A História Continua.

Uma ameaça entre nós


Urros e gritos ecoaram do núcleo da floresta até os arredores. Pássaros esvoaçaram ao redor. Em seguida, metais tiniram - uma sequência rápida, uma pausa, então uma nova sequência com mais urros.

— Isso é realmente tudo que você tem?

A Uchiha resfolegava, o suor molhando seu rosto e fazendo que seus óculos escorregassem.

— Eu... – respira – ainda... – mais um fôlego, erguendo o corpo e apertando os punhos – não acabei!

Suas sandálias agarraram o solo e seu corpo se lançou num único impulso em direção a seu irmão. O chakra concentrado perfeitamente em seu punho despertou sua força contra as placas de metal que protegiam os antebraços unidos de seu irmão, numa rápida tentativa de se defender. Um brilho de emoção passou por trás das lentes quando o metal craquelou, em seguida desfazendo-se em pedaços enquanto a força do golpe empurrava ela e o outro Uchiha para trás.

Seu pé pisou o chão e o outro desferiu outro poderoso golpe em direção às costelas de Kazuto. O contato apertou-lhe os ossos e arrancou-lhe o fôlego e fez que o corpo dele fosse jogado para seu lado direito até tombar ao chão.

O Uchiha apertou a grama com o punho, sem ar, e tentando não soltar um uivo de dor – sua irmãzinha provavelmente lhe quebrara uma costela, no mínimo. Mas não havia tempo, com o canto dos olhos percebeu que ela corria até ele preparando outro golpe.

Não vou perder!

Numa incrível velocidade Kazuto fez os selos, enchendo seu peito de chakra.

KATON: GOUKAKYUU NO JUTSU!

A repentina bola de fogo preenchendo o espaço entre ela e seu irmão era rápida o suficiente para Sarada não conseguir desviar. A vegetação e o restante dos seres no alcance dela foram queimados completamente enquanto Kazuto se erguia, dolorido. Ao se dispersar eis uma enorme surpresa: a área não só fora queimada, mas também o chão fora quebrado de maneira que uma parede de terra fosse erguida, impedindo que sarada tivesse sido atingida pelo jutsu.

Um sorriso involuntário dominou o rosto dele.

Ela quebrou o chão com o punho e criou uma barreira para se proteger das chamas. Muito inteligente.

Sarada pegou uma kunai de sua bolsa de equipamentos, levantando e observando a área onde seu irmão provavelmente estaria. Por cima dos destroços, percebera seu engano: não havia nada.

Sua postura ficou ainda mais defensiva.

— Apareça onde estiver, Oni-chan! Te vencerei nem que seja a última coisa que eu faça!

— Estou aqui, imouto-san.

Uma exclamação escapa dos lábios da garota quando, por entre os destroços abaixo de si, vindo do chão, surge os olhos rubis de seu irmão seguido do seu punho que num golpe certeiro atingiram seu maxilar. No ar seu irmão surgiu atrás dela, seu braço foi pego e torcido. Os pés de Kazuto se apoiaram nas costas dela e permaneceram em cima dela quando seu corpo cai ao chão. Sarada solta outro grito que ecoa todo o campo, sentindo uma dor irradiar do seu braço torcido, a mão livre do Uchiha pegando a kunai que a pouco ela segurara e aproximando de seu pescoço.

— E agora você é uma Uchiha morta – Murmurou sombriamente, ouvindo os engasgos de Sarada em seu esforço de manter o pescoço elevado o suficiente para não ser cortado.

Kazuto finalmente a solta, saindo de cima dela para que sua irmã pudesse se recuperar do susto. Foi necessário algum tempo para Sarada se erguer e arrumar seu braço de maneira que nenhum músculo distendesse e doesse mais ainda. O rosto dela era de frustração, esta que Kazuto entendeu bem por que.

— Você evoluiu muito na minha ausência, irmãzinha – Admitiu ele, a mão posicionada onde a costela estava fraturada – Isso com certeza é fruto do treino com nossa mãe... certo?

— Ainda não estou forte o suficiente – Resmugou, contudo, um breve sorriso apareceu ao perceber que aquela foi a primeira vez que vira seu irmão sujo e ferido depois de lutar com ela – Pelo menos eu pude gerar danos de verdade em você.

Uma risada escapou de sua garganta.

