redford?

Ah, coitadinho do C. Agora que a garota dos seus sonhos finalmente se livrou de um certo australiano, você nem ao menos teve a chance de tentar a sorte. Será o destino dizendo que vocês nunca ficarão jutos?

Veremos...

E, S, acho que você acabou de perder o posto de vadia do grupo.

And who am I? That´s one secret I’ll never tell.

You know you love me.

Xoxo, Gossip Girl.”

– O que é isso?

– Não é o que você acha que é.

– Então explique.

– Era para ser apenas um jantar com o meu pai, eu fui visitá-lo em Washington. Mas ele chamou o governador e o filho dele. Eu não sabia quem ele era, eu não sabia que ele estaria no jantar também. Eu e o Brad não temos nada, ok? Isso é só o meu pai querendo me juntar com alguém que ele aprove, querendo se aproximar ainda mais de alguém importante para poder ter maior influencia na Casa Branca ou seja lá onde...

– Isso está realmente acontecendo? – ele parece estranhamente distante mentalmente, seus olhos estão encarando o chão, sua testa está franzida e sua boca entreaberta. Não acho que ele tenha escutado uma única palavra do que eu acabei dizer.

– O quê?

– Está acontecendo tudo de novo, não está? – sua voz é neutra e eu não entendo.

– Do que você está falando? O que está acontecendo de novo?

– Você fugindo de nós, você escolhendo tudo menos a mim.

Agora eu que enrugo minha testa:

– Eu não acredito que você esteja dizendo isso.

– Por que não? É a verdade.

– Não, não é mesmo – altero minha voz.

Então as portas do elevador se abrem e eu o puxo para o lado de fora do hotel.

– Você realmente parou para pensar um pouco nesses dois anos? Porque eu acho que não, eu acho que o que você acabou de me dizer é mentira, é tudo mentira. Na verdade acho que você não parou sequer uma única vez para pensar em nós.

– Liz...

– Não! Eu não quero ouvir. Eu sempre escolhi você, todas as vezes. Eu escolhi você ao invés do Leonard, você acha que se eu não sentisse nada por você, se eu pudesse simplesmente ignorar o que você me causava naquela época, eu não teria voltado para ele? Ele saiu de Los Angeles e foi até Washington só para saber como o meu pai estava, para saber como eu estava. E eu escolhi você ao invés do Philip, você sabe disso. E eu escolhi você ao invés do Ryan.

Engulo em seco me lembrando daquele dia:

– Quando eu entrei naquele taxi no dia do acidente não foi porque eu escolhi o Ryan ou... Se Deus existe, que Ele me perdoe por dizer isso, mas eu não vim até o Empire porque eu escolhi o bebê, eu vim porque eu escolhi você... Eu até escolhi você ao invés do meu pai. Mesmo quando eu fui embora, eu escolhi você, você pediu para que ficasse longe e eu sabia que aquilo estava te fazendo mal assim como estava me fazendo... Então não me venha dizer que eu escolho tudo menos a você, porque eu sempre escolho você, Chuck. Sempre.

Paro um pouco ofegante e com algumas lagrimas pedindo para escorrerem.

Espero que ele diga algo, diga qualquer coisa, faça qualquer coisa.

“Por favor, não me deixe ir. Por favor...” repito mentalmente enquanto ele me olha.

Tento em vão saber o que ele está pensando através de sua expressão, mas seu rosto está sério, frio, livre de sentimentos, quase como se ele fosse imune a tudo o que eu acabei de dizer, como se ele pudesse imune a mim.

Então espero mais, espero mais do que se consideraria adequado, mais do que a garota na tela do cinema ficaria para que o garoto finalmente resolvesse agir. No filme ela já teria se virado e ido embora, ela já teria entendido o recado e simplesmente seguiria o caminho contrario enquanto ainda a restava algum orgulho, antes que aquilo se tornasse ridículo.

E acontece, a situação se torna ridícula e embaraçosa, mas Chuck não parece ser atingido por isso como eu sou. Por que ainda estou aqui? Por que é tão difícil dar as costas? Talvez seja porque se eu fizer isso, estarei escolhendo a outra opção e não ele.

Continuo sem me mover: “Estou aqui, estou esperando, estou te dando a chance, estou escolhendo você. É tão difícil de ver? Não me deixe ir. Eu não quero ir.”

Vejo o vulto de alguém que passa pela rua pelo canto do olho e isso me faz voltar do transe em que havia entrado. Desvio enfim meus olhos dos dele.

“Não me deixe ir.”

Aperto os olhos fechados por um segundo e finalmente digo:

– Você sabe onde me encontrar quando quiser falar. Falar qualquer coisa.

Minha voz sai mais baixo do que eu espero, é quase um sussurro. Então noto minha garganta seca, seca pela agonia que se exalara em mim.

“Não me deixe ir.”

Respiro fundo, não tão fundo quanto devia, acho que não há forças para tal ato. Então me viro para ir embora.

“Não me deixe ir... É tão difícil assim segurar o meu pulso como você sempre faz, Chuck? É tão difícil assim?”

Então, após alguns passos descubro a resposta. Sim, é difícil demais para ele fazer isso.

–x-

Não tenho pressa de chegar em casa ou algum interesse em pegar um taxi, mas meus pés começam a implorar por descanso e logo avisto um pequeno restaurante, ou seria uma cafeteria? Não sei dizer.

Atravesso a rua para chegar até lá e me sento em uma das minúsculas mesas do lado de fora que ficam separadas da calçada apenas por uma baixa cerca de ferro pintada de preto e por alguns vasos de flor.

Abro minha bolsa e fico surpresa com o horário. 23h58.

Talvez eu realmente tenha passado tempo demais fora de Nova York, talvez eu tenha desacostumado com a ideia de que aqui ninguém deixa de fazer nada devido à hora.

