A Lira da Verdade

Capítulo 2 - Noah


N

O

A

H

Como Noah dormiu? Bem, seu Ba não deixou seu corpo o que era um ótimo começo. Se não fosse os sonhos. Ele já havia visto o acampamento outra vez depois de sair de lá, mas somente de fora, nunca mais de dentro. O admirava de longe e doía saber que lá sempre seria sua verdadeira casa... E que ele tinha fugido de sua própria casa. A maioria dos motivos ele não conhecia, mas tinha uma ideia na cabeça. Sim, ele era um dos semideuses que estivera a bordo da Princesa Andrômeda. Não, ele não era totalmente fiel a Cronos. Ele não queria nada com Cronos. Ele queria simplesmente o que Cronos prometeu que o daria. Sim, ele era um traidor e fugir não adiantava nada e muito menos ajudava a negar aquele fato que ter se juntado ao inimigo.

Mas os deuses não o ouviram quando ele pediu. Era verdade que já tinha se encontrado com alguns deuses antes de ser reclamado, mas mesmo assim se sentiu ignorado. Ele tinha ficado três anos no chalé 11 para chegar o dia em que fora reclamado. Noah tinha se sentido péssimo, alguém deixado de lado. Ele via os outros em seus respectivos chalés e ele sabia que seu pai nem mesmo o havia notado, até aquele momento. Era, de certo modo, irritante.

Seu Ba não fugiu de si, mas isso não significava que ele não teve um sonho. Semideuses tem a capacidade de sonhar com acontecimentos, isso ele sabia. Mesmo todos esses anos seguindo o caminho dos magos, ele não havia deixado de ser um semideus. Sempre seria metade humano e metade deus, não tinha como fugir disso. Seria bem mais fácil sem esse poder adicional. Murmurou ele mentalmente. Ele já havia ouvido falar sobre esses semideuses. Esses que só aparecem em épocas difíceis. Infelizmente ele era um deles. Nem mesmo o acampamento meio-sangue sabia sobre isso, e ele não estava nem perto de contar.

No sonho, ele estava observando um abismo. Um calafrio roçou sua espinha quando ele distinguiu uma risada metálica e poderosa. Poderosa no sentido de ser de alguém que, obviamente, tinha milhões de anos e que tinha um incrível poder. Ele sabia que não era Cronos, já que ele havia sido derrotado pelo filho de Poseidon, e somente aquele tempo não restaria para que ele se curasse.

O pequeno problema. Disse a voz, quase inaudível. Sabe, você é um jovem rapaz. Infelizmente não posso deixar que viva por muito tempo. Eu tenho planos. E eles já foram frustrados uma vez; isso não acontecerá novamente. Quem imaginaria que o covarde seria aquele que ajudaria em minha derrota?

– Quem é você?

Eu? Você é insolente e ignorante, jovem. Como aquele semideus filho dos três grandes. O filho de Poseidon? Pensou Noah, mentalmente. Eu deveria tê-lo matado quando ainda tinha chance. Estava confiando que ele seria uma ótima peça em meu tabuleiro, mas estava errada.

Noah ficou em silencio, ele queria saber mais sobre o que aquela pessoa estava falando.

Eu não posso cometer esse erro novamente, sabe? O que acha de se juntar a mim? Pense Noah, quantas vezes você não falou para si mesmo que os deuses não ligam para seus filhos? Você entende isso, você foi deixado de lado por muito tempo. E agora é uma peça no tabuleiro dos deuses. Comigo, poderá moldar o mundo a sua maneira.

Noah abriu a boca para falar, mas tornou a fecha-la. Houve um riso metálico e ele podia jurar que quem quer que esteja lá, tinha um sorriso no rosto. Por fim, ele disse:

– Você simplesmente pegou meus sentimentos contra os deuses e está usando-os para me fazer ir para seu lado. – Respondeu o meio-sangue. – Isso é ridículo. Eu sei como é ser manipulado, Cronos tentou me manipular e eu quase caí. Isso não acontecerá novamente.

Houve silencio por bastante tempo, ambos não falaram nada. Noah só conseguia ouvir o som da sua própria respiração.

Então você está do lado dos deuses? Você deseja que o mundo seja desse jeito, Noah? Quantos semideuses de deuses menores já morreram até agora? Eles nem mesmo chegaram ao acampamento. Antes, o acampamento nem mesmo ligava para eles. Era como se não existissem. O único proposito de ter um lugar para eles lá agora, foi porque o filhote de um dos três grandes fez um trato com os deuses.

– Eu não estou de nenhum lado. Além disso, os monstros são de seus exércitos. Sinto pelos semideuses que morreram, mas se eles morreram foram por causa dos seus aliados, os monstros. Não tenho nada haver com o acampamento, que fique bem claro, depois de sair eu não interfiro mais lá. – Ele fez uma pausa. – Posso dizer que estou mais para egípcio que grego. Então vá embora.

Bom argumento. Mas você não acha que os egípcios vão se livrar tão facilmente não é? Jovem, eu terei poder sobre tudo. O deserto já é uma terra seca, quando eu acordar ele será destruído. Você poderia salvar seus companheiros semideuses, eu poderia poupar a vida deles e o acampamento. E a casa da vida, se quisesse também, claro.

– Acho que não ouviu: vá embora. – Houve outro riso. – Se você envolver os egípcios nisso, eu passarei de ser “pequeno” para seu “maior problema”. Pode ter certeza.

Então não terá outra chance. Não preciso de você, e as peças que não prestam são eliminadas. Pelo menos desse jeito você não poderá influenciar em nada.

O sonho se dissipou.