— Fui pego de surpresa. Não haverá próxima vez. Sem falar que ainda estarei em infinita vantagem em relação a você enquanto continuar sem despertar seu Sharingan.

Um chiado escapou dos lábios dela.

— Por quanto tempo vai usar isso como arma para tentar me inferiorizar, Ni-chan? – Ela bateu o punho contra o próprio peito, sua expressão cansada totalmente transformada por uma ultraconfiança – Enquanto eu viver, com ou sem sharingan, me tornarei cada vez mais próxima de ser a kunoichi mais forte desta vila inteira.

A troca de olhares entre os dois foi mais intensa que qualquer outra já feita entre os irmãos. Havia um verdadeiro sentimento de rivalidade ali, algo que tocou profundamente os pensamentos de Sasuke daquele dia em diante – observava aquela luta desde seu início na árvore mais alta do campo, silencioso.

Seriam os irmãos da minha linhagem condenados a se desafiarem a fim de provar suas capacidades? Pensou, lembrando de sua antiga obsessão em relação a Itachi-kun.

De qualquer forma, permitir que Sarada aperfeiçoasse sua habilidade de luta corpo-a-corpo com Sakura foi algo que se mostrara ter valido a pena. Em pouco tempo ela fora capaz de fazer com que Kazuto a levasse finalmente a sério, mesmo ainda não sendo capaz de superar a sua experiência em campo de batalha – além do Sharingan, claro.

— De qualquer forma... É melhor que eu vá atrás de uma equipe médica para esses dois, antes que essa luta deixe verdadeiras sequelas – Disse para si mesmo, desaparecendo imediatamente de sua posição.

***

Depois do florescer das flores de ameixa, o tempo começava a anunciar que o frio do inverno os deixaria. O verde da vegetação e o calor do sol começaram a se fazer cada dia mais presentes, indicando aos moradores não só a chegada da nova estação, mas também de um dos festivais mais marcantes daquele ano: O festival das Flores.

Fazia uma semana que começavam a colorir as ruas onde ocorreria o festival e os ânimos aumentavam mais. Contudo, no Clã Terasu, os ânimos entre a família principal não chegaram a ter atingido um grande nível.

Uma ampla sala redonda reunia o líder e vice líder da guarda do Clã (Akira e Cirus, este último sempre sério e de poucas palavras), a chefe da Inteligência Erika e seu assistente (Sua aparência simples de óculos e cabelos cumpridos davam a errônea impressão de ser uma mulher mansa, mas o que lhe chamava mais atenção era o curioso gato amarelo que costumava repousar sobre sua cabeça) e os membros mais velhos que compunham o conselho (mas que devido a jovialidade do Clã não chegavam perto de serem anciões). Por fim estava a família principal: na posição central, Yukiyo; seguido por Kakashi, Yuuto e por fim Risa.

Yuki bateu a resma dos assuntos internos já encerrados naquela reunião, colocando-os de lado.

— Deixei o assunto mais aguardado de hoje sobre a responsabilidade de nossa chefe da Inteligência – Yukiyo passou seu olhar para a mulher pacificamente sentada ali perto – Por favor, introduza a situação de nossos atuais inimigos, Erika-san.

Havia sido decidido há algumas semanas o envio de alguns habilidosos shinobis da inteligência para participarem das intervenções junto de Andreas. Só aqueles reunidos ali (e o Hokage) sabiam que o Clã já havia começado a enfrentar seus inimigos diretamente.

— Como esperado, as estratégias usadas por eles mudaram drasticamente desde a última visita de Hatake-sama. Reduziram o uso de seus próprios homens no “recrutamento” de indivíduos para serem usados em seus experimentos. Tem-se aliado, por esse motivo, cada vez mais a criminosos e possivelmente a nukenins.

— Encontraram algum shinobi da folha com eles?! – Perguntou uma mulher do conselho, exasperada.

— Não foi capturado nenhum até o momento, mas temos fortes motivos para acreditar que existam não apenas nukenins de nossa vila, como espiões que ainda exerçam suas funções dentro de Konoha – Apesar da atmosfera deixar clara a exigência de toda a informação, Erika apenas concluiu – Contudo, decidiu-se ser mais prudente manter nossas razões no nível mais alto de confidencialidade possível. Mas sugerimos que usem essa informação para levarem com mais importância as recomendações que propusermos daqui em diante.

