A Mensageira

Capítulo 6 -Novos Rumos


Saí do banho, perplexa. Thiago não poderia gostar de mim. Conhecíamo-nos a menos de um dia. Mas, detesto admitir, Lizzie tem razão. Quanto a mim pelo menos. Eu tinha, no mínimo, uma queda por Thiago. Não notei que ela prestava atenção em mim até ela falar:

-Que tatuagem bonita! Nunca vi uma tão brilhante, e em um lugar tão sexy. Arrasou. Ficou perfeita. –Lizzie se referia à estrela de cinco pontas em minha pélvis. Corei.

-Obrigada.

Vesti-me rapidamente e calcei as sandálias. Fiz uma trança embutida, uma vez que não tive tempo de lavar meu cabelo e ele deveria estar horrível. Saímos e os meninos já estavam nos aguardando.

-Que demora! –Reclamou Will. Lizzie não disse nada e o agarrou em um beijo de tirar o fôlego. As mãos dele rapidamente foram à cintura dela, e ele a ergueu no ar.

-Você está linda, Ellie. –Thiago é que estava lindo. Com uma calça cáqui e uma blusa branca de gola V, ele parecia a encarnação da beleza.

-Obrigada.

-Vamos logo, porque já estamos atrasados. –Lizzie disse e saiu puxando Will. Thiago veio andando desconfortavelmente ao meu lado.

-Tudo bem? –Perguntei.

-Tudo. O que Lizzie falou para você sobre mim? –Seus olhos ardiam em curiosidade.

-Nada! –Lizzie gritou. –Não diga nada à ele!

Eu ri um pouco e, quase inconscientemente, peguei a mão de Thiago. Bom, peguei os dedos, mas ao ver isso, ele puxou minha mão e a envolveu.


Andamos em um corredor lotado, e fomos observados os tempo todo. Thiago parecia mais confortável, mas preocupado em me proteger dos olhares, como se eles me queimassem. O braço direito de Thiago estava sobre meus ombros, e sua mão esquerda pegando a minha. Quem nos viu achou que éramos um casal. E ele pareceu gostar disso. Será que a Lizzie estava certa? Será que um cara como o Thiago poderia gostar de mim? Não. Ele só deve estar tentando ser solidário, por causa de toda a história com meus pais. Um cara como ele não gosta de uma garota com eu. Essa é uma das certezas do Universo. Não é? Entramos em uma sala com vista para o mar, com decoração clássica e janelas amplas, e cinco poltronas corretamente posicionadas, formando um círculo.

-Nossas aulas são mais informais. –Sussurrou Thiago em meus ouvidos.

-Percebi. –Soltamos uma risadinha.

-Que demora! –Tio Joe falou.

-Tirou as palavras da minha boca, tio. –Disse Will.

-Tio? –Perguntei à Thiago, enquanto nos assentávamos em poltronas perto umas das outras.

-O Will já é da família. Você também pode chamá-lo de tio, se quiser. –Ele soltou um de seus sorrisos.

-Seja bem vinda, Ellie. –Disse o tio. –Vamos começar. Alguém sabe o que significa o termo “delectationem”? –Ninguém se posicionou, então eu intervi.

-Vem do latim, e significa “encantar”. É o que ocorria na Roma Antiga entre um Deus Romano e um Humano.

-Muito bom, Ellie. No nosso caso, ocorre quando um de nós faz com que um humano ou um simples Caçador se apaixone. Os resultados quase sempre são desastrosos, uma vez que uma união entre seres tão fortes como nós e seres mais fracos, como eles, altera o equilíbrio entre o nascimento dos Quatro Grandes.

-Como assim? –Perguntou Thiago.

-Nossa espécie só nasce definitivamente Grande caso dois Grandes se reproduzam. Caso apenas um pai seja Grande, seus poderes ficam diminuídos e ainda há o risco de você nem sequer TER poderes. Nunca é bom arriscar. –Lizzie ainda parecia confusa, então Joe resolveu dar um exemplo. –Supondo que você e o Will tenham um filho, ele seria um Grande, sem dúvida alguma. Agora, se você tivesse relações com... O Marcus, por exemplo, o nascimento seria de risco, e a criança poderia ou não ser uma Grande.

-Mas, espera. Apenas o Thiago e a Lizzie, pelo que eu sei, tem pais cem por cento Grandes. Meus pais são cientistas, e, a menos que o Will seja irmão de algum deles ou seu filho, como poderíamos ser Grandes? –Digo confusa.

-Os Grandes nascem em várias partes do mundo. É por isso que são raros. Imagine encontrar outro Grande para ter um filho em um mundo com bilhões de habitantes! É quase uma sorte gigantesca. –Concluiu o tio.

-É verdade, Ellie. Meus pais são Grandes da América Latina. Os únicos por lá, pelo que sabemos. Eles só me mandaram para cá porque essa era a melhor escola de Caçadores, também porque eu já tenho quatro irmãos Grandes. E meus pais ainda lutam. –Explicou Will.

Uau! Mas, espera... Tem um erro nisso! Um erro sério!

-E meus pais? –Perguntei. Os rostos empalideceram. –Eles não têm poderes. Do contrário, teriam lutado contra os lobos, e não teriam me temido! Os rostos deles estavam apavorados!

