Capítulo 10

- Calma gente, o cara ta tentando dizer algo, vamos esperar, se ele não disser nada, a gente corre pro hospital e... – foi quando eles param de se materializar também, foi um momento tenso, ficamos algum tempo em silêncio, quando Jesse, o cabeça dos mediadores disse:

- Vocês podem começar colaborando, e contando tudo o que aconteceu naquela noite de sábado?

Kristin Clark foi o primeiro a dizer algo, levantou a mão e passou os dedos, frustrado, pelo cabelo louro e curto.

- Olha – disse ele. O som das ondas foi facilmente abaixado por sua voz profunda.

- Na noite de sábado nós íamos a uma festa, a uma festa, certo? – disse ele repetitivamente – nós ainda estávamos indo, quisemos dar algumas voltas na cidade, além de tudo, ainda era sábado... - Ashley interveio numa voz cantarolada:

- A gente sempre dava voltas na cidade. Podíamos fazer o que quiséssemos, não estávamos errados, ainda era sábado. – Confirmou Ashley, com um olhar rápido para o Jesse. Encarei-os. Quem estavam tentando enganar? Todos nós sabíamos o que eles faziam dando voltas na cidade. E não era olhar paisagem.

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- Certo. – Jay Harris tinha enfiado as mãos nos bolsos da calça. Agora tirou-as e estendeu com as palmas viradas para nós. – Então fomos passear de carro, quando estávamos virando a esquina daquela praça com o nome esquisito. Tudo ia bem, certo? Igual a todas as noites de sábado. – Tentou continuar Jay, mas a voz de Elizabeth interveio

- Só que não foi igual. Por que dessa última vez, quando viramos a curva, veio aquele ônibus estúpido e bateu na gente em cheio. – Jay enfiou as mãos de novo no bolso.

- E acordamos ali, com sirenes ligadas, com os paramédicos, eu vi, eu vi o meu corpo! Ele estava sangrento, foi horrível, só que... Ninguém, me respondia, eu... – Sua voz saiu trêmula olhando para mim – Ninguém! Ninguém me via, então nós acompanhamos os outros ao hospital, e estamos aqui agora. Depois disso houve o silêncio. Pelo menos ninguém falou. Ainda havia o som das ondas, claro. A brisa, soprando pelo vento, estava cobrindo meu cabelo. E tudo que eles queriam era estar vivos de novo.

- Mas, vocês podem ver que, foi apenas um acidente...

- Acidente? - Kristin Clark olhou furioso para o Paul – Não houve nada acidental naquilo – ele olhou furioso para ele – Paul! – Disse numa voz debochada, ele devia ter sido alguma coisa da Elizabeth quando vivo, podia estar com ataques de siúmes contra ele, ou algo do tipo. – Aquele cara, aquele velho estúpido, veio pra cima de nós de propósito.

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- Mas isso é ridículo – disse o Paul – Por que, meu Deus, ele faria isso?

- Simples! – respondeu Kristin dando de ombros – estava dominado pela cachaça. Certo, jovens, com um futuro brilhante, são, jogados por um ônibus, e questão de segundos, morrem por causa de um copo de cachaça. Brilhante! – Ele estava tão perturbado, que suas mãos batiam palmas. – Encare os fatos, é um velho estúpido, merece passar o resto da vida no inferno! – só que ele não disse inferno

- Olha, nós sabemos que vocês estão um pouco ressentidos, mas... – Mas é que Paul foi cortado

- Nós vamos acabar com a raça daquele cara, e vocês nem temem por esperar. – Até que se materializaram.

- Bom! Já posso dizer que, temos que fazer não é? – Paul olhou para nós – e depressa.

Bom, posso dizer que Jesse ficou um tempo calado, olhando para o ar, até ficar de frente para nós:

- Temos que fazer algo, e depressa, mas o quê? – ele olhou para mim – Suze, você que sempre sai pela frente, tome cuidado, não faça nada que possa te prejudicar, eles são perigosos, me ouviu? – sendo assim, ele veio na minha direção, e colocou as mãos em meu rosto. Respondi-lhe mexendo minha cabeça, minha expressão era calma, não estava nem um pouco preocupada com aqueles estúpidos.

Achei que era melhor ir comer enquanto ainda podia. Estava com a sensação de que em breve ficaria bem ocupada.

