Lizzie estava contente quando entrou no hospital naquela segunda-feira de manhã. A família Bennet já estava na cidade há um certo tempo e nenhum deles havia aprontado nada ainda, pelo menos nada que não pudesse ser contornado. A mãe de Liz tirou-a um pouco do sério no dia anterior, quando a família decidiu ir até uma lanchonete em uma esquina próxima ao apartamento das irmãs para comer alguma tranqueira leve e passar um tempo. Na hora de pagar, a sra. Bennet tentou convencer Lizzie de que não precisavam deixar a gorjeta da garçonete simpática que as atendeu.

— Mas aqui é uma lanchonete. – A Sra. Bennet tentou argumentar. – Além disso, nosso dinheiro vale muito pouco para a gente ficar pagando caixinha para todo mundo.

— Mãe, – Elizabeth revirou os olhos, já estava perdendo a paciência. – Primeiro, sendo lanchonete ou não, a moça veio até aqui, anotou seu pedido, serviu você, enfim, ela fez tudo certo, e eles levam muito a sério isso aqui! Se você não pagar, ela vai achar que fez algo de errado e ela não fez, entendeu?

A sra. Bennet lançou um olhar bravo para Elizabeth e logo em seguida, buscou o apoio do sr. Bennet, mas ele se manteve alheio a briga, como de costume.

— E segundo, que culpa ela tem que o seu dinheiro vale menos? Então era melhor nós termos ido ao mercado e feito algo em casa. Ah, quer saber? Deixa que eu pago a sua parte. – Lizzie tentou puxar a nota da mão de sua mãe, mas ela não deixou.

— Eu não falei que não ia pagar a minha. – Ela respondeu mal-humorada. – Só disse que não era obrigação nossa deixar a gorjeta.

Liz desistiu de tentar mostrar para a mãe que ela estava errada. Era melhor deixar ela achar que estava fazendo um favor enorme dando a gorjeta da atendente que fez tudo certo. Jane, que pela primeira vez acompanhava a família em um passeio, puxou Lizzie pelo braço quando estavam saindo do local.

— Não esquenta. – Ela disse num sussurro para a mãe não ouvir. – Quando for assim não se estressa, eu já tinha deixado um dinheiro separado para deixar na mesa sem a mamãe ver.

Jane sempre fora do tipo pacífico, que não perdia tempo discutindo, e muitas vezes, Lizzie a invejava. Ela queria ser daquele jeito também, mas era muito cabeça dura e gostava da ordem. Deixar alguém fazer algo que ela considerava errado perto dela era quase a morte. Liz sempre acreditava que estava perdendo a chance de mostrar o certo para a pessoa, o que ela não percebia, é que algumas vezes, a pessoa já sabia o que era o certo, estava simplesmente optando pelo cômodo, e outras tantas, o certo para ela, não era o certo para os outros.

Mas fora essa dorzinha de cabeça, Liz tinha passado bons momentos com a família. A mãe ainda não havia começado a tentar reorganizar seu apartamento, o que era um alívio. Lydia já havia feito amizade pela vizinhança, o que a admirou, sua mãe nunca mencionara o quanto o inglês da menina havia melhorado. Kitty, como sempre, andava grudada com a irmã, o que deixava Liz um pouco mais tranquila. Não que ela confiasse plenamente em seu juízo, mas pelo menos, a irmã não estava sozinha e Kitty às vezes acabava soltando algumas informações sem querer, o que a tornava a melhor opção para ficar de olho em Lydia. Mary estava devorando os livros que Elizabeth tinha na estante e o seu pai, bem, ele continuava do jeitão caladão dele, mas não perdia a hora de tomar o café da manhã com a filha. Liz apreciava aqueles poucos momentos de conversa, e as vezes ouvia mais a voz do pai durante aquelas manhãs apressadas do que no resto do dia.

Liz foi tirada de seus pensamentos pela recepcionista do hospital, uma moça simpática que sempre lhe dava bom dia, só que hoje, além do cumprimento, ela disse que tinha algo para ela. Curiosa, Elizabeth esperou que a moça lhe entregasse uma caixa de bombons. Ela sorriu, tinha uma boa ideia de quem tinha enviado aquilo.

— Tenha um bom dia, srta. Bennet. – A moça da recepção se despediu com um sorriso.

— Obrigada, para você também. – Elizabeth retribuiu a simpatia e seguiu seu caminho saltitante. É claro que ela não notou o dr. Darcy do outro lado do balcão, fingindo que não estava prestando atenção nela enquanto assinava alguns papeis.

