Charlotte estava certa. Quando Elizabeth chegou ao hospital em seu primeiro dia de trabalho após a festa, ninguém fez nenhum tipo de piada ou comentário. Estavam todos concentrados em seus trabalhos e o pouco que ela ouvia sobre o evento, era o quanto ele tinha sido bom ou sobre alguém que havia levado um escorregão no meio da pista de dança.

Só que Elizabeth não teve muito tempo para aproveitar a sensação de calma e paz, porque logo lembrou que ela precisaria enfrentar Darcy. Eles ficariam na mesma sala pelas próximas horas e ela não fazia ideia de como agir. Tudo o que aconteceu naquela festa ficara martelando na cabeça dela durante todo o final de semana e ela ainda não havia conseguido chegar a uma conclusão. Ela não gostava dele, pelo contrário, detestava sua arrogância e seu ar de superioridade, mas por outro lado, aquele homem com quem ela dançou parecia tão diferente, tão passional. E agora, o que ela faria? Mencionaria algo sobre a festa? Fingiria que aquela dança nunca acontecera? Seu estômago estava doendo de tanta ansiedade.

Ela adiou o máximo possível sua ida para a clínica. Se chegasse em cima da hora, o primeiro paciente já estaria esperando, e assim, ela evitaria uma conversa confusa e cheia de incertezas. Isso, aquele era o plano perfeito! Exceto que enquanto ela fazia uma hora conversando com a moça da recepção, o dr. Wickham aparecera. Elizabeth não pode deixar de sentir-se magoada. Ela não gostava dele, mas fora trocada e a simples visão do médico a deixava nauseada e ainda mais confusa. Ela tentou disfarçar e sair dali o mais rápido que pode, mas para sua infelicidade, ele a chamou.

— E como foi a festa, srta. Bennet? – Ele perguntou com aquele ar despreocupado de sempre, como se ele não tivesse feito nada de errado.

— Foi ótima, você perdeu. – Lizzie respondeu de maneira educada. – Agora se me der licença, eu preciso...

— O que foi, Elizabeth? – Ele segurou o braço dela com delicadeza e olhou-a nos olhos. Sua voz estava calma, até com um tom de preocupação, que agora ela sabia que não passava de puro fingimento.

— Nada, eu só tenho trabalho para fazer. – Ela tentou se retirar, mas ele não a soltou.

— Não, é que você está esquisita.

— Esquisita? – Lizzie perguntou incrédula, ele não ia usar aquele discurso de homem sem vergonha para cima dela, ia?

— É, foi por que eu não pude ir na festa?

— Não combinamos nada.

— Claro que combinamos, aquele dia, quando o Sr. Collins nos entregou os convites.

— Ah, eu nem lembrava. – Ela mentiu, estava ficando vermelha e não sabia se era de vergonha ou de raiva. Possivelmente, as duas coisas.

— Ah, que pena. – Ele falou sem jeito, parecendo magoado. Pura falsidade, pensou Liz. – Eu realmente achei que íamos nos encontrar lá, mas teve esse amigo meu, sabe? A esposa largou dele e o coitado estava bem mal. Não tive cara de dizer que iria deixá-lo para ir a uma festa. Achei que você fosse entender.

E ele ainda queria que ela passasse por louca neurótica.

— Dr. Wickham, quando um homem quer a companhia de uma mulher em uma festa, ele a convida, sabia? E vice-versa. Agora como nem eu, nem você, convidamos um ao outro, creio que não houve interesse de nenhuma das partes, certo? – Ela deu um sorriso irônico ao final da frase. Reparou que algumas poucas pessoas a estavam observando, mas nem ligou. Ele pedira aquilo. – Agora se você me der licença, eu tenho mesmo trabalho para fazer.

— Como quiser. – A voz dele agora estava ressentida e irritada. Como se ele tivesse o direito de estar bravo.

— Ah, mas você pode contar essa historinha para aquela enfermeira com quem eu vi você conversando esses dias. Talvez ela acredite. – Liz falou como se estivesse dando um conselho genuíno e antes de se virar deu uma piscadela para um Wickham perplexo. Em seu íntimo, ela estava rezando para que a história que ouvira do dr. Darcy fosse verdade e a julgar pela expressão do outro médico, era sim.

Consumida pela raiva, Elizabeth fez seu caminho até a clínica pisando duro. Ela tinha sido tão idiota! Todo aquele tempo julgando as garotas desavisadas que caiam na lábia de homens sem moral sendo que era tão fácil perceber que eles não queriam nada com elas! Lizzie deu um sorriso amargo, ela havia caído exatamente na armadilha que ela julgava saber tão bem onde ficava e como evitar. Era fácil falar, criticar e dar risada das coitadinhas inocentes que não reparavam naquele discurso traiçoeiro, que ao final, deixavam-nas acreditando que estavam sendo injustas e neuróticas.