- Jesse, pode me levar? - Minha voz estava calma, apontando para a brisa que saía do Pacífico. Por causa da conversa rápida, acabei chegando a casa bem na hora. Mas minha mãe não entendeu por que eu fiquei tão quieta durante a refeição. Achou que eu devia ter afinado sol demais na praia mais cedo - ela pensou que eu estivera na praia esse tempo todo -. Página 118

- Você poderia pelo menos ter pegado algum pará-sol Suzinha - Disse ela enquanto cortava o filé de porco que Andy havia preparado. - Aquela menina que você estava conversando... Como era mesmo o nome dela?

- Kelly. - Respondi olhando para o meu prato. No dia anterior, quando estava no meu quarto, minha mãe apareceu com uma humilde visita, eu estava conversando com Paul no telefone, só que em vez de dizer Paul, eu me referi à Kelly, por que, era estranho dizer que eu estava conversando com um cara no telefone, principalmente para minha mãe. Dunga olhou para mim.

- É Kelly - Dunga ficou calado, não quis dizer nada, com isso, enfiou o garfo em seu prato e engoliu um pedaço de carne seca do seu prato - ela é loira, não é Suzinha? - Mamãe olhou para mim - é com ela que, Brad anda se atirando, não é mesmo Brad? - a voz de minha mãe saiu calma, ela estava olhando para Dunga, como se aquela fosse a conversa mais esquisita que ela já havia conversado com Dunga. E em um segundo depois, o pedaço de carne seca havia se atirado da boca de Brad, caindo diretamente para o seu prato. E de imediato, Andy olhou para o prato de Dunga:

- Não faça isso Brad, é uma falta de educação, limpe isso, logo! - Foi o que ele fez, levantou-se de sua cadeira, e jogou ao lixo o pedaço de carne seca que havia aterrissado em seu prato.

- Podem me dar licença? - pedi - Acho que talvez eu tenha pegado sol demais...

- Claro que sim Suzinha, durma bem.

Levantei-me, empurrando a cadeira para trás, quase atropelando Max e me levantando. Depois daquilo, subi as escadas e fui direto para o meu quarto.

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Certo, posso dizer que eu estava disposta o suficiente para acertar os fundilhos de uns fantasmas. Havia juntado tudo que eu ia precisar. Minha mochila estava cheia de velas, pincéis, um recipiente para sangue de galinha, que eu havia comprado no açougueiro aonde fizera o Paul me levar antes de nos deixar na casa de Jesse, - ele não sabia que eu havia ido comprar o sangue - e vários outros apetrechos indispensáveis para a realização de um bom exorcismo à brasileira. Estava completamente preparada para ir em frente. Só faltava calçar meu tênis, e lá fui eu. Peguei o meu casaco de couro que havia usado mais cedo, subi no banco da janela, e me encontrei em cima do telhado da varanda. Lá fora estava escuro, frio e silencioso, a não ser pelo barulho dos grilos e o som distante das ondas batendo na praia. Depois de prestar atenção por um minuto para ter certeza de que ninguém lá embaixo podia me ver, desci pelo telhado inclinando até a calha, onde me agachei, pronta pra pular, sabendo que os galhos de pinheiro no chão iriam suavizar a queda. Corri para a garagem de veículos e peguei uma das bicicletas de dez marchas que Andy havia colocado junto à parede da garagem.

Grande parte da paisagem que ia percorrendo ao descer eu não conseguia ver. O vento tão frio que ficavam saltando lágrimas pelas minhas bochechas até o meu cabelo. Felizmente não havia muito trânsito, de modo que quando eu atravessei o cruzamento, não tinha importância que não estivesse vendo muita coisa. De qualquer maneira, os carros iam parando para eu passar. De modo que eu ia precisar encontrar alguma maneira de entrar. Sem problema. Escondi a bicicleta num arbusto e calmamente fui dar uma olhada ao redor do colégio. Não é muito fácil impedir que uma garota de 17 anos razoavelmente entre num prédio. Eu sou um bocado flexível. E também tenho juntas bem elásticas. Não vou contar aqui como é que eu acabei conseguindo entrar, pois não quero que as autoridade escolares descubram (nunca se sabe,pode ser que eu precise fazer tudo de novo algum dia), mas digamos que se alguém é encarregado de fazer um portão é melhor ter certeza de que ele chegou mesmo até o chão. Aquele espaço entre o cimento e o ponto onde começa os trilhos do portão é exatamente o espaço de que uma garota como eu precisa para passar.

