Os dias que se seguiram foram muito confusos. Primeiro, porque Lizzie teve que fazer todo o tipo de acrobacia para não passar pelo sr. Darcy. Acabou sendo mais fácil do que ela imaginou que seria, pois segunda que era o dia que ele costumava ficar na clínica com ela, ele não apareceu.

— Aparentemente o dr. Darcy teve um plantão bem complicado ontem e não vai poder fazer as horas de clínica dele hoje. – O dr. Wickham praticamente cuspiu as palavras em Elizabeth assim que ela abriu a porta e deu de cara com ela.

— Ótimo. – Foi só o que ela respondeu.

Os atendimentos continuaram e as únicas palavras que eles trocaram foram as dos pacientes durante as interpretações. Mesmo assim, aquele clima pesado ainda era muito melhor do que se ela tivesse que encarar o médico que ela havia beijado há duas noites.

Depois, ela ficou sabendo que o dr. Darcy não apareceria pelo hospital durante a semana, pois estaria participando de um congresso muito importante em outra cidade. Isso fez com que Lizzie tivesse tempo de se concentrar em um problema maior: a deportação de Charlotte.

Só que ela já tinha fritado todos os seus miolos e gastado cada segundo livre dos seus dias pensando no que fazer e nenhuma ideia útil e milagrosa havia surgido. Ela queria tanto que Jane estivesse ali. Talvez sua irmã conseguisse pensar em algo, talvez Jane pudesse resolver, como quando elas eram pequenas e Lizzie brigava na escola. Jane sempre estava lá para ela, sempre resolvia tudo. Só que dessa vez, Elizabeth sabia que infelizmente, se a irmã estivesse ali, só ia sofrer junto com ela. Dessa vez, nem Jane poderia resolver as coisas. Era tão difícil ser adulta.

Então os dias foram se arrastando, até que certa noite, assim que Liz acabou de responder as várias mensagens que a mãe havia enviado para ela contando sobre a viagem da família, Charlotte ligou. Aparentemente ela havia encontrado uma luz no fim do túnel, até sua voz estava um pouco mais animada. O coração de Elizabeth se encheu de esperança e por mais que ela tivesse insistido, a amiga não quis contar nada para ela pelo telefone. Marcaram, então de se encontrar no dia seguinte. Logo depois do trabalho.

— Onde vamos? – Liz perguntou pela milésima vez desde que Charlotte havia passado para buscar ela no hospital para irem jantar. – Não dava para ter escolhido um lugar mais perto? Eu estou quase morrendo de curiosidade aqui.

— Estamos quase lá. Você vai gostar. – Charlotte respondeu com um sorriso. No fundo estava gostando de torturar a amiga.

— Eu teria gostado da lanchonete em frente ao hospital, se isso fizesse você me contar seu plano logo.

— Aquela que o Wickham queria levar você e depois aquela enfermeira e provavelmente todas as mulheres bonitas do hospital? Eu passo. – Char rebateu com nojo.

Liz revirou os olhos. Não se incomodaria de ter ido lá desde que Charlotte tivesse dito logo qual era o plano. Aquele suspense a estava matando, ainda mais porque ela precisava saber se aquele era um plano realmente bom, que com certeza daria certo.

— Falando naquele escroto do Wickham, – O rosto de Charlotte endureceu. – Estive pensando e acho que foi ele.

— Foi ele o que? – Liz perguntou confusa.

— Que arrumou um jeito de me deportarem.

Liz abriu a boca surpresa. Não que ela ainda achasse que o médico era uma boa pessoa, mas como ele poderia? E o que ganharia com isso? Não, era muito roteiro de novela mexicana.

— E por que você acha isso?

— Aquele dia, ele me ameaçou, sabe? Ele disse que conhecia gente importante. Eu não levei a sério na época, mas agora... Agora faz sentido. A minha papelada estava toda em ordem e eu tinha uma oferta de emprego. Enfim, por que do nada a imigração decidiu pegar no meu pé?

Aquilo era realmente estranho, mas por algum motivo Liz ainda preferia se recusar a acreditar. Talvez porque se tivesse sido ele realmente, então tecnicamente a culpa podia ser de Elizabeth, não de Charlotte. Ele pode ter feito isso para atingi-la. Ou não? Afinal, ela nunca soube o motivo da briga deles.

