Era como se o tempo tivesse parado. Eu não achei que isso fosse possível, mas, diante daquela cidade imensa e quase adormecida, eu me sentia como se estivéssemos longe de tudo e todos; só havia Alex e eu, a mão dele segurando a minha com firmeza e as estrelas sem fim. O resto do mundo estava do outro lado da nossa bolha, atrás da barreira protetora invisível que me escondia de tudo que havia além da linha do horizonte. O que estava depois do que os meus olhos conseguiam ver ou do que eu podia sentir não importava.

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Depois daquela volta de carro, o silêncio entre nós havia se tornado algo familiar e até mesmo reconfortante, mas até eu sabia que aquele era o momento em que eu precisava dizer algo.

— Não… acho que eu consigo entender, sim. Faz sentido — eu reafirmei só para ter certeza de que tinha sido clara. — Pode não ter quase ninguém pela cidade agora, mas eu olho para tudo isso e vejo o quanto esse mundo é imenso. E tem muitas gente lá fora, não tem? Gente de todos os tipos? Gente que talvez pudesse me entender?

De onde foi que aquilo saiu? Eu nem sabia que me sentia assim. Só… escorregou enquanto eu estava falando. Talvez ele que não entendesse nada agora.

— Quem sabe? — Ele parou e pensou consigo mesmo por um instante. — Quem é que consegue ter noção do que é o tamanho do mundo lá fora? São números gigantes que nem parecem fazer sentido. Por que não teria alguém assim por aí?

Alex não tirou os olhos da vista à nossa frente, mas apertou a minha mão ao dizer aquelas palavras. O toque não parecia mais tão frio. Talvez eu estivesse pensando demais, só que, por um instante… só por um instante… eu senti que entendia o que aquele gesto queria dizer.

Talvez essa pessoa não estivesse tão longe assim…?

Ou será que era eu quem queria pensar aquilo? Meu estômago embrulhou outra vez e eu tive certeza de que o álcool realmente não era mais o problema.

De repente, ele olhou para mim e uma risada seca escapou dos seus lábios. Aquele som não parecia combinar com ele, nem com aquele momento. Eu não conseguia imaginar o que poderia estar se passando na cabeça dele.

— Quer saber outra coisa que eu gosto de fazer aqui? — ele me perguntou e continuou logo em seguida. — Gritar. Não tem ninguém por perto para ouvir.

… o que, exatamente, ele queria dizer com aquilo? A minha confusão deve ter sido bem óbvia, porque eu o vi abrir a boca e fechar logo em seguida algumas vezes antes de me responder.

— Isso não pareceu tão estranho na minha cabeça. É, bem, desculpe. Eu também não sei se isso vai fazer sentido para você, mas é bom. Faz bem. Alivia. Você devia tentar.

— Gritar?

— É. Gritar.

— E gritar o quê?

— O que você quiser. Ou nada. Só… gritar. Você vai entender.

Eu definitivamente não estava entendendo nada daquela conversa. Olhei ao nosso redor, mas a luz baixa que vinha do carro não ajudava em nada e eu também não sabia o que estava procurando. Alex pareceu notar a minha confusão, porque ele suspirou e então explicou:

— Tente. Pense no que te faz querer gritar e grite, você vai ver. Se não ajudar, eu não ou mais insistir.

Senti a mão dele apertar a minha de surpresa outra vez. Ou talvez eu estivesse imaginando aquilo. Foi coisa de um segundo. Será...?

Bom, o que eu tinha a perder?

Virei o rosto rápido, esperando que ele não me visse fazendo aquilo, e respirei bem fundo com a boca. Eu nem sabia por onde começar a entender tudo o que tinha acontecido naquela noite e só podia torcer para que ele estivesse certo.

E então eu me lembrei daquilo que estava tentando seguir a noite inteira: não pensar demais.

Aaaaaahhhhhh!

Foi rápido, tímido e meio seco, mas eu tentei. Aquilo ainda era estranho. Eu me sentia estranha gritando feito uma louca, mas quando é que eu não me sentia assim, de qualquer forma?

Talvez fosse a hora de me libertar disso.

Talvez eu estivesse no lugar certo, onde não havia ninguém para ver isso além da pessoa que me recomendou fazer exatamente o que eu estava tentando fazer.

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Eu respirei fundo e gritei de novo. Até tentei ser mais firme dessa vez, só que logo perdi o fôlego. Ainda era difícil respirar.

Pensando bem, eu queria gritar. Eu queria gritar com todos eles, só que seria inútil e talvez piorasse tudo. E, apesar disso, eu ainda queria gritar com todos eles e queria que eles sentissem exatamente o que me fizeram sentir. O que fizeram Maya sentir.