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Lá dentro do estacionamento, as coisas pareciam bem diferentes das vezes que já passei por lá à noite - é muito mais aterrorizante. Todas as luzes estavam apagadas. Fazia tempo que não pisava ali à noite. De modo que toda a área estava escura e cheia de sombras assustadoras. A fonte também estava desligada. Só dava para ouvir os grilos. Só grilos cantando nas moitas. Nada de errado com os grilos. Os grilos são amigos. Não havia menor sinal de gritaria, estrago, ou até mesmo terremotos. Pelo menos por enquanto.

Fui caminhando com o máximo de cuidado (o que não era tão difícil com os meus tênis). Cheguei-me ao corredor, no exato armário onde algum tempo foi da Heather. Aí me ajoelhei e abri a mochila.

Primeiro, acendi as velas. Precisava delas para enxergar ao redor. Segurando um acendedor de churrasco que havia trazido, derreti uma vela e pinguei um pouco de cera no piso e firmei a vela no chão. Repeti a operação com todas as outras velas até formar um círculo luminoso na minha frente. Abri então a tampa do recipiente com o sangue de galinha. Não vou descrever aqui a forma que eu tinha de desenhar no centro do círculo para que o exorcismo desse certo. Exorcismo é o tipo da coisa que a gente não deve tentar fazer em casa, por pior que seja a assombração. Só deve ser confiado a um profissional como eu. Afina, ninguém vai querer machucar algum fantasma inocente que estivesse só passando por ali. Tipo exorcizar a vovó ou coisa do tipo.

Capítulo 11

E também não é recomendável quer as pessoas comecem a mexer com macumba, e por isso não vou repetir aqui a invocação que tive de fazer em português mesmo. Digamos apenas que mergulhei meu pincel no sangue de galinha e fiz o desenho adequado, emitindo as palavras exigidas. Foi só quando retirei a fotografia dos quatro da mochila que notei que os grilos haviam parado de cantar.

- Que diabos você acha que está fazendo? - Ela disse, bem atrás do meu ombro.

Eu não respondi. Botei a foto no centro da forma que eu havia pintando. Ela ficou bem iluminada pelas velas. Elizabeth aproximou-se mais.

- Onde foi que arranjou essa foto minha?

Bom, acho mesmo que temos de reconhecer que tudo irritava Elizabeth.

- O que você pensa que está fazendo? - perguntou ela de novo - Que língua é essa que está falando? E para que essa pintura vermelha?

Como eu não estava respondendo suas perguntas, Elizabeth começou a ficar ainda mais abusada - o que parecia ser sua especialidade.

- Olha aqui sua vaca - foi dizendo, botando a mão no meu ombro e me puxando nada delicadamente. - Está me ouvindo?

Eu interrompi o ritual.

- Pode me fazer um favor Elize? - perguntei. - Quer ficar bem ali perto de seu retrato?

Elizabeth sacudiu a cabeça e seus longos cabelos pretos reluziram à luz das velas.

- Não vou ir para aquele círculo estúpido. - Ela deu um risinho. Mas não estava rindo uma fração de segundos depois, quando de repente, me lancei contra ela. Sério. Foi que nem um documentário do mundo animal. Num instante Elizabeth estava ali, parada, dando um risinho, e no outro, meu punho estava afundando em seu rosto bronzeado e bonito. Mas não posso dizer que realmente me importei ao ouvir o som da cartilagem nasal se rompendo. Elizabeth foi uma gracinha. Começou a falar mal e dizer coisas como.

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- Você quebrou meu nariz! Não acredito que você quebrou meu nariz!

- Vou quebrar mais que o nariz - declarei, em seguida, agarrei o pulso de sua mão direita - Sabe qual foi seu grande erro? - Ela grunhiu enquanto, com um movimento hábil que aprendi no Tae Kwon do, torci seu braço pelas costas. - Aparecer aqui bem na hora de um exorcismo.

Então, dando uma joelhada na coluna vertebral de Elizabeth, joguei-a esparramada no chão da Missão Junípero Serra.

- E quando estou furiosa - falei - realmente não sei o que me dá. Mas começo a bater nas pessoas. Com muita, muita força.

