A Imperatriz e a Princesa

Há conforto através de gestos


Era fim de inverno, a neve cobria a única janela que proporcionava a Xena uma pequena visão do mundo exterior. A Imperatriz sentia falta da cantoria dos pássaros, sentia falta do ar puro que entrava toda manhã. Mas, para compensar a falta de tudo isso, os Deuses a enviaram Gabrielle. A barda passava horas em sua cela, fato que causou estranhamento na guerreira a princípio, porém a jovem apenas dizia:

— Contanto que eu esteja viva ou não atrapalhe os planos do Imperador, eu posso ficar em qualquer lugar, a hora que eu quiser. – Ela explicava suavemente todas as vezes que era questionada. Xena se perguntava se os planos de César a envolviam, mas temia que fosse tudo sobre Gabrielle, o que a deixava ainda mais confusa.

Curiosidade sempre a apanhava quando se tratava de sua serva. A poetisa tinha algo que apenas um dos guardas possuía, ela podia entrar e sair a hora que quisesse de sua cela. A vontade de saber mais sobre Gabrielle era esmagadora, a pequena era a única que conseguia trazer seu lado humano, mas também era a única a instigar sua escuridão com tanta desordem. Isto se dava porque nos momentos que ambas compartilhavam, a vontade exclusiva de Xena era de fugir e esquecer qualquer coisa que a prendia ali.

Em uma manhã mais fria que as outras, a mulher de cabelos negros começou a se preocupar com o atraso da barda. A moça costumava chegar sempre pontualmente. Neste dia, no entanto, ela não aparecera, um soldado veio lhe trazer uma maçã para o desjejum e foi embora sem dizer ao menos uma palavra. Talvez César descobrira que ela é minha amiga e a tenha matado apenas por diversão, talvez ela esteja sendo castigada apenas por me fazer sorrir. Pensamentos como estes zombavam de Xena, ela tentava manter a calma, contudo, era estranho saber que, neste exato momento, ela podia ter perdido o seu único contato com o mundo externo, a sua única chama de esperança. Porque era isso que Gabrielle representava, esperança.

A porta de madeira fez um rangido alto, diferente dos outros dias, mostrando que alguém estava a caminho, deixando a guerreira em estado de alerta. A visão, entretanto, não poderia ter sido melhor. Gabrielle! A jovem estava bem, usava peles escuras por cima de sua roupa, mas era nítida a mudança de vestimentas, calçava botas de inverno e um vestido azulado longo que cobria sua barriga, mas o que sua mente gritava era: "Ela está salva, Gabrielle está a salvo!" Xena correu na direção da mais nova, sem ligar para a demonstração de fraqueza, e a abraçou, nem mesmo a barriga arredondada da loira as impediu de dar um abraço completo, cheio de alívio e carinho mútuo. Tudo havia mudado.

— Confesso que não esperava uma recepção tão calorosa assim, Imperatriz. – A jovem comentou sorrindo.

— Nunca mais repita isso novamente, ouviu? – A guerreira estava um pouco sem jeito, devido a forte demonstração de afeto do minuto anterior, mas falava de maneira mais séria. – Ao menos peça para um dos guardas me informar se você está bem quando não vier. – As visitas viraram tão rotineiras e necessárias, que Xena temia não se acostumar com a falta da poetisa se um dia ela partisse de vez.

— Desculpe, eu só queria fazer uma surpresa. – Gabrielle continuava sorrindo, um pouco de vergonha pelo fato de não ter pensado na possibilidade de a amiga realmente sentir sua falta, mas ela estava tendo um bom dia. A loira, então, mostrou o motivo de seu atraso. Uma rosa! A mais vermelha e mais cheirosa rosa já vista por ambas. A Imperatriz recebeu a flor com os olhos azuis brilhando. – Você comentou ontem o quanto sentia falta de ver o mundo, eu sei que isso não se compara, mas-

— Ela é perfeita, muito obrigada! – Xena interrompeu a moça, pois não precisava de mais explicações, ela havia entendido a bela intenção de Gabrielle. Ela fitou por um segundo a flor em suas mãos, enquanto um sorriso nascia involuntariamente em seus lábios. – Como a conseguiu? Digo, com toda esta neve, onde encontrou uma rosa tão bonita quanto esta?

— Eu só precisei procurar no lugar certo. – A loira recebeu um olhar impaciente da guerreira com a sua filosofia fora de hora, por isso logo contou a verdade. – Há um jardim, um pouco longe da torre, lá não neva tanto quanto aqui. Eu costumava ir até ele antes de ser enviada para cá. Algumas flores ficam intactas, você iria gostar do lugar, é quase mágico.

