A Ilusão da Realidade

A Culpa Era Só Minha


E assim, com aquelas palavras, eu senti tudo mudar em um segundo.

Aquilo tinha ficado sério demais rápido demais. E se eu estragasse tudo? E se ele risse de mim, do meu corpo pequeno e esquisito? E se ele me achasse sem graça? Um cara daqueles com certeza já tinha ficado com garotas bem mais interessantes e experientes do que eu, e eu não estava pronta para tantas primeiras experiências numa noite só. Nem todo o uísque do mundo poderia me ajudar. Aquilo era real demais.

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Jonas me segurou pela mão e começou a me guiar. E se ele se decepcionasse comigo? Aliás, não havia “se”, ele com certeza esperava alguma coisa depois de toda aquela dança. No que eu estava pensando? Por que eu fiz ele pensar que queria ir até o fim? E se ele achasse que eu era uma criança idiota?

Olívia se aproximou de Jonas com um sorriso e ele falou algo no ouvido dela. Eu não conseguia entender nada do que eles estavam falando com aquela música alta, mas não era difícil imaginar. Eles trocaram mais um riso e Olívia respondeu alguma coisa que eu não entendi. Mesmo assim, eu sabia o que estava acontecendo e só consegui ficar ali olhando feito idiota. Será que era isso mesmo? Isso estava acontecendo comigo? Ele queria mesmo ficar assim comigo?

A mão forte de Jonas me guiou e eu segui até uma porta, a música e o barulho da festa cada vez mais distantes. Ele entrou no quarto escuro e me puxou para me guiar para dentro, porém meus pés não conseguiram acompanhar. Foi como se eles não conseguissem se mover. Eu tropecei e quase fui para frente, e por sorte consegui me apoiar na parede para não cair de cara no chão.

Os meus pés não queriam dar aquele passo porque eu não queria dar aquele passo, e eu sabia disso. Eu achei que beber daquele jeito me ajudaria a fazer qualquer coisa, só que eu estava com mais vontade ainda de correr para o outro lado. Eu não queria que fosse assim. Não ali, não daquele jeito.

— Linda? — Jonas chamou ainda de dentro do quarto. — Tá tudo certo? Você vem? Pode ficar tranquila, eu vou com calma, só vamos fazer o que você quiser…

A voz dele era doce e calma, mas eu não conseguia me sentir à vontade sendo chamada de linda o tempo todo. Eu não era a garota que era chamada de linda. Aquilo não estava certo.

— Mas eu não quero fazer nada — respondi sem hesitar. Pelo menos, ainda havia alguma coragem em mim mesmo que eu nem conseguisse me mexer.

Jonas voltou para fora do quarto e eu consegui ver o seu rosto outra vez. Seu sorriso confiante e contagiante havia desaparecido.

— Caramba, você vai mesmo me deixar na mão depois de me deixar doidinho daquele jeito? Isso não é justo. Você não pode fazer isso comigo, linda.

O tom de voz era o mesmo que ele havia usado a noite toda, mas havia algo diferente na forma como ele se expressava que eu não conseguia entender. O que eu entendia era que eu não gostava daquela diferença.

— Olha, desculpa, acho que você entendeu errado…

— O que você queria que eu entendesse se esfregando em mim daquele jeito? Deixa de frescura, anda logo.

Eu não sabia o que dizer e nem queria dizer nada. Eu me virei quase que como por reflexo e saí andando rápido dali, para bem longe daquele quarto escuro. Pela primeira vez em muito tempo, eu senti que precisava estar perto das outras pessoas mesmo que me sentisse um peixe fora d’água ali.

Olívia estava no fim do corredor, e ela sorriu quando nos cruzamos. Não pensei nada demais quando a vi e, com certeza, não esperei ouvir a voz dela depois de já ter virado de volta para a direção da sala.

— É, eu acho que você não gosta da coisa mesmo, né?

Uma risada alta seguiu o comentário. Eu não entendi o que ela queria dizer, nem o que poderia ser tão engraçado assim.

— Do que é que você está falando, Olívia? — rebati aproveitando cada mililitro de coragem que ainda havia no meu sangue. — O que tá acontecendo?

— Eu vou explicar “o que tá acontecendo” — Olívia respondeu imitando o meu jeito de falar. — Pelo jeito, você é tão burra que não entendeu ainda. Isso é um teste e você não passou! Eu sabia que uma sapata nojenta como você não ia querer um homem de verdade que nem o Jonas! Você não pode ser normal mesmo, você é uma aberração!