Elizabeth não estava recebendo nada disso com calma. Gritava de quase explodir. Mas principalmente de dor, Por isso, simplesmente ignorei. De qualquer modo eu era a única que podia ouvir. Ainda manti Elizabeth presa sob o peso do meu joelho. - Sabe como é o gatilho de minha fúria é sensível demais. Agora, me inclinei para frente, e com as mãos que estava usando para manter o braço de Elizabeth torcido às costas, segurei um punhado de fio daqueles seus cabelos pretos e brilhantes e puxei sua cabeça para mim. Então, a última coisa que fiz foi bater, sim, bater com a cara de Elizabeth no piso do chão da Missão Junípero Serra. Quando levantei sua cabeça depois da última vez, ela estava sangrando bastante pelo nariz e pela boca. Observei isso com grande distanciamento, como se outra pessoa tivesse causado aquilo, e não eu.

Vou lhe contar, estava realmente ficando cansada de pessoas – principalmente mortas – ocupando o meu tempo. Paul estava certo, eu sou boazinha. Não faço nada além de tentar ajudar as pessoas, e o que recebo em troca? Nada. Não é justo. Para mostrar como achava tudo isso injusto, soltei-a lentamente, lembrando-me da última pancada que havia Le dado, ela decidiu fugir, sim, fugir. Mas era tarde demais. Porque em um segundo depois eu havia me lançado contra ela. É cruel, sim, mas vamos encarar os fatos, ela merecia totalmente, não podia sair por aí matando velhos bêbados pelo menos não velhos inocentes, que seu ônibus acaba o freio de uma hora para outra.

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Quebrei seu pescoço finalmente, apenas com as mãos. Uma pena que seu pescoço não fosse permanecer por muito tempo quebrado. Mas enquanto eu estava com ela muito bem dominada, olhei em volta para ver se estava pronta para cometer o tal exorcismo. Eu segurei o tronco. Ela gemeu e lutou o tempo todo. Até aonde conseguiu, claro. Pois seu pescoço ainda estava quebrado – mas quando a coloquei sobre o círculo de velas ela sentiu que estava totalmente dominada pela minha esperteza, porque parou de lutar e só ficou ali, deitada sobre a pintura de sangue. Olhei em minha volta, e em alguns segundos o livro estava em minhas mãos. Peguei-o e abri na página marcada, e comecei a ler. Não vou fingir que sei português, não. Não tinha a menor idéia do que estava lendo. Mas acho que a pronuncia não conta quando a gente está invocando as forças das trevas. Já que, enquanto eu falava, aqueles redemoinhos nevoentos começaram a ficar a ficar cada vez mais compridos, até que, finalmente se derramaram no chão e começaram a se enrolar em volta dos ossos – quebrados – de Elizabeth.

Continuei lendo, não podia parar, porque sabia que não tinha apenas um, e sim quatro. Sim, mas três criaturas sobrenaturais à minha espera.

- Que diab... – disse Kristin, logo depois de materializar-se junto ao seu bando, Jay, e Ashley.

Mas fiquei com medo de responder-lhe com alguns socos na cara. Quem sabia o que aconteceria se interrompesse a leitura? Por isso continuei, e Elizabeth foi subindo cada vez mais, até que...

- Traga-a de volta! – Gritou Kristin, olhando horrorizado o corpo de sua “amante” pendurado no ar.

Continuei lendo, sabia que não podia parar, e apenas fiquei com medo de interromper a leitura.

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Bom, posso afirma que o que aconteceu um segundo depois estava nos planos, claro, estava, mas não havia a certeza de que daria certo. Por que em menos de um segundo depois, Kristin estava sendo puxado pelo buraco negro, cheio de redemoinhos nevoentos. E foi assim que seus outros amiguinhos também foram puxados. E em menos de cinco segundos eu havia acabado com a história de que Jesse e Paul estavam querendo acabar a dias, bem, nem tanto assim, pois lês não receberam o exorcismo com tanta facilidade quanto a Elizabeth. Não pareciam estar se divertindo nem um pouco.

Kristin chutava, gritava e disse um bocado de palavrão durante o exorcismo. Até que finalmente, quando pronunciei o último “Fim” em português, eles desapareceram. Quando o último elo dos gritos das mulheres vingativas morreu, o silêncio preencheu a Missão. Era um silêncio tão penetrante que chegava a ser um pouco esmagador.

