— Quem é você?! — Ele perguntou, num tom autoritário.

— Quem era o anão? — A voz dela era suave, mas as palavras atingiram Legolas como o corte de uma navalha.

O verbo no passado não lhe passou despercebido, e ele se esqueceu de todas as regras de luta que conhecia e deu as costas para a adversária, disparando em meio às árvores.

— GIMLI!!! — Ele ouvia atentamente, correndo tão rápido quanto podia, mas não houve resposta alguma. — Gimli!!

Ele não havia percebido que tinha se afastado tanto. Quando finalmente chegou ao palácio, encontrou Gimli caído exatamente onde ele o havia deixado antes. Ao redor dele, as tochas e os suportes estavam apenas semi-prontos. Não havia sangue nem sinal de luta, mas o anão parecia...

— Gimli! — Legolas se atirou de joelhos no chão ao lado do amigo e virou o corpo dele. Ele ainda parecia respirar, mas muito fracamente. As pontas de seus dedos estavam ficando arroxeadas, e suas mãos já começavam a esfriar. — Gimli! Gimli! — O elfo o sacudia, mas sem sucesso. Ele não sabia mais o que fazer. As lágrimas já começavam a brotar em seus olhos, e Legolas não tentou resistir. Havia muito tempo que ele não chorava, mas chorar é algo que nós nunca desaprendemos. — Gimli...! Acorde, seu velho rabugento!

— Tolo! — A voz veio da ponte atrás dele. Legolas voltou a cabeça para olhar, e ela estava lá. — Ele está morrendo!

O loiro se levantou de uma só vez, apanhando o arco que havia atirado ao chão e apontando uma flecha para ela:

— O que você fez com ele, sua...?

Ela ergueu as mãos em sinal de inocência e abriu um sorriso sarcástico para ele:

— Eu? Absolutamente nada!

— Não minta para mim! — Legolas estava furioso, mas seus olhos, que costumavam aterrorizar seus inimigos, pareciam não surtir o menor efeito sobre ela.

— É verdade! Ele fez isso a si mesmo! Você bem que tentou avisar a ele para não beber ou comer nada ontem à noite, mas...

— Estava nos observando?

— Hnm-hnm. — Ela balançou a cabeça em concordância. Parecia estar se divertindo. — Afinal, estes são meus domínios.

— Seus dom... Greenwood pertence a Thranduil Verdefolha, Senhor Sob as Árvores!

— “Greenwood”? Por onde você tem andado, meu amor? Estas terras há muito tempo não conhecem tal nome. E “Thranduil Verdefolha” há anos não passa de um nome esquecido.

— Sua...!

— Mas você está perdendo tempo. Eu não faço ideia do porquê de um elfo estar andando por aí com... — Ela lançou um olhar de desprezo para Gimli. — Um anão... Mas você tem poucos minutos, se quiser salvar seu... “amiguinho”. — Ela fez um movimento com a cabeça, indicando o anão.

Legolas olhou para trás e sentiu um arrepio percorrer todo seu corpo ao perceber que Gimli se contorcia em convulsões.

— Gimli! — Ele se abaixou novamente ao lado do anão. — Gimli! Não faça isso comigo, Gimli! Lute!

— Talvez um minuto. — A elfa negra já se afastava pela ponte em direção à floresta. A noite, a essa altura, já havia caído, mas a lua cheia era quase tão eficiente para os olhos de Legolas quando o sol que se punha há pouco.

O elfo sabia que não devia deixar Gimli sozinho, mas não lhe restavam escolhas. Ele não podia ficar ali parado, precisava fazer alguma coisa. Assim, ele se levantou e correu, passando em disparada pela elfa. Ele se enfiou sob as árvores olhando para todos os lados, sem fazer a menor ideia do que procurava, do que devia estar procurando. De repente, um nome lhe ocorreu, o único nome de que ele se lembrava da medicina élfica:

— Athelas!