Kakashi baixou o olhar. Ele sabia que uma possibilidade como essa era altíssima, mas ouvir sua confirmação da boca da chefe da inteligência foi algo mais difícil que pensara ser possível.

—... Apesar do nosso time de elite estar fazendo um excelente trabalho nas investigações, estes adversários têm sido extra cautelosos para impedir que puséssemos as mãos em algum dos seus homens ou de suas cobaias. Parece que o maior medo deles é desvendarmos os seus métodos e seu atual número. Mas posso seguramente afirmar que eles têm crescido bastante, em torno de 33% a mais desde o último relatório há três meses.

Yuuto levantou sua mão, chamando a atenção dos membros para si.

— Desculpe interrompê-la no meio de seu relatório, Erika-san, mas creio que seja bom aproveitar este assunto para falarmos sobre a mulher em nossa custódia – Yuuto ofereceu o seu sorriso mais carismático para sua sobrinha – Risa-chan, faça as honras...

As mãos de Risa cruzadas em volta de seu colo apertaram-se mais quando percebeu que agora ela era o centro das atenções, já que desde a volta de Kakashi ela tinha sido denominada como a “babá oficial” daquela mulher estrangeira que habitava sua casa.

Não tem como evitar esse tipo de situação por mais tempo... Refletiu ela, descruzando os braços para falar mais assertivamente.

— Primeiramente, Kuri Tomoha parece não ser de muita utilidade para extrair informações sobre os nossos adversários ainda. Ela semanalmente comparece no hospital do Clã para tentar resgatar suas memórias perdidas, mas nenhum método tem se mostrado eficaz.

— E quanto aos métodos que se referem a transferência do chakra?

— Nada se revelou de novo. As cicatrizes e marcas no corpo dela só mostraram que o chakra provavelmente quase a matara ao se adaptar em seu corpo.

Erika assentiu diante do exposto.

— Infelizmente Yuri Tomoha parece ter sido vítima de uma metodologia ainda muito deficiente de transferência de chakra – Explicou melhor Erika – Isso pode ter sido o principal causador da perda das memórias, aliado a intensidade muito grande de um trauma durante o processo. Desde a época que ela fora recrutada, os métodos deles devem ter se aperfeiçoado bastante a fim de minimizar os riscos.

— E além disso, ela se comporta como uma mulher normal a maior parte do tempo, com alguns eventuais momentos de confusão e medo injustificados – Risa voltou a se encostar na cadeira, cansada – E isso tem sido tudo que sabemos sobre ela, até agora.

Yukiyo juntou suas mãos sobre a mesa.

— Só a fim de relembrá-los, com o crescimento cada vez acelerado dos riscos e a proximidade do festival, vamos ser ainda mais duros no monitoramento do Clã. Este evento poderia ser mais que perfeito para causar um furo em nossas defesas e criar um verdadeiro problema, ainda mais com as suspeitas de espiões entre os nossos. – Yuki acenou com uma das mãos brevemente, fazendo surgir quase imediatamente a presença de seu novo braço direito, devidamente uniformizado – Saori-san, dê a Akira as novas recomendações.

— Sim – Confirmou, levando um pequeno caderno até o líder da guarda.

Hatake aproveitou a oportunidade, inclinando seu corpo em direção ao homem mestiço.

— Ah, Akira-san. Gostaria de adiantá-lo que suas maiores responsabilidades estarão nas mãos de Cirus agora. Neste caderno estão as recomendações de uma missão especialmente direcionada a você – Akira e seu vice-líder se olharam.

— Yukiyo-sama, irão me afastar da guarda do Clã numa situação assim? Acredito totalmente na habilidade de Cirus, mas isso é repentino...

— Acalme-se, Akira-san. Não se precipite: Sua missão é a mais importante neste evento, por essa razão será temporariamente afastado – Yuki apoiou o rosto com uma das mãos, apontando para sua irmã logo ao lado – Você irá ser o guarda pessoal de minha imouto-chan, Terasu Risa.

Se possível, o rosto de Risa instantaneamente cobriu-se inteiro de vermelho, uma cor pulsante e viva. Yuuto cobriu a boca discretamente para evitar rir na frente dos membros mais importantes do Clã.

Ah sobrinha querida, você é tão óbvia. Igual sua mãe, afinal...