— Será? E por que vocês discutiram aquele dia?

— Já disse. – Charlotte respondeu um pouco desconfortável. – Primeiro ele implicou comigo porque eu me atrasei uns minutos na volta do almoço. Aparentemente ele se enrolou todo com o paciente e fez papel de tonto. Eu sei que não foi legal da minha parte, mas pedi desculpas.

Elizabeth deu um sorrisinho sem graça.

— Mas será que só isso o faria sentir tanta raiva assim a ponto de ele querer acabar com a sua vida? – Ela perguntou revoltada. – Gente, em que mundo nós vivemos?

— Não foi só isso. – Char continuou séria, sem desviar a atenção da via. – Depois ele veio com um papinho de que não me reportaria caso eu ajudasse a limpar a barra dele com você. Sujeitinho asqueroso, até parece que eu ia concordar com isso. Então eu falei para ele ir em frente com a reclamação, porque eu meio que tinha um bom motivo para ter me atrasado. – Ela ficou vermelha. – Chegamos.

Antes que Lizzie pudesse dizer alguma coisa, Charlotte soltou o cinto de segurança e pulou para fora do carro. Elas estavam no estacionamento do restaurante em que Jane havia passado mal há um tempo atrás. Elizabeth se animou, pois gostava muito do lugar e fazia tempo que não ia lá.

Ainda era cedo para a hora do jantar, então elas não tiveram que esperar por uma mesa. Assim que entraram a hostess já as levou até uma mesa de canto com uma iluminação agradável e entregou os cardápios dizendo que voltaria em alguns minutos para retirar os pedidos.

— E aí, não é melhor do que a lanchonete em frente ao hospital? – Char perguntou brincalhona.

— Tem razão. Mas agora desembucha, qual o plano?

Charlotte riu nervosa e então começou a contar por partes qual era a grande ideia.

— Primeiro, eu tenho que te contar uma coisa. – Ela disse olhando séria para Liz, como se tomasse coragem.

— Conte.

— Eu não te disse antes porque sabia como você se sentia em relação a ele e é estranho, mas, aconteceu e na verdade eu menti. Sobre você não conhecer o cara com quem eu estou saindo, e...

— Você está saindo com o sr. Collins. – Liz falou apressada, queria saber logo do plano.

Charlotte ficou com a boca aberta, olhando assustada para a amiga.

— Desde quando?

— Que eu sei? Desde o sábado passado. Acontece que por coincidência do destino, eu acabei escolhendo justamente o mesmo restaurante que vocês para ir aquele dia.

— Aí meu Deus! Você e o Darcy estavam no mesmo restaurante que nós? – Charlotte perguntou assustada.

— Não! – Liz respondeu apressada. – Eu ia entrar no restaurante quando vi vocês. Fiquei atordoada e fui em direção ao primeiro lugar que eu vi, um pub na esquina.

Charlotte começou a gargalhar.

— Ai, Liz. E por que você não me contou?

— Achei que estava, sei lá, invadindo sua privacidade. Se você ainda não tinha me contado quem era o tal cara misterioso era porque ainda não estava preparada, então, preferi deixar você me contar quando estivesse se sentindo confortável.

— E foi no pub que você encontrou o Darcy e...

— Sim, eu tive um surto psicótico e beijei ele. Depois saí correndo como a Cinderela, mas isso não vem ao caso. Não quero falar de homens agora, quero falar de como nós vamos fazer para você ficar aqui.

— Mas eu quis te contar sobre o William porque foi ele que me deu a ideia.

— William?

— O sr. Collins.

— Meu chefe. – Elizabeth disse mais para si mesma. – Isso ainda é muito estranho. Ele é tão mais velho e tão não legal. – Ela deu um sorriso amarelo para a amiga. – Desculpe.

— Ah, Liz. Ele fala demais, mas não é tão ruim. Você precisa dar uma chance para ele. O William é tão doce e amável.

— Podemos continuar chamando ele de sr. Collins? Vamos fazer como o pessoal daqui! Sem usar o nome. – Liz disse em tom de piada.

