– Ok, Mike. Aperte o botão.- com o lábio inferior entre os dentes, em visível concentração, Mike inclinou-se para a frente, no meu colo e acionou o botão da máquina de sorvete.

Uma massa verde-limão saiu e caiu no copo que eu estava segurando. Nem quis pensar no que ia naquela massa para ficar daquela cor; às vezes a ignorância era uma bênção.

– Ok, chega.

Mike olhou para mim.

– O que você disse, papai?

Eu fiz uma careta quando a massa gelada extrapolou o copinho e sujou meus dedos.

– Pare!

– Ok.

Mike soltou o botão e se aprumou.

Eu o desci de meu colo, peguei alguns guardanapos, limpei e copo e o entreguei a ele, que sorriu abertamente.

– Eu fiz direitinho?

Eu retribui o sorriso.

– Você foi incrível.

Eu movi os dedos e suspirei ao contemplar minha mão lambuzada. Em seguida, procurei por Ben e Erik, que estavam olhando revistinhas enquanto sorviam sorvetes com cor de uma hecatombe nuclear.

– Fiquem olhando Mike.- eu pedi aos dois mais velhos.- Não saiam daqui, vou lavar as mãos.

– Claro.- ambos concordaram.

Quando voltei, não havia mais ninguém por ali: nem os garotos, nem o balconista, nem a cliente.

Eu corri apavorado em direção ao carro, imaginando o pior. Sequestro? Roubo? Mas se eles somente estivessem escondidos, levariam um sermão exemplar ao chegarem em casa. Mesmo que já estivessem no carro, iriam ouvir. Afinal, o que custava ficarem três minutos parados? Já não estava fazendo tudo o que eles queriam? Até mesmo queria casar com a mãe que eles escolheram! Está certo que isso seria muito mais fácil se...

Se a futura mãe em questão não estivesse pendurada na porta de uma perua velha, que por acaso se precipitava na direção de uma estrada movimentada.

Eu empalidece.

– O que diabos...

– Olha só que legal, papai!- gritou Ben.

Ele e os irmãos estavam na calçada, perto de onde o balconista tentava consolar uma jovem histérica que mascava um chiclete enorme, chorando.

– Bella vai salvar o irmãozinho daquela garota.

“ Ah, claro. Isso se ela não morrer antes”, eu pensei.

– Fiquem aqui!- eu gritei para meus filhos em um tom que não deixava dúvidas quanto aos riscos de uma desobediência.

Com isso, sai colina abaixo, com o balconista e a garota em meu encalço.

Embora eu tivesse chegado perto o suficiente para ver o que ocorria, eu estava longe demais para fazer o que quer que fosse.

Bella se remexia, tentando entrar no carro. Finalmente, ela conseguiu apoiar o joelho, empurrar o garotinho para o lado e pegar na direção. Deu um puxão violento, e o carro começou a andar paralelamente à estrada. Para mim, demorou muito tempo até que os pneus finalmente derrapassem no acostamento.

A perua ainda andou alguns metros antes de parar, sem o risco de ser atingida por outros carros. Eu quase escorreguei no cascalho perto da janela do motorista. Ofegando, abaixei a cabeça, tomei fôlego e me aproximei para puxar Bella pela janela. Ela já estava fora do carro quando o balconista e a garota chegaram. Soluçando aliviada, a moça abriu porta do carro e pegou o menino no colo, abraçando-o fortemente.

Eu segurei Bella pelos ombros, dando-lhe uma leve sacudida.

– Você está bem?- perguntei desesperado.

Ela me fitou, estonteada e pálida.

– Edward?

– Você está ferida?

Ela tentou rir.

– Não. Não, é claro que não.- ela ergueu ambas as mãos, indiferente ao fato de elas estarem tremendo.- Está vendo? Nenhum arranhão.

Nesse momento, a garota cuja negligência quase se transformou em tragédia aproximou-se, com o garoto agarrado a seu colo.

– Obrigada.- ela disse nervosamente, apertando a mão de Bella.- Se algo tivesse acontecido com o Léo, não sei o que seria da minha vida.

A voz lhe faltou e ela começou a soluçar copiosamente.

– Venha Leila. É melhor ligar para seus pais. Acho que você não deve dirigir.

Leila mal podia falar de tanto que soluçava. O balconista se aproximou, pôs a mão em seu ombro e a levou.

Visivelmente impaciente eu disse a Bella:

– Tem certeza de que está bem?

– Estou ótima.

– Graças a Deus.

Eu a ergue nos braços e a abracei, com tal força que por um milagre não lhe parti nenhuma costela.

– Droga, eu envelheci dez anos nos últimos cinco minutos.- eu afundei meu rosto nos cabelos negros, beijando-a repentinamente.- Será que não percebe que eu... – eu respirei fundo e engoli em seco.- Que eu...

– O quê?- ela perguntou, com o coração na garganta.

– Que eu acho que esta foi a coisa mais absolutamente estúpida e irresponsável que eu já vi?- eu disse, furioso, afastando-a rapidamente de mim.