— O-O-O que?! – Exclamou Risa, levantando-se de sua cadeira para fuzilar seu irmão com o olhar – E-Está tirando seu melhor homem do posto dele para olhar por mim?! Eu sou uma das melhores candidatas do Clã para ascender a jounin! Sou mais que responsável por minha própria segurança!

Kakashi e Yukiyo pareciam chocados com a reação explosiva de Risa. Todos do Clã bem sabiam do controle emocional impecável de uma das herdeiras da liderança, sua meticulosidade e paciência eram acima da média. Mas parecia que se o ponto certo fosse atingido, toda sua fachada de autocontrole se quebrava completamente. Yuuto era o único que parecia não muito surpreso.

Akira também se levantou. Risa diminuiu o tom vermelho de sua pele ao ver que o shinobi abaixara sua cabeça respeitosamente em sua direção.

— Risa-sama, se me permite falar... Se eu soubesse que essa missão se tratava de você não teria contestado. Agora compreendo as motivações de Yukiyo-sama – Voltou a se erguer, os olhos claros dele pousados nos dela – Todos têm uma ideia do poder que herdara de sua nobre mãe, mas ninguem do Clã sabe verdadeiramente que você é a verdadeira herdeira de nossa força. Se caísse em mãos erradas isso representaria a possível derrota de todos nós.

— Aproveito para te confirmar essa afirmação de Akira-san, Risa – Disse Kakashi para sua filha – Quando dois Terasu se unem conjugalmente o chakra dos dois assumem uma natureza distinta que é passada para seus filhos, e cada novo filho terá por consequência uma versão mais refinada deste. Você, como última filha de Mitsue, adquiriu a última melhor versão do poder dela. E será sua missão vitalícia cuidar dele responsavelmente e passa-lo para novas gerações que garantirão a força e estabilidade do Clã – Hatake olhou então para o guarda – Este é o verdadeiro motivo da missão dada agora à Akira ser a mais importante de todas. Compreendeu agora, minha filha?

Risa assentiu forçadamente, o olhar baixo.

Erika também baixou o olhar, acariciando o gato que no meio da discussão descera até seu colo. Isso com certeza é um grande fardo para uma garotinha. Não posso dizer que não entendendo sua reação de agora a pouco, ainda mais se acrescentado o pequeno detalhe não dito que rodeia Akira e Risa...

A reunião estava encerrada.

Yukiyo e Saori caminhavam juntos até o escritório, a garota recém alavancada como jounin parecia pensativa depois de ver Risa reagir tão distintamente do comum. O que era tão terrível sobre ser protegida por alguém?

— Yukiyo-sama...

— Diga, Saori – Falou o jovem grisalho.

— Eu conheço sua irmã desde o berçário e nunca a vi tão transtornada. Tem algo importante sobre Risa que eu não conheça?

— Se eu for totalmente sincero, há várias coisas em minha irmã que representam um completo mistério para mim e meu pai – Respondeu Yuki, refletindo alguns detalhes da vida dos dois sem resposta, como o fato de Risa ter sido a única sem se abalar com a notícia que a mãe dos dois morreria prematuramente. E principalmente pelo fato de mesmo tendo sido tão próxima a ela, não ter derrubado uma só lagrima ou blasfêmia quando ela finalmente veio a falecer – Mas o motivo por trás do acesso de irritação dela pode ter a ver com a relação que existe entre ela e Akira.

Yuki não precisou olhar sua parceira para saber que uma enorme bolha de curiosidade começou a inflar, e tentou não ser engolido por ela pelo menos até estarem na privacidade de seus aposentos. Yuki se sentou na poltrona de sua sala, convidando Saori a fazer o mesmo num dos sofás.

— Vou te falar não por que é amiga dela – Começou, seu olhar um pouco mais grave que o comum – Este assunto é um segredo que pretendemos manter a sete chaves, e te digo por que a partir do momento que passou a estar do meu lado você se tornou a pessoa em quem mais confiarei meus interesses – Saori engoliu em seco, assentindo.

— Nunca te decepcionaria, Yukiyo-sama. Jamais.

Um meio sorriso quebrou a dureza do olhar do jovem e o ar passou a ficar imediatamente mais leve.