Somente quando se afastou, ela parou para ler o cartãozinho minúsculo que viera junto com os chocolates. Era exatamente de quem ela imaginara, Jane.

Para a melhor irmã do mundo!

Ela sorriu, não esperava que a irmã levasse a sério quando ela pediu os chocolates como retribuição por ter passado o endereço da casa para Bingley, mas Jane era Jane, sempre fofa e surpreendente. Aquilo definitivamente alegrou a manhã de Liz e um certo alguém não pode deixar de perceber.

— Admirador secreto? – Ela ouviu a voz curiosa do dr. Wickham perguntar e deu um pulo de susto. Quando virou para encará-lo, deu de cara com um sorriso muito charmoso.

— Ah, não. – Ela respondeu e sentiu-se corar. – Não, foi da minha irmã, sabe... De agradecimento.

— Que bom. – Ele disse olhando-a nos olhos, Lizzie desviou o olhar sem graça e só então reparou naquela cara de quem estava tramando alguma coisa. Ela não pode negar que aquilo deixou-a balançada. – Que horas você costuma almoçar?

Elizabeth quase engasgou antes de conseguir dar uma resposta decente ao médico.

— Ótimo, também saio esse horário. – Ele sorriu animado. – Te espero, pode ser?

— Cla... Claro. – Ela respondeu com um sorriso bobo. – Até mais tarde, então.

Ele respondeu com um aceno e se retirou. Liz ficou quase um minuto parada, olhando para o nada, até se recompor e seguir seu caminho. Quando chegou na clínica estava tão animada que nem a visão do rabugento do sr. Darcy, acabou com a sua alegria.

— Bom dia! – Ela disse com animação, enquanto se sentava e esperava ele terminar de arrumar suas coisas.

— Bom dia. – Ele respondeu um tanto sério, nem mesmo olhou-a nos olhos e aquilo a deixou intrigada. Da última vez, achou que tinham evoluído um pouco, tinham conversado bastante e se aturado, mas agora ele parecia tão frio quanto no dia em que ela o conheceu.

— O final de semana não foi bom, é? – Ela provocou para ver se ele se soltava.

— Acho que não tão bom quanto o seu, srta. Bennet. – Ele respondeu, ainda sem fitá-la. Liz se sentiu agoniada diante do modo como ele a chamara. Não que ele tenha chamado ela pelo primeiro nome alguma vez, mas algo em seu âmago a fez desejar que ele a tratasse menos formalmente.

O sorriso, então, desapareceu de seus lábios e ela parou de falar, um tanto confusa. Darcy finalmente encarou-a e talvez tenha percebido que estava sendo um pouco grosseiro, pois tratou de puxar um assunto qualquer.

As horas seguintes deixaram Lizzie inquieta. No geral, ela não estava nem aí para a opinião do sr. Darcy, mas achou que depois da última conversa, que apesar de breve fora, na cabeça dela, muito significante, eles talvez pudessem ser amigos, ou pelo menos um pouco mais toleráveis um para o outro. Lizzie odiava não entender alguma coisa, e aquele médico a estava deixando louca, ele era tão difícil de decifrar, uma pessoa aparentemente tão complexa que fez com que ela se sentisse tensa durante o tempo inteiro em que esteve em sua presença, mesmo que os dois nem ao menos tivessem trocado farpas, como de costume.

Ela estava quase saindo correndo gritando daquela sala quando Darcy anunciou que atenderia seu último paciente. Lizzie suspirou aliviada, não aguentaria mais nenhum segundo naquela atmosfera, não porque estivesse apenas odiando. O que mais a surpreendia, é que ela estava adorando odiar a presença dele, e aquilo sim era estranho.

Liz definitivamente precisava que a hora do almoço chegasse logo. A aura descontraída de Wickham era tão mais confortável para ela, era fácil estar perto dele e ele sempre dava um jeito de animá-la, mesmo sem querer. Foi nessa ansiedade de vê-lo que o dr. Wickham encontrou-a a caminho do refeitório algumas horas mais tarde.

— Pronta? – Ele perguntou com o sorriso relaxado de sempre. – Espero que você não se importe de ficarmos por aqui mesmo, meu tempo vai ser mais curto do que eu imaginei

— Anh, claro, quer dizer, sem problemas. – Ela respondeu sem graça, não estava esperando que eles fossem sair do hospital mesmo, aquilo seria meio estranho. Ela achou que era só um almoço sem compromisso entre dois colegas de trabalho. Claro, ela estava interessada em algo mais, mas não conhecia ele tão bem assim, e não queria apressar nada antes que pudesse conhece-lo melhor. Cautelosa, essa era a sua palavra quando o assunto era relacionamento.