PV Bella

Eu fiquei completamente confusa. Por um instante, eu poderia jurar que ele estava por se declarar que me amava

– O que você está dizendo?

– Tem muita sorte por não haver morrido! Quem diabos você pensa que é?

Eu precisei segurar o queixo.

– Quer repetir, por favor?!

– Você ouviu muito bem!- ele urrou.

– A cidade inteira deve estar ouvindo você gritar!

– Não mude de assunto e responda! O que diabos pensou que estava fazendo?

Eu respirei fundo.

– Exatamente o que você viu. Tentando impedir que um carro descontrolado atravessasse a estrada com uma criança dentro.

– Muito bonito!- ele ralhou, como se eu tivesse confessando que tinha corrido nua pelas ruas de Port Sandy.

– Foi isso mesmo.

– Bem, e se algo tivesse saído errado? E se aquele carro estivesse com a direção travada e atravessasse a estrada com você dentro? E se um caminhão pegasse vocês?

– Mas deu tudo certo!

– E se sua mão escorregasse da direção e você caísse? Já pensou nisso?

– Mas não foi o que aconteceu!

– Será que não passa por essa sua linda cabecinha que poderia ter morrido? Mas você se importou? Não, diabos! Só saiu correndo como uma louca, sem pensar nas consequências...

Eu pisquei pasma.

– Ora, pelo amor de Deus! O que eu deveria ter feito? Ficar olhando o garotinho virar papinha debaixo de um caminhão?- exasperada, eu balancei a cabeça.- Essa foi a coisa mais estúpida que eu já ouvi.

Os olhos de Edward transformaram-se em dois dardos dourados.

– Ora, então me desculpe! Estou incomodando a mocinha som minhas preocupações descabidas? Ah, esqueci que esse tipo de aventura é muito natural em sua vida. Quando você disse que iria fazer um livro, cheguei a pensar que poderia haver um futuro para nós, mas agora...

– Como?

– Agora eu percebo eu estava errado! Mas foi melhor perceber agora, antes de ter feito o pedido, porque um leopardo perde as listras, mas jamais a pose!

– São pintas.- eu disse automaticamente.

Ele me fitou com um olhar incrédulo.

– Que seja! Está tudo acabado. Para mim, chega!

Edward me deu as costas e saiu como um raio.

Completamente aturdida, eu fiquei observando, tentando entender o que acabou de acontecer. Era óbvio eu ele tinha ficado assustado, quase tanto quanto eu. Mas se eu não estivesse louca, ele acabou de retirar um pedido de casamento que nem sequer fez!

Eu respirei fundo, balancei a cabeça e sai atrás dele. Antes que eu o alcançasse, os garotos se aproximaram correndo, falando todos ao mesmo tempo.

– Foi tão legal!

– Puxa, foi como nos filmes!

– Você tinha que ser estrela de cinema!

Agarram-se a mim enquanto nos dirigíamos ao carro, eles me tocavam e me alisavam, para se certificar de que eu não estava ferida.

– Você foi muito corajosa, Bella!

– Você ficou com medo?

– Aposto como o carro ia a cem quilômetros por hora!

– Que nada! Aposto como ia a duzentos!

– Você é nossa heroína!

– Chega, rapazes.- disse Edward secamente, abrindo a porta de trás do Mercedes.- Entrem no carro e ponham os cintos.

Todos nós nos voltamos para encara-lo.

– Bem? O que estão esperando? Entrem no carro!

– Mas, papai...

– Agora!

Os garotos arregalaram os olhos. Por alguns instantes, nem se moveram. Mas avaliaram a expressão do pai e obedeceram.

Sem mesmo me olhar, Edward bateu a porta de trás, abriu a porta do motorista, entrou e deu a partida.

Eu entrei no carro fingindo uma calma que eu estava longe de sentir.

– Não sei porque você esta tão zangado.- disse Ben depois que ele entrou.

Edward respondeu friamente.

– Fique quieto.

– Mas, papai. Foi tão legal! Vi um cara na TV fazer a mesma coisa, só que não deu muito certo.

Edward me lançou um olhar significativo.

– Isso não me surpreende.

– Escute aqui...- eu comecei.

– Ih, papai...- Ben disse ao mesmo tempo.

– Não quero ouvir mais nada. De ninguém.- Edward vociferou.

Eu cruzei os braços. Só consegui ficar de boca fechada porque o que eu tinha a dizer não podia ser na frente dos garotos.

Com isso, a volta para casa foi silenciosa. Edward estacionou nos fundos da casa e todos saímos.

– Vão procurar a Sra Rosenclay.- eu pedi aos garotos.

– Ok.- Mike e Erik correram para a cozinha.

Ben bateu o pé.

– Mas...

– Por favor.

Ele olhou para o pai, para mim, e deu de ombros.

– Está bem.- concordou, com relutância, saindo em seguida.

Edward me olhou cinicamente.

– Obrigado, Srta. Swan, por se meter nos meus assuntos. Como sempre.

Ele se afastou na direção do pátio, atravessou-o, ganhou o quiosque e desapareceu.

