O velho fechou o livro, e uma pequena nuvem de poeira se ergueu, entrando pelas narinas dele e o provocando uma crise de tosse. Enquanto tossia descontroladamente, as crianças aos pés dele o encaravam, com os olhinhos brilhando, esperando mais. Depois de uns segundos tossindo, e de um gole numa cerveja, ele olhou para elas, passando a língua na frente dos dentes, em silêncio.

— E então? — perguntou Lily, com um sorriso no rosto.

— E então o que, criança? — o velho ergueu uma sobrancelha.

— Acabou?!

— Acabou ué, toda história acaba uma hora — disse ele, indiferente, dando mais um gole na bebida.

— M-Mas... — a garota olhava para os lados, buscando apoio dos outros ouvintes e buscando palavras, gesticulando em vão com as mãozinhas — e o resto? E o Reino dos Elfos? E o Zen?!

— Isso vai ficar pra outro dia — disse ele, levantando do banquinho. — Passei a noite toda sentado, isso vai fazer um mal pra minha coluna. — Soltou um bocejo, acompanhado de um peido, que fez os meninos rirem, e as meninas fazerem cara de nojo. Lily, porém, não desistiu.

— Que dia?!

— Quando o sol raiar novamente, pestinha. — Colocou a mão na cabeça dela e afagou seus cabelos por um momento, olhando para as outras crianças e dizendo. — Voltem amanhã, moleques. Quem sabe vocês não descobrem algumas coisas novas sobre as duas viagens que decidirão tudo?

Eles abriram sorrisos de alegria, mas muitos ali já estavam caindo de sono, só resistindo porque ainda restava alguma energia em seus corpinhos de criança, que não foi gasta nas brincadeiras matinais. O velho se dirigiu até o balcão, jogando duas moedas sobre a madeira polida, onde o taverneiro estava, com a cabeça apoiada na mão, cochilando.

— Acorda, seu velho! — berrou o Contador de Histórias, e com um susto ele acordou, dando um pulo para trás. As crianças todas riram. Bravo, ele recolheu as moedas, jogando elas numa bolsinha que carregava presa ao cinto.

— Acho que já é hora de fechar por hoje. Mande seus pivetes embora logo. — Disse o taverneiro, soltando um bocejo.

— Vocês ouviram ele! — gritou o Velho, rouco. — Caminhem, caminhem, vão! — fazia gestos com os braços, enxotando as crianças.

E aos poucos as crianças foram indo, de volta para suas casas, aproveitar o que restava da noite antes do sol finalmente aparecer no horizonte, roubando da lua o lugar. Na taverna ficou só o Velho e o taverneiro.

— Vai ficar quanto tempo por essas bandas? — perguntou o taverneiro, soltando um bocejo largo.

— Uma semana, talvez duas. Não sei quanto tempo vai demorar para contar a história toda. Varia de vila pra vila, cidade pra cidade. — Disse o Velho, passando a mão pela barba. — Faz bastante tempo que conto essa história, e nunca me canso dela.

— É uma boa história —disse ele, sorrindo. — Amanhã vamos ouvir mais um pouco dela.

— Com certeza meu velho — ele riu, se dirigindo para a porta.

E lá se foi o Contador de Histórias, recebendo em seu rosto uma pequena amostra do que viriam a ser os ventos daquele inverno. Ele sorriu. Era nessa época que as crianças tinham medo dos fantasmas, a época em que a cidade fazia jus ao nome. Salgueiro Assombrado. Seu sorriso se alargou. Mesmo próximo ao fim, ele ainda repetia o começo. A lenda precisava permanecer viva, era seu dever para com os heróis. Sentiu os olhos arderem por um breve momento e piscou várias vezes para afastar a sensação, esfregando-os em seguida com a manga da camisa. — Maldição... — recomeçou a caminhar, era hora de descansar, pois amanhã ele precisava continuar a história.

A história daqueles que lutaram para proteger pessoas que sequer conheciam, mas mesmo assim não receberam a glória que mereciam. A história daqueles que deixaram suas casas e suas famílias para trás, sabendo que o seu destino era combater o desconhecido que assolava o extremo norte do continente. A história daqueles que deram tudo de si para que os outros se sentissem seguros, mesmo quando eles não estavam.

O velho precisava continuar A Lenda dos Sete.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.