— Muito bem – Ele se recostou, mais tranquilo – O grande segredo é que Akira e minha irmã estão noivos desde que ele assumiu o posto de liderança da guarda – ou seja, há quatro anos. Como você soube lá dentro, o poder de Risa é algo que deve ser protegido a todo custo. E mesmo isso tendo ido contra os princípios de meus pais no início, a integridade do chakra dela depende de alguém igualmente forte.

Saori parecia ter encontrado sentido nas palavras do líder, mesmo sem gostar de como o termo “casamento arranjado” soava.

— Se me permite dizer... Akira não é um pouco... Hm... Mais velho que ela?

Yukio piscou duas vezes, refletindo.

— Sim. Ele tem 28 anos. Então isso o faz doze anos mais velho que ela - Soltou uma risada ao ver a expressão totalmente surpresa de Saori – Achei que vocês garotas preferissem caras mais velhos, experientes...

— Talvez, mas... Não consigo dizer se Risa concordaria com essa preferência.

— Bem, esse é o menor dos problemas no momento – Yuki volta a apoiar seu rosto, encarando as grandes janelas atrás de sua mesa de trabalho – Depois que Yuri Tomoha chegou em casa, Risa e meu pai começaram a agir fora do normal. Meu pai no início era muito cuidadoso ao redor dela, mas conforme ela foi se mostrando um perigo cada vez menor, ele começou a trata-la de maneira mais cordial. Quase como uma convidada que viera passar uns dias conosco. Já Risa... – O ar saiu audivelmente pela boca dele – O tratamento que oferece em relação a ela é proporcionalmente oposto ao de meu pai. A desconfiança dela nunca cessa.

— Risa não está fazendo algo errado – Ponderou Saori – Acho mais estranha a cordialidade de Hatake-sama.

— Eu não sei dizer. Aquela mulher já passou em todos os testes que poderiam dizer se ela era espiã ou uma arma secreta. Parando para analisar, talvez Tomoha seja a maneira que Risa escolheu para depositar a raiva pela perda de nossa mãe.

Saori separou os lábios.

— Em outras palavras, Risa acha que Kakashi pode ter segundas intenções em relação a Tomoha?

Foi a vez de Yuki ficar surpreso.

— Não acho que tenha ido tão longe assim – Falou, sua voz mais alta que de costume – Meu pai não se apaixonaria na mera presença de outra mulher, ele amava profundamente nossa mãe. Disso não tenho dúvidas.

Saori desviou o olhar de seu chefe. Yukiyo também ter mudado consideravelmente com a vinda de Tomoha. Ele sequer percebe sua postura defensiva, derivada dos ciúmes.

***

Tomoha estava sentada na varanda junto de uma xícara perfumada de chá, observando a jovem ameixeira no centro do pátio da casa a balançar suas flores. Seus cabelos claros haviam crescido um pouco e sua aparência estava muito mais saudável. Contudo, no fundo de seus pensamentos, a sensação de que algo precioso havia sido perdido não lhe deixava em nenhum instante.

O grisalho, passando despreocupadamente com um livro em mãos, parou seu caminho ao reparar a postura meditabunda de sua hóspede. Ele abaixou o livro de seu rosto, tentando identificar o que era familiar naquele olhar.

“Assim como você, Kakashi, perdi todos que me eram importantes na vida – Disse Mitsue a Kakashi quando ainda eram muito jovens, num dos raros momentos em que ela não estava enraivecida com ele por alguma razão – Mas pelo menos você possui de herança as suas memórias, o que te torna infinitamente mais rico que eu. Tudo o que me restou de minha família, meu passado, são sonhos desconexos de uma noite repleta de luzes no céu, onde uma mulher me segurava em seus braços para nunca mais soltar – Então, nitidamente, Kakashi lembrou do brilho de solidão e tristeza que cobriu os olhos dela, como quem tenta alcançar um pedaço essencial há muito tempo perdido no espaço das memórias. ”

Aquele olhar, triste e solitário, parecia haver reencarnado nos olhos daquela estrangeira. Assim como sua falecida esposa, ela estava numa espécie de prisão onde era privada de lembrar daqueles que alguma vez já amara e convivera durante sua vida. Tudo em troca de possuir um poderoso chakra que mais parecia amaldiçoa-la que fortalece-la.

Risa estava sentada no alto de um telhado, próxima de casa. Mesmo naquela distância ela foi capaz de ver a cena de seu pai olhando para a hóspede, ambos perdidos em seus pensamentos.