Com a ideia em mente, ele ganhou novo ânimo e começou a correr ainda mais rápido. Era difícil, porque como ainda era apenas o início da primavera, a planta ainda não havia florescido e poderia ser facilmente confundida com uma erva daninha qualquer. Mesmo assim, e apesar da escuridão que parecia se adensar sob as copas das árvores, Legolas precisava insistir em procurar e insistia, murmurando, como se as plantas fossem atender a seu chamado como costumavam atender a seu pai:

— Athelas, Athelas, Athelas...

— Tcs, tcs, tcs... — O som de desaprovação veio de cima de uma árvore logo acima dele, mas o elfo não se deu ao trabalho de olhar. Ajoelhado, ele procurava em meio a um grupo de ervas particularmente prometedor. — Athelas não vão ajudá-lo, seu tolo.

Legolas finalmente olhou para cima. A elfa negra estava sentada num dos galhos mais altos da árvore. A forma como ela se empoleirava ali era estranha. Lembrava um felino. Uma pantera, talvez. Sua pele, pálida como a luz da lua, se destacava na escuridão. Seus olhos pareciam cintilar ao observarem Legolas.

— Como assim? — Ele perguntou, a contragosto. Ele podia sentir o tempo escorrendo de suas mãos, Gimli se perdendo nas trevas.

— Vai parecer ironia por causa do nome, mas eu te prometo que a cura para ele é... — Ela puxou a mão esquerda, que mantinha atrás das costas. Segurava um ramo de flores de tamanho médio, de um tom de violeta intenso. — ...impatiens*.

Sem nem pensar no que estava fazendo, Legolas saltou em direção a ela, movido pelo desespero. Ela sorriu e saltou para um galho mais alto, novamente com uma agilidade que lembrava um felino. Era surpreendente até para um elfo. O loiro ficou olhando para ela, desconsolado.

— Não me olhe assim, amorzinho... Olhe, algo me diz que você não saberia o que fazer com elas, mesmo que eu as desse a você. — Ela se deitou tranquilamente no galho. Parecia estar se divertindo. — Então, vamos fazer um trato... Se você prometer não atirar em mim, eu salvo seu amigo. — Ela disse a última parte em Sindarin**, o que surpreendeu os ouvidos desacostumados de Legolas.

Ele não pensou duas vezes antes de responder, no mesmo idioma:

Por favor.

As convulsões já haviam cessado quando os elfos avistaram Gimli novamente. Legolas considerou isso um mau sinal. Aparentemente, a elfa também, porque ela se apressou, empurrando Legolas fora de seu caminho. Ela corria pelo menos três vezes mais rápido que ele, o que o surpreendeu. Quando ele a alcançou, ela já estava ajoelhada no chão ao lado de Gimli, murmurando palavras em algum idioma élfico que Legolas não conhecia.

Passaram-se vários minutos, até que ela parou de falar e se afastou, ofegando por causa do esforço. O anão não se moveu.

— O que foi? — Legolas se aproximou. — O que aconteceu? Gimli!

— Shh! Ele está dormindo, idiota! Deixe-o!

— Mas...!

— Ele está bem. Vai ficar tudo bem agora. O veneno já deixou o sangue dele. Mas ele vai precisar de um tempo para se recuperar. Vai dormir a noite toda e provavelmente a manhã toda também.

Legolas deu as costas para Gimli e se sentou ao lado dela. Ela fechou os olhos e pôs a cabeça entre os joelhos, respirando profundamente. Legolas não sabia o que ela tinha feito, mas parecia ter exigido muito dela também.

— Obrigado.

— Não foi nada.

— Foi, sim. Se não fosse por você... — A voz dele falhou. Até pensar na ideia era difícil. — Obrigado.

— Quem é o anão?

— Meu melhor amigo.

Ela ergueu a cabeça para olhar para ele com descrença. Legolas sentiu o rosto esquentando sob aquele olhar, sem saber por que, e desviou os olhos:

— Ou melhor, meu maior rival.

A elfa sorriu:

— Entendo.