Ninguém falou nada. Porque eles sabiam que havia, realmente, um problema ali. Ou meus pais eram ótimos atores, ou não eram meus pais. A primeira opção não era possível. Eles eram cientistas, caramba! Eu me levantei. Não sentia meus músculos, e não sabia o que eu estava fazendo. Eu só saí porta afora. Corri pelos corredores, e atraí olhares confusos e curiosos.

-Ellie! Calma! Espera! –Era Thiago. Corri mais, e prendi a respiração. Isso me acalmava, surpreendentemente.

Quando parei, vi que estava no jardim principal. Thiago veio para o meu lado, e eu me dobrei nos meus joelhos. Que merda a minha vida foi virar? O que eu fui fazer comigo mesma? Porcaria! Eu tenho que ver meus pais, eles são as únicas pessoas que podem me ajudar agora. As únicas capazes de me acalmar. Thiago já tinha se ajoelhado.

-O que você vai fazer? –Ele não me tocava, mas olhou nos meus olhos.

-Eu sei que estou sendo uma chata nas últimas horas. –Levantei-me, olhando em seus olhos. –Só preciso falar com meus pais mais uma vez. Então poderei responder à sua pergunta. E você não terá que me aturar choramingando e sofrendo para todos os lados.

-Eu não sou feito de pedra ou gelo, Ellie. Para não sofrer numa situação dessas, é preciso ser insensível. –Ele me olhou com compreensão. –Quer companhia?

-Não. Eu tenho que fazer isso sozinha. Não se preocupe, eu volto em pouco tempo.

Olhei para Thiago e saí correndo. Fui ao hotel e encontrei meus pais arrumando as malas em seus quartos. Os gêmeos não estavam presentes.


Passei pela janela e vi o choque em seus rostos. Não me importei. Era bom que eles se acostumassem comigo assim. Minha mãe recuou e meu pai se postou entre mim e ela.

-Não se preocupe, eu não vou matá-los. –Eu estava fria, mas é um absurdo ter que dizer isso para seus pais! Ou talvez, não pais biológicos. –Eu sou sua filha? –Urrei.

-Não. Olhe para você! Nossa filha não urra, muito menos sabe lutar! –Disse papai.

-Eu já fui sua filha biológica algum dia? –Tentei novamente, contando até dez em meus pensamentos.

-Você não é minha menininha. Saia daqui agora! –Disse mamãe.

-Deixe-me dizer isto de um ângulo diferente, pela última vez: Helena Carter nasceu ou não de você, Catharina? –Esbravejei, me jogando um pouco para frente. Agora ela me diria o que eu queria saber, sempre foi assim. Merda! Essa curiosidade iria me matar alguma hora. Recompus-me rapidamente. –Sim ou não. É tudo o que eu preciso saber.

Catharina chorava copiosamente, e foi George quem respondeu.

-Não! Nós a adotamos, ou TE adotamos. Não faz diferença. Agora você é exatamente o que seus pais não queriam que você se tornasse. Essa maldição de Caçadora, ou até Mensageira! Nós falhamos com a última promessa que fizemos com eles antes de te salvar da Batalha de Inverno. E agora te trouxemos para este lugar porque pensamos que não havia mais perigo. Instruímos-te para que você pudesse ser forte e poderosa, mas te protegemos ao máximo contra seu destino. Satisfeita? Deixe-nos em paz agora! –Esbravejou.

Saí correndo pela janela. Pulei a grade do hotel e fui ao mar. Retirei minhas roupas, ficando apenas de calcinha e sutiã, entrei e nadei cada vez mais para frente.


Se eu me afogasse, eu nasceria diferente? Eu sequer nasceria? Eu não consigo acreditar no que ouvi a poucos minutos. Não tenho pai, nem amigos, nem posses, nem nada que me ajude á sobreviver. Nadei durante algumas horas, esclarecendo meus pensamentos.

Não pode ser assim. Eles não disseram que meus pais morreram. Eles ainda podem estar vivos. E eu tenho três amigos na CCCM, além do tio Joe. Eu posso achar meus pais, posso descobrir meu passado. Eu posso não ser apenas essa pessoa perdida que sou agora. E é isso que farei. Eu posso começar pelo próprio instituto, afinal, meu pai... GEORGE me disse “te trouxemos para este lugar porque pensamos que não havia mais perigo”. Este lugar deve ter alguma coisa a ver com meus pais. É só definir um canto para começar. Voltei para a areia, surpresa por já estar escurecendo. Eu passei mais de um dia sem dormir. Uau. Perto de minhas roupas, encontrei uma carta com um bilhete: “Desculpe-nos. Não podemos mais te ajudar, mas tudo o que você precisa saber está na carta. Seus pais te amavam, assim como nós. Com todo amor do mundo: Catharina e George. PS: os gêmeos sentem sua falta. Não sabemos o que dizer a eles. Adeus.”

Minha mãe havia escrito o bilhete. Minha mãe não. Catharina. Sequei uma lágrima que ameaçava cair, vesti minha roupa e voltei ao instituto. A partir de hoje, eu não choraria mais por isso.