A Máscara e a Rosa

Capitulo 1 – Aparências


Londres em 1900. Uma cidade no auge da Revolução Industrial. Apesar de ainda se verem carruagens nas ruas, algumas famílias, as mais ricas, tinham a invenção do século: o automóvel.

Era uma cidade efervescente. Cheia de gente por todos os lados: comerciantes, burgueses, nobres e aristocratas. Mas, como em todas as grandes cidades europeias daquele tempo, Londres tinha sombras. Ladrões, prostitutas, pedintes e todo o tipo de marginais considerados a corja da sociedade e que todos tentavam esconder.

Muitas famílias eram assim: viviam de aparências. Principalmente as ricas.

A Família Li não era diferente. Descendente de um aristocrata chinês que viera para Inglaterra ainda no século XIII e que ali alargara a sua fortuna ao comércio de tecidos, viviam numa luxuosa mansão nos arredores da cidade. Era uma das poucas famílias a adquirir o automóvel, ainda que preferissem usar a carruagem pois diziam ser «mais segura e confiável».

A mãe, Viviane, uma mulher magra de cabelo claro, olhos da mesma cor, nariz empinado. «A cara perfeita no corpo perfeito». Era assim que gostava de ser conhecida. Sempre vestida com as melhores roupas, os melhores sapatos. Penteada pelos melhores cabeleireiros. Frequentava, como todos os nobres, os melhores lugares, os clubes mais caros, os restaurantes mais requintados.

O pai, Jonathan, um homem esbelto, de cabelo castanho-escuro, olhos da mesma cor. Também vestia sempre os melhores fatos e calçava os melhores sapatos e usava o cabelo sempre impecavelmente penteado. Apesar da sua aparência amável, era um homem amargo, austero e autoritário. Gostava de impor as suas regras. Com ele, não havia atrasos: desde refeições até compromissos de trabalho. Todos os horários tinham de ser escrupulosamente cumpridos. «Só assim se consegue ser produtivo e uma pessoa decente» dizia.

Só tinham um filho, um rapaz de cabelo e olhos castanhos. Chamava-se Sharoan, em homenagem ao seu avô. Não era muito alto, mas destacava-se entre as outras crianças da sua idade. Também vestia roupas caras, por imposição da mãe, que o mimava muito. Fazia questão de o levar às suas reuniões nos clubes «chiques», que ele detestava, mas ela dizia que «um homem de verdade deve frequentar lugares da sua classe». Nesses locais, era exibido como um troféu, «o filho perfeito» como costumava vincar.

Para ele, não passavam de desfiles quase carnavalescos: as roupas, os penteados, as poses. Até o modo como o olhavam: como se fosse um cachorrinho amestrado que seguia a dona enquanto esperava por um doce ou uma festa.

Aguentava sempre calado ou com um sorriso cínico, tal como a mãe lhe ensinara. Até quando era apresentado a raparigas vestidas como bonecas que lhe estendiam a mão em gestos quase forçados.

Depois das exibições públicas, quase sempre humilhantes para ele, regressavam a casa. Era a melhor parte. Corria para o quarto e fechava-se lá até à hora do jantar. Era o único sítio onde podia ser quem realmente era: um rapaz sonhador, que queria conhecer o mundo. Sonhava ir ao país dos seus antepassados: a China, mas também a outros. «Um dia, liberto-me desta prisão e atravesso o oceano num barco grande. Serei o maior explorador que mundo jamais viu» Pensava todas as noites antes de dormir.

Num outro extremo da cidade, numa outra casa igualmente luxuosa mas mais modesta, vivia uma outra família. Esta não ligava tanto às aparências, preferia as coisas simples da vida.

Sakura era uma rapariga doce, amável e alegre. Tinha o cabelo castanho-claro curto e olhos verdes. Gostava de correr pelo jardim da sua grande casa com os pés descalços. Vestia sempre roupas simples e leves que lhe permitiam uma grande liberdade de movimentos.

Descendente de uma família de mercadores japoneses que viera para a Europa em busca de melhores condições de vida, os pais de Sakura eram pessoas amáveis e sempre otimistas em relação à vida.

A mãe, Nadeshiko, era uma mulher extremamente alegre. Tinha o cabelo cinzento comprido e olhos verdes. Tal como a filha, também gostava de usar roupas simples. A sua principal atividade era a pintura. Já expusera nas mais conceituadas galerias da Europa e do Mundo e os seus quadros eram sempre admirados por quem os via.

O pai, Fujitaka, era um homem de aspeto austero mas extremamente amável e divertido. Tinha sempre uma piada pronta para divertir os seus convidados bem como os clientes com quem negociava chá e outros produtos japoneses. Para trabalhar, vestia fato mas em casa gostava de usar roupas leves. Tinha o cabelo castanho e olhos da mesma cor.

A filha fora batizada em homenagem à Primavera do Japão e ao seu maior tesouro: as flores de cerejeira. Algo que faziam questão de preservar. Tanto que no dia do seu nascimento, plantaram uma cerejeira no quintal à sombra da qual a pequena Sakura gostava de brincar.

Sharoan gostava de ler. Lia muito, principalmente aventuras de grandes exploradores ou piratas sedentos de tesouros. Gostava de se imaginar no seu papel. De capa e espada, um herói destemido!

Até chegar a hora das suas aulas particulares. Naquela altura, muitas famílias ricas optavam por contratar professores particulares, para os seus filhos por dizerem que «as crianças de uma certa classe não devem misturar-se com as gentes do povo».

A professora era rígida. Uma mulher de meia-idade de cabelo grisalho apanhado num toutiço e olhos da mesma cor. Usava um vestido quase da mesma cor do cabelo mas mais escuro.

Todos os dias á mesma hora, sentava-se na sala de visitas e tinha aulas. História, Geografia, Matemática e um pouco de Religião faziam parte do conjunto de lições. Ele gostava de aprender mas também de ter mais gente com quem pudesse partilhar os seus conhecimentos. Nunca tivera um amigo verdadeiro. Alguém com quem conversar sobre os seus sonhos.

Sakura, por outro lado, andava na escola pública como todas as crianças da sua idade. Todos os dias, convivia com crianças e até já tinha um grupo de amigas que frequentemente convidava para irem a sua casa.

Com aparência natural ou aparente naturalidade, a vida de Shaoran e Sakura decorria sem grandes sobressaltos. Até que, um dia, a máscara caiu.

Continua…