- Suze Suze Suze! – disse uma voz masculina atrás de mim – quando você vai aprender? – E pela voz do cara dava para ver quem estava atrás de mim naquele corredor imenso da Missão; a autoconfiança daquele Suze Suze Suze, no modo acariciante com que disse meu nome, eu prestei atenção. Quando me virei para ver quem estava falando comigo, dei uma leve sacudida no meu cabelo. Por que não? Eu havia acabado de fazer um exorcismo com quatro fantasmas estúpidos, meu cabelo não estava nos seus melhores dias. Só quando tinha dado uma leve sacudida na velha juba castanha eu me virei e vi que o gato que tinha dito meu nome era nada mais nada menos que, Paul. Acho que ele pôde ler meus pensamentos – por que o sorriso em seu rosto bonito era ligeiramente torto em um dos cantos. Foi quando ele olhou para a bagunça que eu havia feito no chão da Missão.

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- Vai limpar isso aí não vai? – ele perguntou agora mais próximo de mim. Eu apenas Continuei pegando os materiais que havia utilizado e colocando-os na mochila.

- É obvio, não vou limpar isso, tenho coisas mais importantes pra fazer. E fui, peguei minha mochila, coloquei-a as costas, e andei pelo imenso corredor que dava para o estacionamento.

- Suze Suze! – ele avançou-se ao meu lado – pra onde você vai agora?

- Para casa – respondi

- Posso te levar? – quis saber

- Paul, como você sabia que eu estava na Missão? – Parei, olhando para seus olhos que brilhavam ao luar.

- Não se pode confiar em tudo que Jesse promete – ele suspirou, devia estar cansado de me acompanhar rapidamente – então, me dá esse prazer?

- Não é uma má idéia. – Então fomos.

Sem dúvida eu tinha ganhado o primeiro assalto. Bem, pelo menos figurativamente. Quero dizer, não estava morta nem nada, e isso, no meu livro, é um ponto positivo. De fato já ia amanhecendo quando de fato consegui entrar de novo em casa – graças a Deus, Soneca ou alguém da casa havia deixado a porta do deque que dava para a cozinha aberta. Mesmo assim eu tive que subir toda a escada. Foi muito lento. Vou-te falar exorcizar quatro fantasmas foi duro de matar. Pelo menos, quando entrei no quarto e finalmente consegui tirar toda a roupa que usava e coloquei um pijama. Confesso que não tomei banho, mas é claro que no meu lugar você também faria isso, fazer exorcismo cansa. Mas não tentei pensar nisso enquanto me arrastava para a cama e fechava os olhos. Essa estratégia – a de não pensar mais em exorcismo por uma noite – funcionou bem. Pareceu funcionar bastante bem, acho que dormi antes que esse pensamento tivesse realmente a chance de chegar.

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E então, quando, indo para o Rambler depois da escola, foi sugerido que usássemos as próximas quatro horas de luz do dia curtindo na praia, apenas Jesse, eu, e claro, Paul. Não me pergunte por que não levamos Cee Cee, pois não gosto de comentar coisas do tipo. Ta bom, ela deixou de ir à praia com a gente para bem, fazer uma tarde romântica na casa de Adam, já que seus pais haviam viajado para Denver, a cidade natal de seus pais. Sendo assim, o tempo estava livre para fazer o que quisesse durante uma semana inteirinha. Certo, isso é o que todo carinha adolescente quer ter um dia, a casa livre dos pais para fazer o que tiver que ser feito, e principalmente para levar suas namoradas para uma tarde romântica. Mas não que eu não tivesse gostado da idéia, pelo contrário, estou feliz por eles, só o que me pertuba, é a idéia de algum dia, é nós brigarmos por causa de nossas novas vidas, namorados, enfim. Mas espero que não aconteça, pois se não aconteceu até hoje, por que haverá de acontecer algum dia?

Divertimos-nos. Paul me fazia rir, e Jesse, Jesse me fazia feliz. Conversamos, rimos, até corremos à praia. Dia interessante, o Paul estava mudado.

Então mais tarde, quando estávamos indo embora da praia, fomos direto para o carro de Paul. Começamos a andar pelo estacionamento da praia, fresca e sombreada de palmeiras – agora vazia, já que era fim de tarde e quase ninguém fica a essa hora em uma praia – e saímos ao sol quente do estacionamento. O mas, logo diante, piscava para nós. O céu estava infestado de nuvens.

- Meu carro está ali – Disse Paul apontando para sua BMW preta. De passo a passo, entramos no conversível de Paul e subi no banco do carona enquanto Jesse entrava no banco traseiro e Paul pegava as chaves para ligar o carro.