— Se foi este o motivo de seu atraso, está perdoada! – Xena colocou a rosa perto da janela e sentou-se. – Mas, você ainda me deve uma história, lembra-se? – Por um momento, Gabrielle mostrou-se inquieta, mas retribuiu o sorriso da amiga.

— Certo, onde foi que eu parei? – Sentou-se, colocando as mãos sobre suas pernas.

— Você havia se instalado em Amphipolis. – A curiosidade devorava Xena, ela queria saber como sua cidade estava, mas tinha tanto medo.

— Na taverna de Cyrene. Certo. – Ela parou tentando separar apenas as partes importantes de sua estadia lá.

— Desculpe, Cyrene? – Era sua mãe, Gabrielle havia encontrado sua mãe.

— Sim, alguma conhecida sua? – A barda perguntou interessada.

Por um pequeno período de tempo, a Imperatriz parou. Pensava se deveria ou não contar sua história verdadeira para Gabrielle, a jovem já havia demonstrado ser amável, gentil, doce, mas talvez não fosse confiável o suficiente para isso. Apesar de desejar poder partilhar seu passado, ela temia que não fosse o certo a fazer.

— Minha mãe. – Mesmo hesitante, a guerreira revelou. Um detalhe pequeno, mas muito importante, tanto que a revelação de tal foi considerada um grande passo por ela.

— Sua mãe? – A jovem engasgou um pouco com o choque. Tudo fazia mais sentido agora. A filha de Cyrene não havia morrido, havia se tornado a temível Imperatriz de Roma. Xena era a razão das lágrimas de sua amiga. – Por que você a abandonou? – Havia uma pitada de indignação na voz. – Ela era minha amiga...

— Na época em que saí de casa, eu só sentia raiva dela. Não deveria, logicamente. Mas a escuridão me venceu.

— Perdoe-me, eu não consigo entender. Ela me pareceu uma pessoa tão boa, tão doce. - A voz de Gabrielle falhava e cruzava a linha da indignação direto para a linha da saudade. - Ela se tornou uma amiga, uma mãe pra mim. Como podemos estar falando da mesma pessoa?

— Foi tudo minha culpa. Eu a odiei por me abandonar na minha própria dor, por me culpar pela morte do meu irmão, então, fui embora. Nem ao menos olhei para trás. – Dor dominava a voz da guerreira, a voz embargada fazia com que as palavras saíssem com certa fraqueza.

Gabrielle imaginava que a cidade natal de Xena era Amphipolis devido a uma conversa anterior delas, mas não tinha ideia que havia um passado tão doloroso por trás da Imperatriz. Ela queria saber mais, curiosidade dominava a loira, no entanto ela percebeu que a mulher a sua frente não revelaria mais do que isso. A barda olhou de maneira solidária para a amiga e depositou sua mão direita na perna dela.

— Eu sinto muito. Eu sei como é horrível perder alguém que se ama. – A escrava de vida miserável, consolava a Imperatriz aprisionada. Por um momento pareceu cômico para Xena. – Se ajuda alguma coisa, ela sente sua falta.

E, asism, o silêncio se instalou no local. Ambas presas em seus passados. O tempo passou, as feridas voltaram a curar e a aceitação do destino pairou no ar.

— Isso tudo é uma distração, certo? – A morena disse após alguns minutos, um pouco mais humorada.

— Desculpe? – Gabrielle a olhou um pouco confusa.

— Para sua história, você não quer que eu descubra o final. – Xena sorriu.

— Não há muito mais o que contar. Quando deixei a taverna de sua mãe, eu fui capturada por Draco, jogada em um navio com mais alguns escravos e desembarquei aqui, em Roma. Isso é tudo. – A barda escondia todos os detalhes dela, era impressionante. Ela falava de maneira tão casual que a Imperatriz quase acreditava que esta era a história toda.

— Certo, muita informação para um só dia. Tens razão. Talvez amanhã você continue.

— Não há mais o que falar. – Disse a loira enquanto se levantava.

— Sempre há mais o que falar. Além disso, já estou aqui há tanto tempo que, para minha sanidade, você precisará me contar umas boas histórias.

— Mas não a minha. Farei algo melhor.

— Algo melhor? – Xena estava curiosa, ela olhou para rosa, sabendo exatamente o que a moça pretendia.

— Verá amanhã, descanse agora e não se preocupe, eu estarei aqui quando acordar. ­– A jovem sorriu e foi embora, deixando a pele que ela vestia para esquentar a amiga.