Yuna

—Ah, o que podemos fazer de bom hoje?– Anita dizia com desânimo, brincar, brincar e apenas brincar estava ficando cada vez mais chato. Me mantive quieta enquanto ela e os outros dois compartilhavam suas idéias. E eu olhava as almofadinhas de minha pata.
Eu pretendia buscar algo pra fazer junto a eles, é claro, ficar só entre os adultos não tem muita graça, logo, enquanto os mais velhos debatiam sobre uma suspeita localização de presas, nós filhotes debatíamos sobre o que podíamos fazer enquanto isso.

Eu sentia meu estômago remexer e isso diminuía meu interesse para brincadeiras diminuía cada vez mais, ultimamente temos nos alimentado de corças e cervos magricelos ou buscavam por presas já abatidas por outros animais. Quase não havia mais presas grandes e saborosas como bisões, alces e renas.
Disseram que as presas estavam ficando escarças e que se a situação piorasse mais iríamos migrar, eu estava absorvendo o sentido disso ainda. Iríamos embora daqui, de onde nascemos apenas para irmos atrás desses bichos? Eles quem deveriam voltar, eram dúvidas no qual tiraria com meus pais depois. E após pensar nisso me surgiu uma idéia

—Vamos caçar?– disse em alto e bom som para que me ouvissem, e esperei por respostas, eles me olhavam como se eu tivesse miado.

—Caçar? Tá brincando né? Nem somos capazes de..– Anita soltava as palavras sem ter raciocínado então tive que intervir, era óbvio!

—Não presas grandes como corças, cervos e tals– rolei os olhos –existe presas menores na floresta, e o que papai nos ensinou? Vamos por em prática!

Eles raciocinaram, e finalmente, concordaram com a idéia

—Lebres por exemplo– Marah se levantou –ótima idéia Yuna!
A lobinha castanha me deu umas lambidas pela testa e desceu ligeira do rochedo até o chão
—Vamos conheço um lugar!
Eu e os outros dois trocamos sorrisos e a seguimos

—Sei um canto do bosque que há muitas lebres, segui Karen e Melany uma vez e as vi lá pegando alguns– Marah dizia com animação e estava começando a nos contagiar

Depois de longos passos, chegamos num terreno onde as árvores possuíam troncos mais grossos e forneciam grandes sombras por todo canto, a luz presente fornecida vinha por escapamentos das copas das árvores, mas de certa forma não soava um clima sinistro. Mas procurando não havia seres viventes ali tirando os passarinhos, apenas tinha uns buracos por todo chão

—Vamos caçar o que? Vento?– Luke disse irônico arqueando as sobrancelhas

—Observem e aprendam– Marah apenas falou lançando um olhar malicioso, instintivamente me sentei e entortei a cabeça curiosa com o que ela faria

Ela apenas mergulhou o focinho dentro de um buraco próximo e começou a latir, e de repente uma quantidade grande de lebres começaram a sair dos buracos espalhados

—O que estamos esperando?– Anita latiu estupefata e avançou, seguida por Luke e por mim, começamos a perseguir inúmeras lebres que ou fugiam ou apenas retornavam pros buracos então era necessário apenas repetir o ato de Marah que a caçada continuava

Depois de muitas gragalhadas e perseguições estávamos todos os quatro satisfeitos, eu por exemplo consegui pegar três

—Uau estou cheio como se tivesse comido um bisão!- Luke disse soltando um arroto, entortei o nariz com o mal cheiro

—Eu também, falando nisso quase nunca comemos bisões não é?– Anita esticou as patas traseiras

—Pois é, acho que se comemos umas três vezes apenas, foi muito– dessa vez Marah se pronunciou chegando mais perto carregando uma das orelhas do ser felpudo

Eu estava cansada de mais pra participar da conversa. Já estão acostumados com a maneira que eu pouco me pronunciava, e era satisfatório que soubessem e por isso não me envolviam muito.

Passamos a tarde por aqui mesmo nos arredores de onde caçamos, não deixamos de prestar atenção em possíveis predadores é claro. Somos meio que indefesos ainda. Mas incrivelmente desta vez os adultos não ficaram no nosso pé, talvez estejam aceitando que já somos grandinhos.