Os dois entraram no refeitório que não estava muito cheio ainda. Elizabeth estava meio receosa, tentou escolher só os alimentos que não pudessem fazê-la passar vergonha. Salada estava fora de cogitação, ela sorriu lembrando-se da insuportável Caroline, como ela queria que da próxima vez que ela fosse almoçar com Darcy, um pedaço do vegetal ficasse preso entre seus dentes! Era mais do que merecido, e por falar na víbora, Liz a viu de relance sentada sozinha em uma mesa no canto.

Ótimo, pelo menos o “encantador” dr. Darcy não estava por ali. Liz sorriu, ao se juntar ao dr. Wickham em uma mesinha bem afastada de onde a srta. Bingley se encontrava. Ela estava sem graça quando se sentou, pensando em mil assuntos na esperança de encontrar algum que pudesse ajudá-la a iniciar uma conversa com seu acompanhante. Só que ela não precisava ter se preocupado quanto a isso, pois assim que se acomodou, Wickham tratou de conduzir a conversa. Em pouco tempo, Elizabeth já estava mais relaxada e sorria ao ouvir as histórias do médico a sua frente. Estava exatamente pensando no quão galante ele conseguia ser, quando seu olhar encontrou o de alguém que não parecia nada satisfeito.

A expressão de Elizabeth endureceu e isso deve ter despertado a atenção do dr. Wickham, pois ele se virou e seguiu seu olhar.

— Ah! Dr. Darcy. – Ele cumprimentou-o cordialmente e em seguida virou para o homem ao seu lado. – Dr. Bingley.

— Olá, dr. Wickham. – O Sr. Bingley respondeu todo animado, enquanto seu amigo ficou parado, apenas observando Liz e seu acompanhante com um olhar gélido. – E Elizabeth, que bom encontrar você aqui, queria muito te agradecer!

O jeito pela qual Bingley se dirigiu a Elizabeth, de maneira totalmente informal, como tinham combinado, aparentemente deixou o sr. Darcy desconcertado, pois sua expressão dura pareceu confusa, mas só por um segundo. Se ela não estivesse observando-o com atenção, nem teria percebido.

— Imagina, Bi... – Ela percebeu que o médico arqueou a sobrancelha, como quem diz “e o que combinamos? ” – Quero dizer, Charles. Minha irmã ficou muito contente com a sua visita, embora eu achasse que você ia mandar apenas um cartão, ou flores, senão eu teria te avisado sobre a minha família. Eles foram realmente inconvenientes, peço desculpas por isso.

— Você falou igualzinho a Jane – Ele riu. – E eu já falei para ela, não foi incômodo nenhum, muito pelo contrário, eles me trataram muito bem.

— Fico feliz, então.

Naquele momento, o sr. Darcy começou a encarar diretamente o dr. Wickham, que não se intimidou e retribuiu o olhar. Em menos de três segundos, Darcy avisou que precisava se retirar e saiu pisando duro. Bingley pareceu um pouco surpreso, deu um sorriso sem graça e fez que ia se retirar, mas antes, voltou-se novamente para Lizzie.

— Já ficaram sabendo da festa de 50 anos do hospital?

— Não. Que festa? – Liz ficou curiosa.

— Acho que logo, logo o sr. Collins vai passar o recado. Você acha que a Jane aceitaria ser minha acompanhante? – Ele perguntou meio tímido, Liz achou muito fofo, mas não comentou nada para não deixá-lo sem graça.

— Por que você não pergunta diretamente para ela? – Liz respondeu meio enigmaticamente. – Acho que vale a pena o risco.

— Com certeza vale. – Ele sorriu e se retirou logo após acenar para Lizzie e Wickham.

Agora, quem encontrava-se com a sobrancelha arqueada era Wickham.

— Então, sua irmã e o Dr. Bingley, hein? – Ele comentou de maneira espontânea, o que normalmente a teria feito sorrir, só que naquele momento, ela mal prestava atenção nele. Tudo o que queria, era descobrir o porquê daqueles dois serem tão ariscos um com o outro. Será que era ódio mesmo que ela sentia emanar tanto de um quanto do outro?

Aquele era um mistério que com certeza valia a pena ser resolvido e Liz não mediria esforços para fazê-lo.

— Pois é. – Ela respondeu com o seu melhor sorriso.