A Intérprete - Orgulho e Preconceito Moderno
Capítulo 4
O fim de semana depois da festa passou muito rápido e Elizabeth se divertiu ao ouvir diversas vezes de sua irmã que o tal Bingley era agradável e gentil, além de ser um exímio dançarino, claro. Jane não percebia que andava por aí suspirando e com um sorriso bobo no rosto, mas Lizzie sim e ela não perderia a oportunidade de brincar com a irmã mais velha.
— Já faz quase dez minutos. – Ela disse enquanto tomavam chá na manhã de segunda-feira.
— Oi? – Jane não entendeu a observação da irmã.
— Que você não fala nele. – Lizzie se fez de inocente, mas deixou um sorriso zombeteiro escapar.
Jane sorriu também e corou ao mesmo tempo. Fez uma careta para a irmã como quem diz “nada a ver” e pensou bem antes de se pronunciar.
— Não é bem assim, só fiquei impressionada. Estou há algum tempo no país e até então não tinha conhecido um rapaz tão simpático e prestativo.
— Vai me dizer que se ele te chamasse para sair você não aceitaria.
— Bom, - Jane começou meio desanimada. – Isso a gente nunca vai saber porque naquela confusão toda do final da festa, acabamos nos separando sem trocar nossos números de telefone.
A confusão a que Jane se referia fora causada por um dos participantes do evento que tomou uns drinks a mais e estava sem condições nenhuma de dirigir. Só que quando o manobrista disse isso a ele, o sujeito não aceitou muito bem e voltou correndo para dentro da festa dizendo que alguém tinha roubado o carro dele. Muitos dos convidados foram até a porta do hotel e acabaram assistindo a discussão do beberrão com o funcionário (que foi xingado pelo homem de uns nomes nada bonitos). Muita gente, então, decidiu intervir e explicar para o convidado que o melhor seria que ele passasse a noite ali e que o manobrista que não quis entregar-lhe a chave do carro não estava tentando roubá-lo, e sim ajuda-lo. Depois disso o cara vomitou nas plantas que decoravam a parte externa e foi escorado por um conhecido que o levou para um dos quartos do hotel. Foi o maior vexame e com certeza, todos iriam tentar descobrir em que hospital ou clínica o sujeito trabalhava. Ele seria o assunto das próximas semanas e Lizzie comentou com Charlotte que torcia para que o pobre sujeito fosse um cirurgião plástico, assim poderia refazer seu rosto e fingir que as fofocas que ele escutaria nos corredores não tinham nada a ver com ele. Elizabeth odiava gente que extrapolava na bebida.
Quando a confusão, que as garotas Bennet até acharam bem civilizada perto das que já haviam testemunhado no país delas, terminou, não havia mais nem sinal dos irmãos Bingley ou do amigo deles, o sr. Darcy. A julgar pelo pouco que conhecera Darcy, ele não suportava bem tumultos e deu o fora dali assim que tudo começou, muito provavelmente arrastando o novo amor da vida de Jane junto com ele.
— Ah, para com isso! – Lizzie revirou os olhos impaciente. – Estamos em pleno século XXI, é só você jogar o nome dele no facebook.
— Já fiz isso.
— E...?
— Não consegui encontrar.
— Sério que você conseguiu encontrar o único homem solteiro que não tem facebook, Jane? – Lizzie tentou usar um tom divertido para não desanimar a irmã.
— O único não, tentei pesquisar pelo amigo bonitão dele, mas nada também, é como se eles não existissem. Quem sabe não foram só miragens que apareceram para alegrar um pouco nossa noite? – Ela tentou fazer graça também, mas estava claro em sua voz que ela havia murchado um pouco.
— Bonitão? – Elizabeth tentou desviar o assunto da conversa enquanto pensava em um jeito de ajudar a irmã. – Você achou aquele arrogante antipático bonito? Não acredito em você, Jane!
— Pura implicância sua, Liz. – Ela respondeu com um pouco mais de ânimo. – Ele não foi antipático, só foi tímido! Nem todo mundo consegue socializar com alguém que nunca viu antes tão fácil quanto você.
— Tímido ou não, ele foi um grosseirão sem necessidade.
