Meu mundo. Ele acabou. Assim como eu. Pelo menos por dentro.

Vim parar noutro mundo. Um mundo que existe uma enorme diferença de mim. Se tipos de vocês olhassem, não veriam muita diferença, não. A verdade, é que eu tenho cabelo azul. Eles, vermelho. Também sempre se acharam mais bonitos. Os lábios mais corados, bem corados, e seus cílios e olhos também são vermelhos. Sinceramente, acho bonito. Os lábios do meu povo não eram azuis, mas pálidos e um pouco puxados para esse tom. Meus cílios são azuis e olhos também. Eu realmente acho cílios azuis mais bonitos. Não é só porque é do meu povo. Acho muito mais bonito o lábio deles. É muito bonito, realmente. Mas o cílio...

Porém, para tipos de nós, é uma diferença tão grande, que chegamos a ter reações a isso. E como sou a única diferente aqui, sofro todo o impacto. Isso é o que tipos de vocês chamam de... Como era mesmo?... Ah sim.

Bullying.

Não sei exatamente o que significa isso muito bem, mas sei o que eu sinto. Medo, angústia, decepção, raiva, tristeza e DIFERENÇA. Quando chego perto deles, eles se afastam, me desprezam, ficam juntos e começam a cochichar, olhando para mim. Pelo que eu sei isso é muito ruim. Eles estão falando de mim, e não tenho coragem para descobrir o que. Se eles estão falando bem ou mal, eu não sei. Mas que isso magoa muito, posso dizer que é verdade.

Dizem que quanto mais você sorrir, se sentir melhor, mais tempo você vive. Se isso é mesmo verdade, é pouco tempo que me resta neste mundo. E eu digo que isso, pelo menos, me satisfaz um pouquinho, porque aí eu descubro que eu vou morrer. Não vou ouvir mais nada, sofrer mais nada, e nem vê-los mais. Pelo menos, quando algum deles morrer quero que fique lá pros céus da Groenlândia.

É. Isso me satisfaz um pouquinho.

Mas só de pensar do tempo que ainda vou ficar aqui, já vem a tristeza de novo, que de tanta tristeza, acaba sendo tempo demais ainda viva.

Nunca na minha vida, desejei tanto morrer.

Certo dia, escutei:

– Olha ela, ali!

– Ela é muito estanha!

– Ela pode fazer alguma coisa com a gente!

A partir daí, eu descobri. Eles realmente falavam mal de mim.

Eles falavam muito baixinho. Mais baixinho que o normal.

Eles falavam tão baixo, que tipos de vocês não escutariam nada. Nada. Mais baixo que um zumbido de... Ah... Zumbido de mosca á 2 Km de distância. Acontece que tipos de nós têm todos os sentidos 1000 vezes mais aguçados que tipos de vocês. Pra eles, o baixinho que eles estavam falando seria o bastante para eu não ouvir.

E seria. Acontece que meu povo desenvolveu uma tecnologia para ser injetada em todas as pessoas de lá. Inclusive as crianças e gestantes.

Depois que todos fossem vacinados, não precisariam mais usar no futuro. Porque agora passaria de genética.

Essa vacina é milagrosa, que nos deixaria saudáveis e imbatíveis. Porque essa vacina aumentava 10 vezes nossos sentidos.

Mas em mim aumentou mais 50 vezes. O porquê eu não devo contar. Jurei sigilo ao meu povo. Enfim, com isso venceríamos vocês num piscar de olhos. Só me restava olhar atrás de um muro enorme eles, com seus filhos, brincando muito. Eu chorava muito com isso. Eu sempre murmurava coisas com intenção que eles ouvissem. Mas eles não têm a tecnologia.

Então eu sempre falhava.

Meu único consolo era uma boneca de pano. A encontrei na minha mão quando acordei em cima duma caixa, atrás desse muro enorme que eu sempre fiquei, quando tinha 6 anos. Hoje tenho 14. Desde então, venho tentando descobrir de onde essa boneca veio, de onde EU vim. E não consigo.

Não sei mais o que resta para eu fazer. A comida é escassa. Não posso fazer nada pra ganhar dinheiro, já que ninguém me aceita em empregos e nas ruas ninguém quer pagar esmola.

Se tenho alguma coisa, ninguém quer vender nada pra mim. Minha sorte é que existem árvores “furutíveras”. Bom, o que eu quero dizer é que elas dão frutinhas, e eu posso colhê-las. O problema, é que se eu fico desavisada das estações, eu não faço meu estoque para o inverno. Durante este período, o que eu tenho a comer é pouco. Costumo fazer uma fogueira, pegar uns bichinhos chamados de vaquinhas, tiro leite, esquento, e misturo na neve. Fica mais ou menos como o sorvete que tipo de vocês tomam... E pra falar a verdade... é gostosinho! Quando quero me esquentar tomo apenas leite. Acho umas panelas com o cabo quebrado ou rachadas, e dá pra fazer muita coisa.

Às vezes, pego leite, misturo com frutinhas roxinhas que eu não sei o nome, e outras frutinhas vermelhas chamadas rasfinhas.

Quando quero me esquentar, apenas pego o enorme casaco que encontrei no parque. Ele é muito grande. Caiu de um enorme homem quando houve uma ventania. Ela tem uns pelinhos, que me esquentam muito. Consegui remendar vários panos grossos para fazer um cobertor. Encontrei facas e coisinhas grudentas para fazer isso.

Consigo aguentar assim desde que cheguei aqui. Mas não pense que é fácil. Fico me perguntando:

Por que isso veio acontecer justo comigo? Queria que um deles sofresse isso também, para ver como eu realmente me sinto. Por que fazem isso comigo? Sim. Agora é certeza: Só tenho duas alternativas. Morrer ou mudar esse mundo. Meu nome é Primery Dállia Rose, e eu vou mudar esse mundo preconceituoso com minhas próprias mãos.