Os dois ficaram em silêncio. Uma brisa fresca começou a soprar, agitando as folhas das árvores. Legolas se perguntou quanto tempo levaria até que amanhecesse. Ele havia perdido completamente a noção do tempo, mas achava que não demoraria muito.

— Quem é você?

Ela se mexeu inquieta, sem olhar para ele. Parecia estar decidindo como responder, e Legolas esperou. Mais de um minuto se passou, porém, sem que ela dissesse coisa alguma, então ele decidiu falar:

— Eu sou Legolas Verdefolha, filho de Thranduil. A seu serviço. — Ele inclinou um pouco a cabeça, numa reverência.

Ela arregalou os olhos para ele.

Aquele Legolas? Da companhia de Elessar Telcontar?

Legolas franziu as sobrancelhas e assentiu.

— Isso... — Ela parecia aturdida. — Isso... Isso explica o anão. Ele deve ser... — Ela olhou para o anão. — Gimli, filho de Glóin...

— Sim. Ele é.

A elfa se levantou bruscamente, e sem dizer nem uma palavra, disparou através da escuridão. Legolas mal teve tempo de se levantar para segui-la, e ela já tinha desaparecido.

— Espere! — Ele tentou chamar, mas não houve resposta.

Já passava muito do meio-dia quando Gimli finalmente acordou com um enorme bocejo. Ele estava no antigo quarto da mãe de Legolas, deitado na cama. Por alguns instantes, ficou apenas olhando ao redor, confuso. Não se lembrava de como havia chegado ali. Aliás, ele não se lembrava de onde era ali.

— Então você finalmente acordou. — Legolas estava parado no vão da porta, observando-o.

— O que aconteceu?

— O que você pensa que estava fazendo?

— Do que você está falando?

— Eu te disse para não tocar em nada na floresta, não disse?

Gimli desviou o olhar, desconfortável.

— Ora, mas você não manda em mim.

— Você quase se matou! Tem noção do quanto e... — O elfo se interrompeu, incapaz de concluir a frase. Ele apenas respirou fundo. — Venha, venha comer alguma coisa. Precisamos partir.

— Agora?

Agora! Eu não quero ficar mais uma noite sequer nesta floresta maldita. Vamos para Lórien.

— Eu pensei que este lugar fosse o seu reino.

Legolas parou a meio caminho no corredor. Gimli se voltou para olhar para ele.

— Ele era. — Legolas tocou a parede, alisando-a, e seus dedos se encheram de pó. Ele os encarou tristemente, antes de bater as mãos para se livrar dele. — Ele era.

— Vamos lá, Gimli, você consegue andar mais rápido que isso!

Vários passos atrás, o anão ofegava, andando tão rápido quando lhe era possível. Os pés de Legolas adaptavam-se facilmente ao terreno, mas anões não foram feitos para andar em florestas. Gimli tropeçava em raízes o tempo inteiro, e as ondulações do terreno o atrasavam consideravelmente.

— Falta pouco para deixarmos a floresta.

— E depois o quê? Você mesmo disse que não temos comida.

O elfo parou de andar e se voltou para o amigo. No fundo, ele sabia que Gimli tinha razão. Por mais que ele não gostasse da ideia de continuar ali, a floresta fornecia um estoque inesgotável de comida, desde que fosse ele a selecioná-la. E eles precisariam de comida. Teriam um longo caminho para andar por campo aberto até Lórien e seria difícil conseguir qualquer coisa, então. A Floresta Verde lhes oferecia comida, água e abrigo. Eles não poderiam pedir muito mais.

— Não importa, daremos um jeito. Ficar aqui é muito arriscado. Além disso, precisamos ir para o sul. Se permanecermos na floresta, teremos que passar por Dol Guldur.

Legolas se virou novamente para continuar a andar, e deu de cara com os olhos elétricos da elfa negra encarando-o:

— Aah! — Ele se afastou, dando um pulo para trás. Ela riu, e ele sentiu que estava corando de novo. Ele fechou a cara para ela.

— Não há nada em Dol Guldur, do que você tem medo? — Ela, que estava pendurada de cabeça para baixo em um galho, saltou graciosamente para o chão.

