A música refinada de um par de cítaras, uma harpa, uma flauta e um bandolim flutuava pelo amplo salão da mansão, que ocupava quase todo o segundo andar da construção.

Lorde Henry, um próspero comerciante e homem influente em Kirkwall, estava dando um baile. Servos andavam de um lado para o outro, silenciosos, trazendo bebidas e iguarias. Os convidados, trajados elegantemente, conversavam comiam e bebiam, alegres e frívolos, atentos apenas às suas pequenas maquinações e tramas do jogo político pequeno e mesquinho da alta sociedade de Kirkwall. Uma meia dúzia de convidados, contudo parecia bem mais alerta do que os outros, ainda que fizessem esforço para se mostrarem tão despreocupados quanto os outros.

Shara era uma dentre essa meia dúzia de convidados. Alta, trajando um belo vestido cor de vinho, cabelos negros presos num coque sóbrio e menos maquiada do que a maioria das outras mulheres, ela não era uma convidada, mas sim uma guarda da cidade à paisana.

Encostada ao lado de uma mesa de quitutes, Shara observava o ambiente, solitária. Um homem corpulento, com uma barba rala, veio em sua direção.

– Vamos, Shara, misture-se, você está dando muito na vista, parada nesse canto – disse Jalen, tenente da guarda da cidade.

– Estou só controlando o movimento, senhor – respondeu Shara, em voz baixa.

– Ande – replicou Jalen, com um principio do sorriso – Tire essa cara amarrada e vá circular um pouco. É uma ordem.

– Sim, senhor – bufou ela.

Shara começou a dar uma volta pelo salão, não muito a vontade. Ela não era muito afeita à festividades. Muito menos àqueles bailes empolados dos nobres. Nem sabia por quê, afinal, havia sido escalada para aquela missão.

Olhou brevemente as ricas tapeçarias que decoravam as paredes, iluminadas pelas chamas dos candelabros e pela luminosidade lunar que entrava pela janela. A decoração da mansão era ao mesmo tempo opulenta e de bom gosto: algo tipicamente orlaisiano. Enquanto caminhava, ajeitou discretamente a adaga escondida na manga do seu vestido. Shara vigiava os convidados e os serviçais, atentamente, procurando qualquer coisa suspeita.

A guarda da cidade havia enviado Shara e mais outros cinco guardas para o baile de Lorde Henry pois havia evidências de que ocorreria um atentado contra a vida do nobre. Lorde Herny era um comerciante oriundo de Orlais, que havia feito fortuna e se estabelecido em Krikwall, quartel general de seus negócios. Gente assim, Shara sabia, necessariamente pisava nos calos de uns e outros, adquirindo inimigos no processo de enriquecimento.

Havia alguns guardas particulares de Henry patrulhando a área externa da mansão, mas dentro do salão a guarda da cidade reforçava a segurança, com guardas disfarçados.

Shara percebeu passos furtivos se aproximando dela, quando o conjunto musical começou a tocar uma melodia animada.

– Aceita uma bebida?

Uma jovem esguia, de cabelos loiros e curtos, vestindo um discreto vestido violeta se aproximou dela, com dois cálices. Era quase um palmo mais baixa do que Shara. O primeiro instinto de Shara foi recusar, mas, por outro lado, seu papel seria mais convincente se interagisse mais, então, por que não?

– Claro, obrigada – a guarda sorriu e aceitou. Vinho. Shara cheirou discretamente a bebida, para se certificar que não continha veneno ou algo assim.

– Sou Emelyn – disse a jovem. Shara não recordava esse nome, mas havia tantos figurões em Kirkwall que era impossível lembrar todos os nomes.

– Shara – respondeu a guarda.

– Então, Shara – prosseguiu a loira – o que está achando da festa?

– Oh, bem... – Shara procurou as palavras – está bastante interessante.

– Não parece que você acha a fasta “interessante” – Emelyn brincou com a palavra nos lábios.

– Para falar a verdade, está...

– Uma tremenda encheção de saco! – exclamou Emelyn.

Shara riu com a impetuosidade inesperada da outra.

– É – admitiu – não estou me divertindo muito.

– Somos duas então – Emelyn deu uma piscada – se quer saber estou aqui apenas para cumprir uma obrigação.

“A filha rebelde de algum nobre” decidiu Shara.

– Eu também estou aqui cumprindo uma obrigação – Shara deu um sorriso ambíguo, sabendo que a outra dificilmente adivinharia o motivo.

As duas continuaram conversando por mais algum tempo, e Shara – sempre atenta aos arredores, e começando a imaginar se a tentativa de assassinato contra o Lorde Henry não teria sido um alarme falso – começou a gostar da conversa de Emelyn. Ela não ficava tratando de assuntos fúteis e mesquinhos nem de fofoquinhas da nobreza, como a guarda esperaria de uma jovem da alta sociedade. Ao contrário, tinha sempre um comentário espirituoso a fazer sobre qualquer coisa e tinha uma visão de mundo que se estendia além das festas e vestidos.

Quando começou uma música nova, lenta e insinuante, Emelyn convidou:

– Vamos dançar? – um sorriso sugestivo estava nos lábios da jovem.

– Dançar? – Shara franziu a testa – Eu não sei dançar.

– Não importa, vamos logo, Shara! É só me seguir.

Emelyn puxou a guarda pela mão e quando chegaram mais ao meio do salão, a jovem passou uma mão pela cintura de Shara e tomou sua outra mão, segurando-a numa altura abaixo da linha do ombro.

– Agora, ponha a mão no meu ombro e deixe-me te levar – explicou com uma piscada marota.

– Oh, Criador! Tudo bem, vamos lá – rendeu-se Shara.