Quando Noah abriu os olhos, ainda era de noite. Ele bocejou, com um grunhido de reprovação por acordar no meio da madrugada, ele se sentou na cama e bagunçou os cabelos negros. Noah não queria influencia nada, na verdade. E ele sentia agora que os egípcios estavam em perigo e que isso também tinha haver com o acampamento.

Ótimo. Agora ambos vão descobrir seu segredo, Noah. Como você se meteu nisso mesmo? Ah, eu nasci como filho de um deus grego. Ele resmungou mentalmente.

Se levantando, ele caminhou até a porta. Precisava relaxar. Ele desceu a mansão e seguiu para a cozinha. Ele tinha visto a “sala” de jantar. Uma enorme mesa que ficava na varanda e tinha vista para a piscina de Filipe. A cozinha era bem arrumada: bancadas de pedra clara, uma geladeira bem grande e um fogão. O rapaz pegou um copo d’água gelada e bebeu. Ele estava sem sono.

– Não quero dormir e ter mais um sonho desses. – Resmungou ele baixo, para si mesmo.

– Se usar o descanso de cabeça então seu Ba não vai escapar de seu corpo. – Disse uma voz atrás dele.

Noah se virou, escondendo a surpresa. Sadie estava encostada no arco que dava para a cozinha, com os braços cruzados e usando um pijama idêntico ao de todos: de linho. Ela tinha fones de ouvido pendurados e um celular em um dos bolsos. Seus cabelos rebeldes estavam desalinhados, mas ela não parecia notar.

Noah sorriu. – Claro. Eu não esquecerei novamente, loirinha, pode ter certeza.

Sadie ficou vermelha, ela bufou e caminhou pesadamente para a geladeira pegando um copo de água gelada. Quando ficou próxima, Noah pode ver as olheiras ao redor dos olhos. Ela não deveria estar dormindo bem há muito tempo, estava exausta e estressada. Não era uma combinação boa para uma maga rebelde e esquentada como ela.

– Há quanto tempo não dorme? – Perguntou ele. Noah estava tentando ser suave?

– Eu durmo. Ninguém é de ferro. – Resmungou ela.

– Se não parar de mentir e não dormir bem, não será muita coisa.

Noah sorriu. Ela observou seu copo cheio de água gelada por um momento, o sorriso mínimo que havia brotado em seus lábios tinha desaparecido completamente agora.

– Desde que ele morreu.

– Quem?

– Walt. – Respondeu ela, num sussurro.

Ele deveria ser importante para ela. Noah se sentiu mal por isso. Ela não deveria enfrentar muito bem as mortes. Quando se é meio-sangue, você não se sabe quando vai morrer só sabe que não viverá muito. E também tem de enfrentar mortes inesperadas. A dor de perder um amigo próximo é muito grande. A dor de perder uma pessoa que você considera mais que amigo era pior, chegava a ser exaustiva, chegava a tirar o sono. Walt deveria ser esse tipo de pessoa para Sadie.

Noah reprimiu um grunhido. Ele pegou seu copo e caminhou para fora da cozinha, quando chegou à porta se virou para Sadie sem demonstrar nenhuma expressão, mas a loira pode ver que ele sentia muito. Mesmo ele não tendo conhecido Walt, seus olhos demonstravam que ele sentia muito por ela. Isso de um modo a aconchegou.

– Durma bem, Sadie.

– Você é bem sensível. – Ela falou, tentando eliminar o cima tenso que tinha se formado. Ele somente se limitou a sorrir.

Noah deixou Sadie na cozinha. Ninguém lidava bem com a morte de pessoas próximas, era o que ele repetia mentalmente. Ele lembrou da missão ao mundo inferior e o resultado dela e isso o fez fechar as mãos em punhos. Aquela não foi a melhor missão de todas.

Mesmo depois daquilo, Noah não dormiu. A última vez que ele ficou assim, havia sido no seu segundo dia no Primeiro Nomo. Ele sentia falta de casa, queria voltar e não entendia o porquê dessa saudade. Agora ele já estava maduro, havia cruzado boa parte do deserto e parado no Cairo por alguma razão. E essa razão tinha haver com a voz de seu sonho.

Ele seguiu para a varanda e olhou para Manhattan, aquelas luzes e o enorme Empire State. Ele suspirou, debruçou-se no peitoral de ferro da grade e embaralhou seu cabelo totalmente frustrado. Ele não acreditava que depois de tudo ele sentia aquilo. Ele não acreditava que...

– Sinto falta de casa. – Sussurrou ele para si mesmo, baixinho.

Houve silencio, mas ele logo foi quebrado.

– Eu também. – Admitiu uma voz.

Noah se ergueu num pulo, ele olhou para a varanda do outro quarto a sua esquerda, Carter olhava para Manhattan sem expressão, como se ela de alguma forma o intrigasse. Aquilo deveria ser uma piada. Carter era confiante, uma espécie de líder da Casa da Vida. O faraó. E ele sentia saudades de sua casa?

– Sei o que está pensando. – Murmurou Carter. – Mas é isso mesmo. Sinto saudades de meu pai e de minha mãe. Sinto saudades de nossa casa e quando tudo era bem mais simples do que agora.

Noah concordou com um grunhido rouco.

– E você? Não sente falta de seus pais?

– Digamos que, de certo modo, sim. – Respondeu Noah. Mas ele não se referia a seu pai, um dos deuses gregos, apesar de também sentir sua falta.

Depois disso, ele se voltou para dentro. Com sonhos ou não, ele adormeceu em sua cama. E, graças aos deuses, o resto de sua noite foi escura.

Ele não sonhou com mais nada.