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Eu tirei os óculos escuros do rosto e virei para o pôr-do-sol, encostando-me no capô do conversível preto. Qual é a melhor maneira de puxar o assunto? Pensei. Que tal perguntar de seu avô... Não, eu não teria notícias dele, até que me surgiu uma idéia

- Kelly! Como está Kelly? – olhei para ele, minha pergunta soou meio tosca, já que falando rápido, despertei a atenção de Paul, que assustou um pouco com minha voz estúpida. Burra, burra, não deveria ter dito assim. Bom, pensando melhor, só conseguia atenção de Paul, já que Jesse estava segurando um game-boy que o Padre Dom havia o dado naquela manhã, segundo ele ia ser bom para Jesse associar-se mais à tecnologia do futuro.

- Kelly é impulsiva - Seus olhos azuis não desviavam da estrada - ridícula. - Então, coloquei os óculos escuros e virei o rosto para o sol, encostando minha mão direita na janela da BMW.

- Dizendo isso, Paul acabou atraindo a atenção de Jesse, que em menos de um segundo, tirou seus olhos do visor do game-boy, e direcionou-lhes para Paul - Se você arriscasse dizer isso no meu tempo - Jesse não estava tão sério, mas nem muito calmo - Eu teria dó do que iriam fazer com você. - Paul apenas riu.

- Eu teria dó de quem fizesse alguma coisa comigo. - Os olhos azuis de Paul olharam para mim, e voltou-se para a estrada.

Mas você poderia ter cortado a atenção no carro. Nós fomos em silêncio mórbido até quando Paul finalmente estacionou seu carro em frente à n° 99 pine crest drive, uma das casas históricas de Carmel, construído em 1850.

Descemos do carro, e fomos direto ao portão eletrônico, onde o abri com facilidade. Passamos pela entrada de veículos, e subimos a escada da porta da sala. Enquanto entrávamos em casa, eu disse:

- To em casa - disse enquanto entrávamos em casa.

- Não só você - A boca de Jesse estampou-se com um sorriso.

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Então subimos a escadas em fileira e Jesse atrás de mim. Quando chegamos ao fim, Paul abriu a porta do meu quarto, e nós entramos. Deixei-me levar pela lembrança, e de tudo que me ocorreu ali, todas as conversas, até com quem eu não quisesse que entrasse, todas as emoções, até brigas. Os momentos com Gina, até o dia em que Paul me entregou um buquê de flores e Jesse não gostou nada. Também me lembro vagamente da festa em que Brad deu e, os dois saíram dali igual dois loucos brigando pela casa. Senti todas aquelas imagens passando na minha cabeça, os momentos que passamos naquele quarto. Lembro-me do dia em que vi Jesse pela primeira vez, sua blusa, seu cheiro, e como esquecer de sua cara de espantado por poder conversar com alguém a mais de 150 anos? Lembro-me que a nossa primeira conversa foi um saco, um tanto nojenta. A segunda também foi ruim. A terceira... Mas a quarta mudou completamente. Era como se eu já o amasse há muito tempo, muito tempo antes de conhecê-lo. E as imagens foram se repetindo, a janela, a poltrona, o Spike. Senti meus olhos molhados, eu estava chorando pelo tempo que passou tão rápido, as discussões, os beijos. Então Jesse veio ao meu encontro, e inclinou suas mãos até o meu ombro.

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- É incrível como o tempo passa não é? - Jesse, apenas inclinou o seu braço direito e colocou-o ao meu pescoço. Sua voz saiu lenta, seus olhos faziam força para não se deixar levar pela emoção, foi quando depois de um tempo, ele de inclinou e me olhou nos olhos, colocando suas mãos em meu rosto - Suze - Suas mãos aninhavam meus rosto - nunca se esqueça daquilo que te falei aquele dia. - Meus olhos espirraram lágrimas, eu estava incapaz de dizer algo. Quando Jesse me abraçou.

Pude sentir o calor do seu corpo, seu cheiro, seu toque. Ele sabia o quão era importante para mim, e que sua vida significava tudo.

- Jesse, aconteceu alguma coisa? - meus olhos ainda estavam molhados

- Já disse pra você confiar em mim? - Seus dedos secaram as lágrimas que corriam sobre meu rosto. E sem pensar duas vezes, ele me beijou.