— Quem é ela? — Gimli perguntou, finalmente alcançando-os. Ele olhava de Legolas para a elfa, comparando as orelhas. — Ela parece uma...

— Não sabemos que forças malignas ainda residem na fortaleza. — Legolas respondeu, ignorando o anão.

Eu resido na fortaleza. — Ela sorriu.

— E isso deveria me tranquilizar?

— Ai! — Ela fez biquinho, fingindo estar magoada.

— O que raios está acontecendo aqui? — Gimli aumentou o tom de voz para se fazer ouvir.

— Fale mais baixo, anão! — A elfa o fuzilou com o olhar. — Eu garanti que você permanecesse vivo, mas posso providenciar para que isso mude.

Antes que ela tivesse tempo de piscar, Legolas tinha uma flecha apontada para o meio de sua testa.

— Você estaria morta antes mesmo de pensar nisso!

— Opa! Calma aí, amorzinho. — Ela estendeu a mão devagar, gesticulando para que ele abaixasse o arco. Ele não obedeceu.

— “Amorzinho”? — Gimli olhou para Legolas, que o ignorou, sentindo o rosto ardendo como nunca.

— Suma daqui! — Ele praticamente rosnou para ela.

— Tá, tá bom. Escute. Eu odeio ter que admitir isso, mas o anão tem razão. Vocês não têm comida nem montaria. Permanecer na floresta o maior tempo possível é a melhor opção para vocês. Então... Por que vocês não vêm comigo? Eu posso guiá-los.

— Eu não preciso da sua ajuda para andar no meu próprio reino.

— Eu prometo não fazer nada ao baixote, se é esse o problema.

— Quem é baixote?! — Gimli imediatamente puxou o machado, erguendo-o contra a elfa.

— Gimli, cale a boca! — Legolas falou entredentes. — Nós não precisamos de você! Estamos deixando a Floresta Verde. Deixe-nos em paz!

A elfa suspirou dramaticamente, atirando as mãos para o alto em frustração.

— Tudo bem, se é isso mesmo que você quer... — Ela saltou, agarrando-se a um galho e subindo nele com agilidade. — Ah, só para constar... Eu não vou fazer nada ao anão de qualquer jeito. Eu não tenho interesse nenhum em fazer mal a vocês. Então, não precisa se preocupar que eu mate alguém durante o sono, ou coisa assim. — Ela esperou, mas Legolas não respondeu. Ele apenas retesou mais a corda do arco, enfaticamente. — Então, até mais, amorzinho. Até quando nós nos virmos de novo.

Dizendo isso, ela saltou para um galho mais alto, e os dois logo a perderam de vista. Legolas respirou fundo, abaixando o arco. Ele estava furioso e fechou os olhos para tentar se acalmar. Havia algo naquela elfa que mexia com seus nervos. Gimli esperou que ele se acalmasse um pouco, para seu próprio bem. Quando achou que era seguro, perguntou, num tom baixo:

— Quem era aquela?

— Eu realmente não sei.

— Eu pensei que você fosse o último...

— Eu sei! — Ele praticamente gritou. — Eu também pensei. Eu devia ser o último.

— O que ela está fazendo aqui?

— Não faço ideia. — Ele estreitou os olhos. — E não gosto dela.

— Bom, ela parece gostar de você. — Gimli observou, num tom sugestivo. — Por que ela te chama de “amorzinho”? Tem certeza de que ela não é uma ex-namorada, ou coisa assim, hein? — Ele deu uma cotovelada leve em Legolas.

Antes que o anão piscasse, Legolas o estava segurando pelo pescoço, de encontro a uma árvore.

— E-Eu só estava brincando... — Gimli tentou falar, com a voz abafada.

Legolas o soltou bruscamente.

— Eu não tenho uma. — Ele resmungou, já recomeçando a andar. Um flash de memória passou por sua mente. Olhos verdes e uma roupa de capitã da guarda de Greenwood. Ele apressou o passo.

Mapa de Greenwood e arredores (livro "O Hobbit")