— Burra, burra, burra! – Elizabeth disse baixinho para si mesma.

Ela conhecia aquele padrão, deveria ter reconhecido de cara! Quando ele tinha alguém melhor a deixava em paz, quando não, vinha como um cãozinho dócil, fazia elogios e aos poucos reconquistava seu lugar. Até que se cansava e ia atrás de outras e assim continuava, para sempre porque ele era o típico cafajeste. E claro que ele voltaria a atormentá-la daqui a um tempo, porque tipinhos como o dele não tem vergonha, eles apenas pensam no prêmio e não na dignidade, já que afinal, eles não têm nenhuma.

Mas fazer o que? Volta e meia as pessoas acabavam caindo na lábia de um sujeito desses, infelizmente. Tantos homens e mulheres já haviam passado pela experiência de descobrir que seus parceiros não passavam de vigaristas... Era parte dos ensinamentos da vida, Liz lembrou que Jane havia dito isso a Charlotte uma vez, e tinha razão. Quando estamos de fora, é fácil ver as coisas com perspectiva, mas é só quando as coisas acontecem com a gente que percebemos o quanto é fácil falar e difícil agir.

Elizabeth estava mais tranquila quando finalmente chegou à sala, mas quando abriu a porta, ela o viu. Sentado em sua cadeira, com uma expressão preocupada olhando para alguns papeis. Lindo e inalcançável, uma combinação dolorosamente traiçoeira. Foi então que o coração da moça disparou. Porque naquele momento, livre da sombra de Wickham, ela conseguia ver as coisas com mais clareza: Estava se apaixonando pelo insuportável dr. Darcy e precisava fazer algo quanto a isso, pois no caso Wickham fora só seu orgulho que ficara ferido, agora se ela se permitisse ter esperanças e algo desse errado, Liz não suportaria ver seu coração partido pelo dono daqueles intensos olhos azuis.

— Srta. Bennet. – Sua voz saiu grave quando ele a notou parada na porta.

— Elizabeth. – Ela ouviu-se dizendo. – Só Elizabeth, eu prefiro assim, faz com que eu não me sinta tão velha.

O sorriso que o médico deu foi mínimo, mas seu olhar dizia tudo. Ele também estava sem graça e feliz em vê-la. Passava pela mesma agonia.

— Tudo bem.

Nas horas seguintes, nenhum deles falou muito, exceto quando Liz estava interpretando e ele atendendo a um paciente. Não era bem um clima de tensão que havia se estabelecido, era mais como se tanto um quanto o outro ainda não tivessem decidido exatamente se dariam ouvidos a razão ou a emoção. Nenhum deles estava disposto a dar o primeiro passo em direção ao desconhecido. Elizabeth porque não suportava a ideia de estar com alguém tão arrogante e mesquinho, que não pensava nos outros como seres humanos pelo simples fato deles não terem nascido no mesmo país que ele. Já Darcy, mantinha a compostura porque para ele a ideia de se apaixonar por uma jovem aventureira que trazia consigo uma família nem um pouco convencional e costumes totalmente diferentes dos quais ele estava acostumado, era amedrontadora. Ele jamais conseguiria saber se o amor da moça era por ele ou pelo tal do visto de noiva. Talvez a vontade de se libertar falasse mais alto do que a índole da pessoa, por melhor que ela fosse. Ele odiava pensar assim, mas talvez existissem sim fronteiras para o amor.

Infelizmente nem tudo podia ser perfeito como nos filmes e nos livros e embora a missão de Elizabeth de bloquear qualquer avanço por parte de Darcy tivesse sido bem-sucedida, ela não estava se sentindo feliz. Sentia-se vazia, como se houvesse algo que lá no fundo ela sabia que pertencia a ela, mas não pudesse ser reclamado. Foi absorta nesses pensamentos que ela esbarrou em alguém enquanto seguia para o refeitório.

— Ah, sr. Bingley! – Ela exclamou surpresa. – Desculpa.

Mas o médico apenas fez um gesto como quem diz “sem problemas” e seguiu seu caminho. Era estranho, talvez ele tivesse com pressa, caso contrário, ele com certeza teria reclamado com Elizabeth por ela não o chamar apenas de Charles. Ele também teria aproveitado e trazido o nome de Jane à tona de alguma forma porque não conseguia passar muito tempo sem pensar na moça.

Mas ele devia estar correndo para salvar uma vida. Ou pelo menos, foi isso que Lizzie imaginou.