Os dedos segurando os braços cruzados sobre os joelhos apertaram sua própria carne. A chama acesa em seu coração inflamava, usando as péssimas ideias que estava tendo como combustível para crescer de tamanho. Contudo, uma comprida cauda amarela atraiu seu olhar, balançando hipnoticamente na frente de seu rosto. Ao afastar seu rosto do apoio dos braços, se surpreendeu com a visão de dois grandes olhos verdes cravados num felino rostinho amarelo, encarando-a no centro do espaço formado pelos seus braços.

— Desculpe-me a interrupção, Risa-sama. – Um arrepio poderoso lhe tomou o corpo quando ouviu a voz inesperada.

— Você fala?! – Exclamou para o gato, assustada.

Uma risada se fez ouvir. Rapidamente o rosto de Risa se virou para trás, visualizando a pose bem-humorada de Terasu Erika-san, chefe da inteligência.

Ah sim... — uma gota de suor escorreu pela testa de Risa, sentindo-se idiota – Claro que não foi o gato quem falara comigo.

— Você me assustou de verdade desta vez, Erika-san – Risa pegou a gata de seu colo e a colocou em cima do telhado, disfarçando sua vergonha.

— Desculpe-me – Erika sentou-se ao seu lado – Eu vim brevemente para lhe entregar uma coisa.

A mão da kunoichi pegou a de Risa, depositando ali um cordão negro com uma pedra em formato de gota que brilhou lindamente em amarelo quando encontrou a luz do dia. Risa ergueu-a de frente para si, percebendo as pequeninas pedras verde-mar na ponta mais afiada do pingente.

— O que...? – Seus olhos encontraram os de Erika – Por que me deu isso?

— É um amuleto de proteção – Explicou, sua voz agradavelmente suave – Estas pedras sentirão quando houver um momento em que sua vida corra risco e então imediatamente alertarão a mim – Ela pegou o cordão por dentro de suas vestimentas, mostrando pedras exatamente iguais – Lembre-se de retira-lo quando estiver treinando. Deixarei um destes com seu pai e Akira-san também, para aumentar as chances de chegarmos até você.

A garota assentiu, colocando o cordão em volta de seu pescoço.

— E como saberá que sou eu quem corre perigo, e não os outros?

— Isso é moleza. Seremos capazes de sentir o chakra do usuário que está em perigo. É desta forma que estas pedras se conectam. Estas verdes, em cima – Apontou com o indicador – São como amplificadoras. Levam o seu “sinal” por longas distâncias até nós.

Curioso, Risa imaginava de onde estas coisas fantásticas poderiam ter surgido.

— Era só isso que eu pretendia fazer por hoje – Erika se levantou, a gata imediatamente pulando para seu ombro e então sua cabeça, deitando sonolentamente sobre ela – Ademais, peço que não se sinta incomodada demais com Akira-san. Ele sabe que você é forte o suficiente para se proteger, mas esta é uma obrigação que supera a sua vontade.

— Eu sei disso – Risa também se levantou, mostrando seu bom e velho sorriso cordial – Sei que explodi hoje e que fui exagerada. É que ficar tanto tempo dentro do Clã tem me deixado um tanto... impaciente. Ainda mais com tantas restrições.

Erika assentiu, compreensiva.

— Não precisa se desculpar, só posso imaginar o quanto você e todos aqui se sentem sufocados com as restrições – Não havia muito o que dizer. Erika era uma das poucas, se não a única, com permissão para sair e entrar quando bem quisesse.

Na manhã seguinte, pouco tempo depois do sol se levantar, Risa estava com os olhos bem abertos encarando o teto desde as 4:30 da madrugada. Ela encheu o peito, soltando todo o ar livremente em seguida.

— Amanhã é o primeiro dia de festival – Murmurou. Toda a primavera o festival permanecia durante 3 dias, cheio de eventos, flores e comida – O dia que achei que estaria finalmente livre, longe de casa, longe da tensão, longe de ser uma Terasu...

Suas palavras mal terminariam de sair pela boca quando um grito surge pela casa, em seguida a pancada de algum vidro ou jarro que se partiu. Risa se levantou num salto, pegou a primeira arma afiada por perto e atravessou o corredor.

Outro grito, mais alto.

O que está havendo?!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.