Charlotte só balançou a cabeça de um lado para o outro como se estivesse lidando com uma criança. Nesse momento a garçonete apareceu e elas fizeram os pedidos antes de continuarem a conversa.

— Então, continuando. Eu me encontrei ontem com o Wil... Collins e contei para ele o que estava acontecendo. Ele ficou me mandando várias mensagens depois do nosso encontro de sábado e eu não queria ser injusta com ele. Não queria que ele se iludisse e achasse que nós poderíamos ter um futuro sendo que logo eu ia ter que partir. – Char fez uma breve pausa, estava um pouco emocionada. – Foi aí que ele me surpreendeu. Ele disse que nunca tinha conhecido alguém como eu e que acreditava em destino e que mesmo que nós tenhamos acabado de nos conhecer, ele sabia que era o certo a fazer. Ele, ele me pediu em casamento, Liz.

Elizabeth só piscou algumas vezes, sem dizer nada.

— Eu vou me casar, Lizzie! Diga alguma coisa.

— Você aceitou?

— Sim. Quer dizer, não estava nos meus planos e talvez tenha sido rápido demais. Mas resolve todos os meus problemas. Se eu me casar, eu posso continuar morando aqui!

— Resolve os seus problemas? – Elizabeth respondeu maquinalmente. Ainda estava esperando a amiga falar que era tudo brincadeira. – Você acha que esse é um bom motivo para se casar?

O sorriso de Charlotte se desfez.

— Achei que ficaria contente.

— E eu ficaria. Se você fosse se casar porque você quer, com alguém que você ama de verdade, não para resolver seus problemas. Isso não é certo.

— Então eu deveria voltar para o meu país? Abrir mão dos meus sonhos e da minha luta? – O tom de Charlotte estava mais defensivo.

— Então você prefere abrir mão da sua liberdade? Char, você não conhece esse cara! Não de verdade. Se você se casar por um visto, ele vai ter a sua vida na palma da mão dele. Se ele não quiser que você saia, vai te ameaçar. Se não quiser que você trabalhe, vai te ameaçar. Será que ficar aqui desse jeito vale tanto a pena assim?

— Você que não conhece ele! O William jamais me ameaçaria.

— Charlotte! Você está parecendo uma adolescente. Você conhece ele há o que? Nem um ano! Ás vezes a gente passa anos com alguém e descobre que não conhecia de verdade. Imagina, então, alguém com que você só saiu algumas vezes? – A cara de tristeza de Charlotte fez com que ela baixasse o tom da voz. – Casamento é coisa séria, Char. Tem que ser pelos motivos certos.

— É um risco de qualquer maneira. Você mesma disse, as pessoas sempre podem mudar.

— Sim, mas...

— Não tem mas, Liz. Essa decisão cabe a mim. Eu te amo e respeito a sua opinião, mas eu já me decidi. Para ficar aqui vale sim arriscar. – Charlotte suspirou. – Eu posso não amar o William ainda, mas eu amo essa cidade. Desde o primeiro dia, eu me apaixonei por esse lugar e talvez essa seja a decisão certa pelos motivos errados! Eu quero tentar, e seria muito importante se minha melhor amiga ficasse do meu lado, mesmo que seja só para que você possa falar “eu te disse” quando a hora chegar.

Elizabeth ainda estava perplexa. No entanto, Charlotte tinha razão. Aquela decisão era dela e muita gente já a julgaria. Ela precisava agora de uma amiga, de alguém que a escutasse e torcesse por ela durante aquela fase tão complicada de apostas.

— Eu espero não ter que falar “eu te disse”. – Ela pegou na mão da amiga. É claro que ficaria ao lado dela. Sempre. E se o sr. Collins estava disposto a abrir mão da vida que ele conhecia na tentativa de ajudar Charlotte, era porque ele se importava com ela, pelo menos um pouco. Então por que não dar uma chance a ele? Se sua amiga podia, ela também podia confiar que tudo daria certo.

— Obrigada. – Charlotte segurou o choro. Entendia o lado de Elizabeth, mas tê-la ao seu lado, mesmo que a amiga não concordasse com sua decisão era mesmo muito importante para ela. – De verdade, muito obrigada.