— Você já chegou chegando, derramou vinho na camisa dele todinha, não podia esperar que ele fosse todo sorriso com você. Pelo menos não sem uma ajudinha.
— Eu tentei fazer piada até, e ele foi super deselegante.
— Você é muito teimosa, Lizzie. Distorceu tudo. – Jane disse com um sorriso, deixando que a irmã saísse vitoriosa daquela discussão.
— E você é incapaz de enxergar defeitos nos outros. – Elizabeth rebateu retribuindo o sorriso.
Depois da conversa com Jane pela manhã, Elizabeth terminou de se arrumar e foi até o escritório, que estava estranhamente vazio. Na maior parte das vezes, ela só passava por lá em dias de reunião, e sempre tinha tanta gente que era até engraçado observar aquela tranquilidade. Só algumas pessoas sentadas em suas mesas trabalhando concentradas. Lizzie nunca gostou de escritórios, achava que eles eram claustrofóbicos e que jamais seriam um ambiente de trabalho saudável para ela, uma pessoa dinâmica que gostava de ajudar e estar rodeada de gente. “Rodeada é bem diferente de esmagada” era o que ela sempre respondia quando sua mãe reclamava que ela vivia dizendo que não gostava de ir a shows e alguns bares e baladas em seu país de origem.
— Senhorita Bennet? – A jovem secretária de sua chefe tirou-a de seu devaneio. – A senhora Wilson está aguardando, pode entrar.
Lizzie deu algumas batidinhas leves na porta de vidro esfumaçado antes de abri-la.
— Senhorita Bennet, bom dia! Pode se sentar, por favor.
Elizabeth respondeu ao cumprimento e sentou-se na cadeira em frente à mesa da chefe, sem rodeios, a mulher já foi logo dizendo para Lizzie o porquê de ter pedido para que ela se apresentasse no escritório. A tal Anderson que a sra. Wilson havia mencionado na noite da festa era a única intérprete de português do Hospital Hopkins, portanto ela queria transferir Lizzie para lá.
— E isso vai ser definitivo, ou só até arranjar outra pessoa? – Elizabeth perguntou, sentia como se tivesse levado uma pancada na cabeça e sua mente tentava formular as melhores perguntas para ajudá-la a digerir a notícia.
— Sei que foi muito repentino, mas percebemos que o outro intérprete deu conta da demanda do St. Mercy enquanto você estava fora.
Então agora ele podia ser realocado, não ela. Lizzie ficou brava por uns instantes tentando entender como a escolha de quem ficaria onde fora feita. Como se tivesse lido sua mente, a sra. Wilson continuou seu discurso.
— E como ele tem mais tempo de casa que você, perguntamos se ele ficaria feliz com uma mudança de ares.
— E ele disse não. – Elizabeth completou, ainda um pouco chocada.
— Certo, ele disse não. Por isso estou tendo que mandar você para lá.
Os lábios de Lizzie se prepararam para repetir a pergunta feita anteriormente, só que mais uma vez, a chefe dela perecia ter previsto o que viria a seguir.
— E não, srta. Bennet. Ainda não tenho ideia se isso será definitivo ou não. Espero que entenda.
— Claro. – Lizzie respondeu com um suspiro.
— Ótimo. – A sra. Wilson juntou suas mãos aparentemente aliviada. – Minha secretária vai te explicar como chegar ao Hopkins, aí é só procurar pelo sr. Collins. Bem-vinda de volta!
Elizabeth sorriu e se retirou da sala ainda tentando entender o que estava acontecendo. Não que ela não gostasse de mudanças, mas adorava o hospital em que trabalhava, e não tinha nem se despedido do pessoal ou de Charlotte.
Foi só então que a ficha dela caiu. A mudança seria difícil para ela, mas voltaria com uma notícia muito animadora para Jane, afinal, se sua memória não estivesse falhando, Hopkins era o hospital que o sr. Bingley disse que trabalhava. Ao mesmo tempo que se animou com isso, seu corpo estremeceu. Se era o hospital que Bingley trabalhava também era o hospital que Darcy trabalhava. Já começaria em seu novo ambiente de trabalho com um amigo e um inimigo, que sorte a dela.
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