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Eu não sabia como reagir. Olívia, a Olívia de verdade, estava bem ali na minha frente, rindo alto e me chamando de “sapata” sem parar. A mesma que eu via todos os dias, que sempre me chamava por algum apelido e que sempre torcia o nariz quando eu não fazia o que ela queria. Ela me observava com os olhos altos e bem abertos, e só isso já conseguia me fazer sentir como se eu estivesse no chão. Talvez até mais baixo ainda. Ariane também ria ao seu lado e eu nem tinha percebido que ela estava ali.

Sapata! Sapata!

Isso é errado! Você vai pro inferno!

Vem cá que eu resolvo o seu problema, você vai aprender a gostar de macho!

Que nojo!

Vai colar velcro!

O coro estava ficando mais alto. Ainda havia música? Quando foi que a ela parou? Por que o meu estômago decidiu começar a queimar logo naquele momento? Eu podia perceber que havia várias vozes ao meu redor, mas não sabia dizer a quem elas pertenciam. Tinha muita gente ali? Os xingamentos se misturavam e me confundiam. Eu não sabia mais onde estava, nem que cômodo da casa era aquele, mas eu precisava sair dali.

Eu me virei e saí andando rápido de novo, pela milésima vez naquela noite. Daquela vez, não havia volta. Eu precisava sumir.

Eu queria sumir para sempre.

Eu não queria vez nenhum deles nunca mais.

Eu só queria não ter que existir.

Como eu não percebi que havia algo muito errado nisso tudo? Era claro que um cara como aquele não ia ver nada em mim. Era óbvio que Olívia nunca me convidaria para uma festa sem motivo. Como eu fui tão burra? Como eu não vi isso? Por que eu achei que as coisas iam mudar tanto assim do nada? Será que eu não ia aprender nunca? Eu nem tinha percebido o quanto me deixei levar, me deixei acreditar. Não, eu quis acreditar e o pouco que ainda havia de álcool em mim gritava isso sem dó. Eu quis acreditar e recebi o lembrete que eu estava precisando de que eu nunca iria me encaixar em lugar nenhum. E a culpa era só minha, todinha minha. Como eu fui achar que alguém veria algo de bom em mim e que eu conseguiria me encaixar entre quem não precisa se esforçar tanto só para ser normal?

Não olhei para onde ia, nem para os rostos ao meu redor. Eu só precisava sair dali, precisava de ar fresco. Felizmente, a porta de vidro da cozinha era grande o suficiente para até uma idiota como eu ver de longe. Eu corri e me agarrei a ela como se fosse a minha última esperança e saí sem olhar para trás.

Ainda havia vozes vindo lá de dentro. Para mim, era só ruído. Eu não conseguia absorver nada e era como se eu nem estivesse ali. Eu precisava sumir e só queria me concentrar nisso, mas o meu estômago ainda dava cambalhotas dentro da minha barriga. Eu conseguia ver o muro alto e sem fim, o gramado do quintal da casa e as pessoas circulando ao meu redor. Eles ainda estavam me chamando de alguma coisa lá dentro? Por mais que eu ouvisse as vozes, era difícil entender o que diziam.

O céu aberto não estava ajudando como eu queria. Eu não conseguia respirar, o meu estômago estava mais embrulhado que nunca e aquele muro gigante parecia que ia cair em cima de mim ou me trancar ali para sempre. Respira, para fora, respira, para fora…

— Você devia ter me ouvido. Eu avisei.

— Agora não! Cala a boca, Roy!

Aquele era o pior momentos para ouvir deboches e provocações de Roy, então era óbvio que ele tinha que aparecer quando eu menos precisava de mais motivos para querer sumir.

— Desculpa. Eu achei que você estava passando mal.

Agora, a voz que eu ouvi era real— não só isso, também era conhecida. Eu não precisava que alguém descobrisse o meu segredo logo ali. Ainda mais ele. Não, não, não. Isso não podia acontecer.

Foi tudo tão rápido que eu não entendi o que aconteceu. Eu me virei para ter certeza de que não estava ouvindo coisas e esbarrei de frente com um par de olhos que, dessa vez, eram realmente azuis.

Aí, para fechar com chave de outro, o meu estômago se revirou se vez e eu não consegui segurar nada dentro dele.