Vejo uma ligação perdida de um número desconhecido e sem prestar muita atenção se era uma ligação internacional eu clico em retornar convicta de que era minha mãe que tinha me ligado.

– Oi – ouço uma voz inesperada.

Paro um momento encarando o vazio e finalmente digo:

– Oi... Brad?

– Desculpe ter te ligado, eu... Bem, por favor, não me ache um maníaco por ter o seu telefone.

– Talvez seja tarde demais para você me pedir isso – brinco e o ouço rir.

– Bom, sei que você está brincando, mas isso é porque você não sabe que talvez, e eu estou dizendo que só talvez, eu tenha roubado o seu numero do celular do seu pai.

Abro um sorriso imaginando a cena.

– Tem certeza de que você não é um sequestrador?

– Depois de tanto álcool que eu ingeri hoje, eu tenho certeza de pouquíssimas coisas e ser ou não um sequestrador não é uma delas.

– E quais seriam essas coisas?

– Na verdade são coisas bem aleatórias, como saber que o natal ainda não chegou, que eu terei uma insuportável dor de cabeça amanhã e que eu quero muito sair com você... E que eu irei me arrepender disso pela manhã.

– Brad.. – eu não podia dispensá-lo bêbado. - Por que você não para de beber e nós conversamos amanhã?

– Isso seria ótimo.

– Sim, isso seria ótimo.

Desligo e pego o cardápio que está apoiado entre o enfeite de mesa e o saleiro tendo apenas uma única preocupação pela próxima uma hora e meia: comer qualquer coisa que envolvesse chocolate.

Posso estar sendo egoísta por estar sentada aqui como se não houvesse problemas para lidar. Mas já é meia noite e eu preciso de um tempo, uma pausa em tudo isso. Então é tudo o que me dou: uma hora e meia para ignorar o mundo fora daquele restaurante. Porque quando você se sente sendo segurada por um fio, quando você sente que pode desabar a qualquer instante, está tudo bem em dar um tempo.

–x-

Saio do restaurante e minha cabeça volta a se encher de vozes e problemas. Pego um taxi e algum tempo após rodar um pouco por Manhattan, paro no prédio de Nate com uma sacola de papel pardo e alças de palha.

– Liz? – a mãe dele me recebe.

– Olá, Sra. Archibald. Eu não queria incomodar, mas o Nate não atende o celular e passando por aqui eu vi a luz do quarto dele acesa...

– Claro, querida, não é incomodo nenhum. Você sabe, a Blair e o Nathaniel não estão passando pela melhor fase do relacionamento, eu sei que o Charles está lidando com muito coisa e agora isso. Não sei se ele consegue aguentar, ele não quer falar com ninguém desde que voltou, provavelmente só está tentando não preocupar os outros. Mas talvez você consiga falar com ele, isso seria ótimo.

– Claro, eu vou tentar.

Subo as escadas e bato na porta:

– Nate, eu posso entrar?

Não há respostas, mas sei que ele está lá, então entro do mesmo jeito.

Vejo-o na varanda, debruçado sobre as grades e olhando para a cidade:

Deixo minha bolsa em cima da cama e em silencio vou até ele. Paro ao seu lado e apoio minhas mãos na grade enquanto o vento sopra em nossa direção.

– Não quero conversar – é tudo o que ele diz e parecia que era tudo o que o ouviria dizer.

– Eu nunca disse que vim aqui para conversar – falo no mesmo tom baixo e sereno. – Sabe algo sobre Nova York? Não importa a hora, o dia ou quantos anos você tem, nunca é cedo ou tarde demais para se conseguir o que quer. Nem mesmo que isso seja uma boa garrafa de whisky... Eu sei que eles dizem que não se deve beber para evitar os problemas, que isso pode levar ao vicio, que não é a solução, que é errado. Mas eu acredito que todo mundo terá um dia em que as coisas apenas serão difíceis demais. Difíceis de falar, de sentir, de encarar... E quando esse dia chegar, você pode se dar ao direito de perder a cabeça por um instante. Hoje eu acredito que seja um desses dias.

Ele me olha:

– Por que está fazendo isso? Por que está aqui?

– Regra numero um: pessoas não deixam amigos beberem sozinhos.

Estendo a garrafa e ele aceita. O observo se sentar no chão encostando suas costas na porta de vidro da varanda e me convidar para fazer o mesmo. N dá um generoso gole e me passa a bebida:

– E qual seria a regra numero dois?

– Não existe regra numero dois – respondo e bebo um pouco fazendo uma careta.

– Por que não?- ele pergunta dando risada por eu achar o whisky muito forte.

– Porque nós não precisamos da regra numero dois ou de nenhuma que não seja a numero um. A regra numero um não é algo fixo, ela muda conforme as necessidades de cada dia e a necessidade de hoje é beber.

Ele dá mais um gole enquanto se mantém olhando para a cidade através da grade escura de ferro.

– Isso soa muito como outra regra para mim.

–x-

“Dias ruins, todos nós temos e todos nós odiamos ter. Mas viver vem acompanhado de coisas boas, outras não tão boas e de coisas péssimas.

A parte difícil mesmo de viver é quando chega aquele momento em que ‘péssimo’ não é o suficiente para caracterizar o quão ruim estamos. Então nós fugimos, nos isolamos, tentamos nos encontrar em outras pessoas... Fazemos de tudo apenas para conseguir continuar por mais um dia e na manhã seguinte precisar recomeçar a luta do zero, porque quando o sol nasce ele trás consigo a realidade do mundo em que nos encontramos e todos nós sabemos o quanto a realidade dói.

And who am I? That’s one secret I’ll never tell.

You know you love me.

Xoxo, Gossip Girl.”