Foi como o primeiro gole de água depois de uma imensa sede. Foi como dormir depois de uma tarde cansativa. Foi como, a sensação do primeiro beijo de sua vida. Mas Paul nos interferiu logo em seguida

- Opa, - Foi dizendo ele logo depois de sair do banheiro. Era incrível como eu sabia que ele ia fazer isso!

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- Existem crianças nessa casa Jesse! - Confesso que aquilo me deixou um pouco intrigada. Ele pode ser lindo e coisa e tal, mas me interromper no meio de um beijo com o meu namorado? Também confesso que fiquei puta com o cara que podia ser até o meu amigo, mas mesmo assim, isso não quer dizer que não o tenha odiado por muito tempo. Sendo assim, Jesse interrompeu nosso beijo, e em seguida olhou para mim, seus lábios brilhavam em um louco sorriso.

- Vamos? - Paul abriu a porta do quarto que dava para o corredor - o dia está lindo, vamos jantar ao ar livre! - Disse ele apontando para a porta.

Nenhuma garota de 16 anos iria gostar muito da situação, poxa, era o meu quarto, eu podia fazer o que bem entendesse, e nessa hora eu estava beijando o meu namorado, agora me fala, eu estava errada? Paul era mesmo um ordinário. Ele apontou para a porta e olhou para mim.

Meu deus do céu. Pensei enquanto descíamos as escadas. O que vou fazer com dois caras do na minha casa durante horas? Tudo bem, Cee Cee havia vindo aqui algumas vezes. Não foi difícil me enturmar com ela em casa. Mas dois caras do sexo oposto? Com certeza nada iria dar certo, ah não ser, se a gente corresse para perto da piscina aquecida como foi sugerido por ele.

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Descemos as escadas, e fomos para a sala de jantar, e depois passamos pela porta deslizante que dava para o deque, onde enfim, estava a bela piscina aquecida instalada por nada mais nada menos que: Andy, o cabeça da casa, e com uma ajudinha de Brad e nada mais que isso.

- Vocês vão para piscina? - Andy havia acabado de nos avistar descendo as escadas - Querem comer algo? - Andy estava à cozinha lendo seu jornal do dia, sentado em uma das cadeiras ao redor da mesa.

- Alguns sanduíches não cairão mal senhor - Paul não conhecia Andy, Andy não conhecia Paul. Mas Paul pediu sanduíches, e Andy, um cara super educado e tudo mais, resolveu concordar e fazer os sanduíches. Fomos em direção ao enorme deque que tinha construído atrás da casa. A área estava inundada de sol e nós nos sentamos ao redor da mesa de jardim que Andy havia providenciado logo depois de construir a piscina aquecida, o sol estava batendo, mas nada como um pára-sol verde para nos proteger contra os raios-solares.

Não demorou muito tempo e um delicioso cheiro de comida chegou lá da cozinha. Andy estava fazendo sanduíches Reuben. Os olhos de Paul brilhavam com a luminosidade incrível do sol. Seus olhos azuis me pareciam como um mar imenso, eles olhavam constantemente para mim, Paul estava à minha frente da mesa. Pouco depois Andy chegou com os sanduíches e uma jarra de laranjada e nos serviu.

- Bom apetite senhores! - Andy nos serviu e continuou andando em direção À cozinha.

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Poucos segundos depois, ele havia sumido pela casa.

Vamos dizer que jantar na casa dos Ackerman era igualzinho a jantar de família grande que eu conhecia: todo mundo falava ao mesmo tempo. Eu não conseguia ver qual a vantagem de ter meios irmãos: eles comiam com a boca aberta e acabavam com todos os croques antes que eu conseguisse chegar perto de um único. Mas almoço, jantar ou lanche, com Paul e Jesse, com certeza era totalmente diferente. Eles não comiam com a boca aberta igual Soneca havia feito, eles não comiam todos os sanduíches antes mim. Eles eram educados, do tipo que comiam primeiro e depois conversavam. Pra mim isso era uma raridade, sério, era a primeira vez na vida que via um cara na casa dos Ackerman - menos Andy - que comia assim.

Nós passamos bem uma meia hora falando sobre coisas engraçadas, ou algo do tipo. Coisas construtivas, como a vida que Jesse levava antes mesmo de vir para o futuro.

- Sério, vendo essas ruas de hoje, e me voltando para como eram em 1850, é uma verdadeira ilusão, geralmente o máximo que tinha nas estradas era, terra, terra, e terra - E nós rimos.