Até que quando a primeira estrela surgiu no céu ainda um pouco laranja nos concordamos em voltar pra casa, mas caçamos pela última vez e cada um carregou seu prêmio. Meus irmãos caminhavam com uma postura que mostrava orgulho e eu junto.
Nunca me senti tão independente e minhas habilidades na caça são ótimamente boas e pensei que se os maiores tivessem visto isso ficariam maravilhados com tanta rapidez e ferocidade.

—Ah, voltaram!– mamãe nos recebeu aconchegando cada um de nós em suas patas –E vejam só, acharam elas mortas?
Mamãe analisou com o olhar cada uma que carregavamos

—Não mamãe, nós caçamos!
Eu disse abanando a cauda alegremente, eu ansiava pela reação de minha mãe e foi da maneira que eu esperava

—Oh, estou tão orgulhosa! Estão realmente crescidos, abater uma lebre é um tanto complicado elas são ligeiras.

Ela disse com um sorriso. Senti uma vontade extrema de demostrar meu amor por mamãe então apoiei minhas patas em seu ombro e insisti em alcançar seu rosto pra distribuir lambidas nele, meus irmãos invejosos repetiram o ato como se competissem pela atenção de nossa mãe, que distribuiu carícias em todos os quatro.

—Certo felpudos, está na hora–
Papai disse se aproximando, sabíamos o que aquilo queria dizer e Luke foi o primeiro a se manifestar tentando fugir mas papai é claro, conseguiu o alcançar e começou a lhe dar banho.
Frustrado, meu irmão se debatia e chorava tentando sair, papai quem costumava limpar Luke, então nem o repreendia mais apenas mantinha sua paciência.

Os meninos riam da situação, sempre era engraçado assistir isso, Luke então parou de relutar e apenas permaneceu com uma cara fechada até o fim daquilo
—Sua vez.

Mamãe falou calmamente, sabia que eu não faria todo aquele teatro então apenas me pôs entre suas patas. Eu até que gostava, era bem relaxante receber um banho, eu mantive um sorriso satisfeito no focinho.

Virei a cabeça para olhar os outros e vi que Luke já tratava de se sujar de novo, roçando o corpo no chão arenoso enquanto soltava uns grunhidos. Anita o olhava de uma maneira como se quisesse distância e
papai enquanto dava banho em Marah, que estava quieta mas com a cara também fechada apenas avisou
—Não se preocupe, depois lhe dou outro banho

Os meninos gargalharam alto e Luke soltou um rosnado ridiculamente fino e tentou ataca-los

Vi de canto de olho Jack carregar minha caça para longe, talvez fosse come-la, não protestei seria egoísmo. Já estou de barriga cheia.

**

O dia passou rápido, me deitei sobre as rochas gélidas da base, onde ficamos mais cedo, que forneciam uma visão plana do nosso território um bocado extenso.
A lua banhava o corpo de todos os viventes aqui, enquanto minha família conversavam numa espécie de roda lupina, quis permanecer aqui. Apenas olhando, pensando nos acontecimentos de mais cedo, no qual foram muito divertidos.
Senti o olhar de mamãe sobre mim mesmo que estivesse no meio dos outros, talvez quisesse checar que eu estava bem.
Vi Marah também focar seu olhar em mim e não compreendi bem quando veio correndo em minha direção.

—Oi– cumprimentou num tom baixo, como se tentasse não me incomodar
—Olá irmã– cumprimentei-a indiferente, ela abanou a cauda com leveza e se aproximou mais, estando bem perto de mim e se deitou também fixando seu olhar num ponto distante da paisagem

—Obrigada pela idéia de mais cedo, foi muito divertido!

Havia entendido o que queria fazer aqui, e sorri fraco, eu gostava de sua companhia, não que a dos outros fossem dispensáveis mas Marah tinha seu comportamento em comum com o meu, havia momentos em que apenas queria ficar quieta observar, diferente dos outros que não conseguiam permanecer quietos quase nunca. E aliás eu estava cansada.
Sentindo mais conforto agora, apoiei minha cabeça no ombro de minha irmã e fechei meus olhos, apenas para relaxar, mas o sono me atingirá e após bocejar quis dormir.