De um lado para o outro, uma angústia, uma inquietação e esse bendito sono que não vem. Minhas madrugadas tem sido assim, sempre que tenho esse pesadelo minha mente entra em um estado de “auto salvação” como se ela previsse o que iria acontecer– não, você não vai voltar a dormir, ou quer voltar a ter aquele pesadelo? – não tenho muitas alternativas, tento dormir novamente. Pego meu travesseiro deito minha cabeça nele, fecho meus olhos e começo a adormecer, com um pouco de medo, mas eu preciso mesmo dormir, meu dia amanhã vai ser como os outros anteriores, um parto.

The books that I keep by my bed are full of the stories. That I drew up on a little dream of mine, a little nightmare of yours. – OMAM

Meu despertador é ativado, a música que toca me acalma a alma. Depois de um terrível pesadelo preciso de paz, e essa canção me proporcional tal paz. São sete horas da manhã, ainda estou deitada em minha cama, olhando para o teto e pensando se é necessário que eu vá trabalhar hoje. Minha cabeça dói, e minha respiração está pesada e cansada, como se tivesse passado a noite inteira correndo, a final eu passei, mas não fisicamente, espiritualmente. Então, não é meu corpo que encontra-se cansado, é meu espirito, ele precisa de um descanso. Decido então, finalmente me levantar e ir tomar banho, a agua fria percorre meu corpo, um arrepio em minha nuca e aquela sensação de que algo desagradável vai acontecer. Saio do banho, me arrumo e vou rumo a minha agrura.

Faces alegres, tristes, angustiadas e algumas máscaras. As pessoas em minha volta não se importam com você, pra elas você não passa de um ninguém. Chego em meu trabalho, não é um trabalho muito importante mas me sustenta. Minha cabine fica perto da porta de saída, caso aconteça algo é só sair correndo e me salvar. Uma vez me perguntaram o porquê de minha cabine ficar na saída, respondi dizendo que em caso de incêndio eu seria a primeira a me salvar, a pessoa que fez a pergunta disse que era egoísmo da minha parte pensar em salvar só a mim, eu apenas a olhei e voltei a fazer o que estava fazendo. Claro que me salvaria primeiro, se eu não me salvar que faria isso por mim? Não posso confia demais nos outros. Na verdade, não posso confiar em ninguém.

Chego em minha cabine, e em cima de minha mesa tem um bilhete, um papel cor de rosa do tamanho da minha mão, estava amassado como se tivesse sido colocado no bolso da calça jeans e passado anos e anos lá. Ele estava dobrado ao meio e na parte de cima tinha um desenho, um coração feito de caneta da cor preta e por dentro estava pintado de vermelho. Pego o bilhete, o abro e no instante que abro sinto um cheiro bom, -alguém por algum motivo tinha borrifado um jato de perfume no bilhete- não muito doce e nem muito cítrico, parecia ser de jasmim, mas não era. Não consegui reconhecer o cheiro. Dentro tinha uma frase escrita com uma caligrafia delicada e muito bem trabalhada, a pessoa que o escreveu teve um cuidado enorme em fazer a sua melhor “letra” a frase dizia o seguinte: “Meu sorriso? São por simplesmente te ver”. Observo por alguns instantes o bilhete e olho a minha volta procurando por alguém, com a intenção de descobrir quem teria mandado o tal bilhete, fico por alguns segundos olhando e ninguém me pareceu suspeito, sento em minha cadeira, amasso o bilhete e o jogo fora. Digo em voz alta “Brincadeira estúpida”.

O tempo por aqui demora para passar, quanto maior é o desejo de você ir embora mais devagar ele passa. Horas e horas fazendo a mesma coisa te deixa cansado e uma pessoa totalmente antissocial, são poucas as pessoas com quem converso por aqui, na verdade converso apenas com uma pessoa, a única que se salva no meio de tanta hipocrisia e falsidade. Kate, seu nome é Kate. Uma pessoa que não está nem ai para os padrões preconceituosos da beleza, não é muito ligada em moda e uma das suas melhores qualidades é sua sinceridade, Kate é a pessoa mais sincera a quem conheço. E isso é o que faz dela uma pessoa especial. Faltam vinte e cinco minutos para terminar o expediente, estou quase terminando o que venho fazendo durante um dia inteiro, preenchendo formulários, e mais formulários. É quando avisto Kate, ela está radiante, seus cabelos escarlates estão presos em um desajeitado rabo de cavalo, sua blusa branca tem uma mancha de café, ela vem caminhando em minha direção em passos lentos e desengonçados, com um sorriso tão lindo no rosto que é de dar inveja em qualquer pessoa. Eu apenas a observo.

“Olá!” Ela diz

“Oi, tudo bem com você?” Pergunto

“Sim, está tudo ótimo. Ei, queria saber se você quer ir no cinema comigo, ganhei duas entradas e não sei com quem ir, então vim aqui saber se queres ir comigo! Vamos?” Ela fala com o maior sorriso do mundo estampado em sua face sardenta. Um sorriso que se você olhasse por um período de 5 segundos seus olhos queimariam. Bem, não esperava por isso, nós conversamos no trabalho mas isso não quer dizer que sejamos amigas, ou algo do tipo. Talvez ela esteja tentando construir uma amizade, não sei. Resolvo aceitar.

“Claro, porque não? E quando vamos?” Eu digo

“Ótimo, fiquei com receio de vir aqui e perguntar se queria ir comigo.” Diz Kate

“Ora, e porquê?”

“Medo de você não aceitar”

Ela estava certa, eu não iria aceitar, não gosto de cinema, odeio cinema. Ainda não sei qual motivo me levou a aceitar tal convite, talvez tenha sido seu brilhante e enorme sorriso, ou seus grandes olhos de jabuticaba que me hipnotizaram e fizeram que que aceitasse seu convite.

“Hahahahahahahaah, ora Kate deixe de besteira. Bem, eu aceitei não foi? Só me diga quando vamos, para eu não marcar nenhum outro compromisso”

“É sério, como você não fala com quase ninguém aqui tive um pouco de medo. Na verdade, você não fala com ninguém, a única pessoa com quem você se comunica sou eu, e por isso achei que seria legal de nós irmos ao cinema.”

E mais uma vez Kate estava certa, não fazia questão alguma de me comunicar com outra pessoa daqui, de falsa e chata já basta minha vida.

“Podemos ir na sexta-feira à noite, está bom pra você?”

“Está ótimo! Então sexta à noite nos vemos.” Digo com um sorriso vergonhoso no rosto.

Kate sorri, da meia volta e sai. E finalmente o expediente termina, pego minha bolsa guardo minhas coisas, arrumo alguns formulários para levar para casa, pois não consegui terminar todos, desligo meu computador e saio enfim, rumo a minha liberdade e a minha ridícula vida. Sexta à noite não posso esquecer, cinema com minha mais “nova amiga”. Nossa, como isso soa estranho, uma pessoa que nunca foi de fácil comunicação, sempre fechada, por motivos de simplesmente não confiar nos outros fazendo “amizade”. Sim, isso é muito estranho, estou ficando louca ou tudo está começando a mudar.