Pensando bem, eu já queria ter feito essa pergunta há mais tempo. Eu me importava com ela, eu não sabia por que, mas, eu me importava verdadeiramente com ela. Ficamos alguns segundos calados, quando eu disse:

- Jesse, nós havíamos te contado que te resgatamos do passado - Os dois olhavam para mim - mas, em algum momento você se lembra do dia em que nós estávamos no celeiro dos O'Neill?

Jesse ficou pensativo, o meio sorriso que estava em sua boca, desapareceu, porém, Paul não ligou muito pra pergunta, e logo mordeu um imenso pedaço do seu sanduíche e deu um gole em seu suco de laranjada. Jesse ainda estava pensando, e depois de um algum tempo, ele disse:

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- Vocês no celeiro dos O'Neill? - Jesse, inesperadamente, abriu seus olhos de um jeito que eles se arregalaram. Logo depois disso, ele deu uma leve olhava para mesa e, se virou rapidamente para trás. Eu estava mastigando mais devagar.

- O celeiro! - ele se virou para mim novamente, olhou para mesa, e depois olhou para mim. Seus olhos fixaram-se nos meus, sua expressão era de perguntas sem respostas, de perdido em algum lugar. Depois de olhar para mim, Jesse se virou para Paul, ficou olhando-o por alguns segundos. Ele, porém, deu mais uma leve mordida em seu sanduíche, nada mais que isso, dá pra acreditar? E depois deu mais um gole em sua laranjada.

Confesso que não sabia o que estava acontecendo.

- O que está acontecendo? - minha pergunta não foi exatamente para Jesse, de algum modo, meus olhos olharam para os de Paul. Ele havia acabado de tomar mais um gole de sua laranjada.

- O que te faz pensar que tem alguma coisa acontecendo?

- Ah meus deus... Eu não sei... - eu disse, com medo de estar acontecendo sei lá o quê com o Jesse.

- Jesse, olha pra mim, sou eu - meu pensamento foi mais além, será que Jesse sabia quem eu era? - Sou eu Jesse... A amiga das suas irmãs, eu apareci pra você no seleiro, lembra?

Seus olhos voltaram se para mim, eles me olhavam fixamente, era como se eu fosse a pessoa mais estranha do mundo. Era como se, aquele fosse um filme de terror, e o monstro, era bem, eu. Foi quando Jesse olhou para mim, levantando sua sobrancelha cortada. - O quê? - Seu meio sorriso havia voltado, ele ainda olhava para mim. - Suze? - sua sobrancelha cortada havia descido, e a sua outra sobrancelha havia subido. E em meio de segundos, sua sobrancelha havia descido, e seu meio sorriso havia definitivamente voltado. Só que não aconteceu o que eu esperava que havia de acontecer. Jesse olhou para Paul, ele havia acabado de tomar outro gole de sua laranjada. Paul estava mais calmo que o Dr. Slask, dá pra acreditar? Jesse olhou para Paul, e os dois riram de mim. Riram. Você tem noção do que é rir da minha cara depois de uma situação dessas?

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Eu tinha voltado para o quarto e estava no acento da janela folheando uma revista de moda bem bobinha. Eles haviam se despedido de mim e haviam ido embora. Meu pensamento era de Jesse ter voltado para casa de Paul. Meu pensamento era o mesmo de meia hora atrás, quando ainda estava lavando os copos que nós havíamos sujado naquele quase incrível lanche, por que aquela reação de Jesse? O porquê daqueles desmaios? Jesse havia desmaiado e, perdido as lembranças, não sabia quem eu era não sabia... Onde estava.

O que interessa é que eu não precisava mais pensar nisso, pois eu estava completamente dominada pelo cansaço. Sendo assim, cai na cama e bati palmas para apagar as luzes, e me enfiei bem debaixo dos lençóis fofos, e em poucos segundos o sono me dominou.

"Jesse andava na minha frente e eu tentava alcançá-lo, mas não conseguia. A cada passo ele ficava mais longe e sumia pela névoa na minha frente, então eu batia em uma parede invisível e Paul, sim, Paul aparecia, nós nos beijávamos e eu caia."

Minha respiração acelerada não me deixava pensar. Minha vontade de dormir e esquecer tudo que estava acontecendo, de repente, tinha ido embora, e a última coisa que vi, foi eu me levantando rapidamente da cama com o pensamento de ter que fazer algo.