Tan girou o pulso, movendo a espada em um círculo distraído, enquanto avançava por um dos túneis próximos da oficina onde Tyrill e sua amiga, a guarda, tinham acabado com a raça do mago. Na mão esquerda o elfo levava uma tocha que servia muito mais para Pomont, que vinha logo atrás, do que para ele.

Os dois estavam caçando eventuais cadáveres remanescentes que ainda estivessem naqueles túneis. Tan o fazia por quê desde que fora capturado desenvolvera um ódio excepcional por aquelas criaturas e Pomont por sentir ser seu dever exterminar aquelas criaturas hediondas e antinaturais.

Os dois caminhavam em silêncio, exceto pelo som da água corrente e do retinir da armadura do templário, mas era um silêncio respeitoso e até admirado. Os dois tinham visto um ao outro em batalha e tinham derrubado inimigos juntos. Surgiu entre eles uma cumplicidade tácita e até certo grau de admiração. Tan se impressionara, principalmente, pelo Templário não olhá-lo com superioridade por ele ser humano, como tantos outros faziam.

Se ele conhecesse Pomont um pouco melhor, saberia que ele estava acima de tal preconceito e ficara impressionado pela ferocidade com que o elfo combatera.

Os dois estavam feridos, contundidos, ensanguentados e com vários cortes, queimaduras e escoriações, mas nada muito relevante.

– Parece que está tudo limpo por aqui – comentou Pomont, retirando a flecha do arco e devolvendo-a a aljava.

– Sim – Tan deu um sorriso torto – Fizemos um bom trabalho.

Pomont retribuiu o sorriso e Tan deu um tapinha no ombro do humano, enquanto eles davam meia volta e se encaminhavam de volta à oficina para se reunir aos aliados.

Doric estava deitado no chão frio e um tanto irregular da caverna escavada, nu da cintura para cima, enquanto Clarisse, de olhos fechados, convocava suas artes mágicas para reconstruir os músculos do flanco e o osso da bacia de Doric, atingidos por um golpe violento de uma lâmina.

O ferimento doía horrivelmente, e quando a magia começava a surtir efeito, um torpor agradável tomava conta do local, além de uma sensação de aquecimento e quando pele e músculo começaram a se esticar, ele sentiu uma coceira incrível. Era uma das sensações mais curiosas. Clarisse estava de olhos fechados, fazendo sua magia, mas Doric já estava pensando no quanto devia ser grato à ajuda – veja só! – de uma maga do Círculo, a uma Guarda e um maldito Templário! Sem os três, ele estava certo, ele e Ty teriam sido fritados pelo mago.

Falando em Ty, ela passou pelo amigo, que fez uma careta para ela, que lhe retribuiu com um sorriso e foi na direção da coluna onde o homem moreno vira a guarda se encostar.

O braço direito de Tyrill estava enfeixado apertado e imobilizado por uma tala improvisada. A magia de Clarisse ajudava até certo ponto, mas como ela não fosse uma especialista no assunto e ainda tivesse outros ferimentos mais graves para cuidar, como o de Doric, parte do trabalho de recuperação ficaria por conta do corpo da ladra.

Na cintura a ladra carregava suas duas adagas recuperadas e também a adaga avermelhada do apóstata, que ela achara por bem guardar como lembrança.

Tyrill se aproximou de Shara, que estava sentada de encontro a uma coluna de pedra que sustentava o teto da oficina. Sua perna e ombro estavam parecendo bem melhores, mas ainda havia uma série de outras contusões, queimaduras, cortes e escoriações que cobriam o corpo dela. Mais ou menos o mesmo valia para Tyrill. Para todos os seis, na verdade.

A loira se sentou do lado da morena e ficaram de mãos dadas, olhando para longe por um instante.

– E agora o que acontece? – perguntou Tyrill.

– Vamos devolver o medalhão, o Bebedor de Vida, à Lorde Henry, informar que o apóstata está morto e encerrar o caso. – respondeu Shara, suavemente – E se alguém perguntar, Pomont e eu estávamos apenas dando uma volta quando ouvimos algo suspeito e viemos investigar. Vocês três nunca estiveram aqui. Aliás, eu nunca mais vi você desde o roubo – a ladra mostrou a língua para Shara – Quanto às evidências de magia realizada por Clarisse e o motivo de ela estar aqui... – a morena tamborilou com os dedos no próprio queixo – ainda estou pensando nessa parte.

– Eu perguntei quanto a nós duas – Tyrill respondeu com um sorriso delicado. Seu coração estava transbordando de carinho e paixão por aquela guarda de cabelos negros.

– Precisamos de um tempo para nós duas –Shara suspirou abaixando os olhos para os dedos entrelaçados das duas – Precisamos ter uma boa conversa sobre como isso entre nós vamos funcionar. Precisamos colocar essa conversa em dia.

– Precisamos colocar outras coisas em dia, também – Tyrill deu uma mordida maliciosa no canto do lábio. E Shara não pode deixar de rir, com as idéias não muito decentes que surgiram em sua mente naquele momento.

– Sim, sim, isso também – confirmou a guarda erguendo os olhos para a outra. Tyrill se aproximou dela e disse bem baixinho:

– A ladra e a guarda. Quem diria, hein?

Os olhares das duas se encontravam, e uma via na outra os mesmo sentimentos que existiam dentro de si mesmas. Esperança, alívio e principalmente uma doce afeição. E quando a proximidade foi demais para resistirem à atração mútua, os olhares saíram de foco e os olhos se fecharam, no momento em que os lábios das duas se uniram em um beijo carinhoso.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.