Eu gritei mais uma vez. Quando me lembrei de Maya, não foi difícil; foi quase um reflexo. Porque por mais que eu estivesse com raiva agora, eu nunca conseguiria entender o quanto ela estava sofrendo se chegou ao ponto de não conseguir mais lidar com isso. Eles precisavam saber disso, eu precisava gritar isso para o mundo.

Mas o mundo não queria me ouvir, e eu não sabia como entender ou comunicar o que eu estava sentindo. Tudo o que me restava era gritar até não ter mais voz, e era exatamente isso que eu ia fazer.

Eu gritei de novo. E de novo. E de novo. E, quando eu achei que os meus pulmões não iam aguentar mais, eu ainda consegui soltar um último berro meio arranhado. Quando terminei, eu estava ofegando. Meu rosto estava coberto por lágrimas e eu nem percebi que tinha começado a chorar. Na verdade, elas não paravam. Elas simplesmente não paravam e eu não estava tentando impedi-las.

— Puta merda. — Ouvi Alex exclamar perto de mim. — Você está carregando um monte de coisas, não está?

Minha única resposta foi um choro alto. Eu não ia conseguir dizer nada nem mesmo se eu soubesse o que dizer, então apenas torci para que ele não achasse que eu era uma louca fora de controle.

No entanto, ao invés de me criticar ou me julgar, Alex apertou a minha mão mais uma vez. Eu tinha certeza de que não tinha imaginado nada agora.

— Desculpe. Eu não quero me intrometer, não é da minha conta — ele fez uma pausa e limpou a garganta. — Eu disse que ia te fazer bem. Alivia, não alivia?

— É — eu sussurrei e assenti. — Alivia.

E eu gritei de novo. E de novo. E mais uma vez. Eu não podia negar que ele tinha razão. Por mais confuso que pudesse parecer, era como se eu tivesse botado para fora coisas que eu mesma nem sabia que estava guardando. Vergonha do que aconteceu nessa noite. Raiva de todas as vezes que eu fui tratada daquele jeito só por não ser o que as pessoas achavam que eu deveria ser. Frustração por todas as vezes que o que eu estava sentindo não importou. Ódio do que fizeram comigo, com Maya, do fato de que ela agora estava em algum lugar muito longe daqui e longe de mim. Eu não tinha como lhe dizer o quanto doía lembrar que ela não estava mais aqui, ou saber que eu nunca mais a veria, e ela era a pessoa com quem eu mais queria poder falar sobre isso.

Nós nunca mais íamos falar sobre nada, nem os meus desejos egoístas. Tinha tantas coisas que eu queria dizer, perguntar, dividir, até mesmo reclamar, e eu nunca ia saber o que ela tinha a dizer sobre nada disso. Mas, sempre que acontecia alguma comigo ou que eu via alguma coisa interessante, eu só queria saber o que ela teria a dizer sobre o que fosse lá o que fosse. Eu era tão egoísta. Eu nunca vi o quanto ela estava sofrendo e nem percebi que aquelas fofocas a machucaram tanto, mas as coisas que eu quero dizer ficam voltando o tempo todo para me sufocar mais e mais.

Maya sempre estava sorrindo. Como eu ia saber? Por que ela não me disse? Será que ela não confiava em mim? Como eu ia saber que havia algo errado se ela sempre estava com aquele mesmo sorriso no rosto? Como isso era justo, Maya? Como, se você nem me deu nenhuma chance de fazer nada? Não…

Eu respirei fundo, e então mais fundo, e puxei o ar até não ter mais como. Eu também não estava sendo justa. Eu devia ter visto. Eu devia ter entendido e eu nunca ia conseguir parar de pensar nisso. E se eu tivesse prestado um pouquinho mais de atenção? Será que tudo teria sido diferente? Será que ela ainda estaria aqui?

AAAAAHHHHHHHHHHHH!

Eu queria e esperava e que aquele fosse o grito mais alto e forte de todos — e foi, mas não só pelo meu esforço. Alex se juntou à mim sem que eu percebesse e o nosso grito ecoou pela noite como se estivéssemos em um filme de terror.

Só que eu não estava com medo. Eu não sabia o que estava sentindo, nem se ainda conseguia sentir alguma coisa depois da montanha russa que foi essa noite, mas os dedos firmes de Alex segurando a minha mão eram a única coisa que eu ainda conseguia perceber entre o ar noturno e gelado que nos rodeava. E foi graças a eles que eu soube que não estava sozinha, e, ao menos naquele momento, não havia motivo para ter medo.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.