Eu fui atrás dele.

No momento em que cheguei à piscina, ele estava tirando da água folhas e insetos com uma rede apropriada.

Eu pus as mãos na cintura.

– Sabe, apesar de seu bumbum ser encantador, não vejo a hora de chuta-lo.

Ele ergueu os olhos.

– Acredite, o sentimento é recíproco.

Pescou um enorme gafanhoto morto e depositou-o bem perto do meu pé.

– E então? Não vai me contar o que está acontecendo?- eu indaguei.- Por que está tão zangado? Que coisas você estava por dizer sobre... nós.

– Esqueça.

– Edward...- eu ameacei.

Ele ergueu os olhos inexpressivamente.

– Já disse: esqueça! Eu me descontrolei e disse coisas que não devia. Peço desculpas. Pronto.

– Ah, não, senhor!

– Bem, então você quer ouvir, não quer?- ele deu de ombros com exagerada paciência.- Prepare-se, então. Eu ia pedir que você se casasse comigo. Agora não vou mais.

Nesse momento, ele parecia tão teimoso como qualquer um dos pequenos Cullens. Mas eu não estava disposta a aceitar teimosias.

– Por que não?

– Por que não? Porque os garotos merecem uma mãe que não morra de um instante para o outro, eis por quê! Alguém que não corra atrás do perigo. Eles já perderam uma mãe e eu não posso faze-los passar por uma nova perda.

– Ah, agora estou entendendo. Está fazendo por eles. Era por isso que ia se casar comigo?- eu perguntei pausadamente.- Pelos garotos?

Edward assumiu um tom levemente defensivo.

– Bem, você é ótima para eles, e eles são loucos por você.

– E?

Ele deliberadamente preferia fazer-se de desentendido.

– Também gostam de mim, mas você aqui eu não teria que me preocupar quando estivesse viajando.

– E?

Ele titubeou.

– Bem, acho que nos damos melhor que a maioria dos casais. E você não pode negar que o sexo entre nós é fantástico.

– Ah, nada além de sexo?

Ele começou a ficar desconfortável com a minha postura firme.

– Também faz parte, por que não? Além do mais, você teria a família que nunca teve enquanto criança. Sem falar que também ficaria com tudo isto.- ele fez um gesto abrangendo a piscina, a casa e o terreno.- Não precisaria se preocupar com dinheiro.- ele disse, baixando a voz ao me fitar.- Nem precisaria trabalhar. Eu tomaria conta de você.

– Mas... quanta gentileza, quanta bondade!- eu comecei a bater o pé no chão.- Deixe-me ver se entendi direito: você iria me dar dinheiro e um teto para eu passar a limpo minha infância com seus garotos. E, como benefício, você me levaria para a cama sempre que aparecesse. E em retribuição eu só teria que ficar em casa devotando-me a você e a seus filhos. Mas então eu estraguei tudo me arriscando para salvar a vida de uma criança estranha, provando que não sou capaz de me manter viva para você e para os garotos.

Ele corou ao perceber como soava a situação colocada naquela forma, mas ainda assim ele se recusou a ceder.

– A situação não é tão simples como você está colocando, mas acho que entendeu.

– Ora, você sabe o que eu estou pensando Edward? Isso não tem nada a ver com os garotos. Não foram eles que ficaram chocados no Mini-Mart.

– O que os garotos entendem da vida? Eles não têm juízo para ter medo quando deveriam.

– Exatamente. Mas o mesmo não se aplica aos adultos, correto?

Ele titubeou.

– Aonde está tentando chegar?

– Acho que ficou assustado por você mesmo. Quando Tania morreu, você saiu de uma vida “perfeita” para um nada, em que só havia solidão. E tem trabalhado duro para manter as coisas dessa forma. Deus sabe que muitas pessoas se ajoelhariam para agradecer por terem dinheiro, poder, uma boa aparência e três garotos maravilhosos e sadios. Mas não você. Você passou quatro anos de sua vida mantendo as pessoas afastadas, porque isso o mantem seguro. Porque você não pode perder o que não tem, pode, Edward?

– Você não sabe do que está falando!

– Talvez não. Mas ainda acho que ficou zangado por perceber que gosta de mim mais do que planejou e agora está morrendo de medo!

– Ah, essa é boa!- ele zombou, furioso.- Pensei que uma boa repórter como você lidasse com fatos, e não com ficção.

Eu finalmente perde a paciência.

– Você quer fatos? Pois eu vou lhe dar fatos. Fato um: não tenho medo de admitir quando gosto muito de alguém! Fato dois: eu não tenho vergonha de admitir que cometi um erro, como o de me apaixonar por você! E fato três, o ultimo, mas não menos importante: eu só me casaria com você se se ajoelhasse, declarasse os eu amor incondicional por mim e beijasse os meus pés, seu chauvinista!

– Já terminou.- ele replicou.

– Não completamente.- sem pestanejar, eu o atirei na piscina.- Agora eu terminei.

Lhe dei as costas e fui para a cabana.