A Herdeira do Olimpo

Ninguém morrerá por mim


Maya

Então, é isso. Cá estamos nós. Gostaria de dizer que o plano foi um sucesso, que com Kye de volta, a ajuda de Jonas, Luana, Percy, Nico, Pietro e todos, conseguimos entrar lá, resgatar os reféns e saímos sem que ninguém saísse ferido. Mas as coisas pareciam destinadas a dar errado pra mim.

[Na madrugada do sétimo dia]

Naquela noite, enquanto descansávamos para o grande dia, eu pensei em todos. Pensei sobre como Lorena subornou os lobisomens matando a família de Helkon. Sobre como ela fazia a minha cabeça, me convencendo a me render e evitar mortes. Sobre como todos queriam que todos sobrevivessem, mas também como cada segundo que eu vivia, alguém tinha mais chances de morrer no meu lugar.

Virei na cama do chalé e puxei o colar até que estivesse a minha vista. O objeto refletia uma luz clara que entrava por uma fresta na janela. Pensei em todas as possibilidades caso eu falhasse. Pensei que se tivesse sucesso, ela ainda buscaria outras formas de me atingir, e uma hora conseguiria. Eu só estava adiando tudo. A conclusão veio então após várias horas: Ou ela saía morta daquele confronto. Ou eu morria, antes mesmo de ir a campo. Todos estariam bem. Uma hora aceitariam, e mais vidas seriam poupadas.

“Isso é o mesmo que desistir.” Ouvi Alhia. Apertei um dos elos da pequena corrente.

— Todos estariam melhor. Não iriam perder mais ninguém.

Sussurrei, com medo de acordar Percy. Senti um aperto no meu coração e tremi.

“Nao iriam? Ou você só está com medo do que acontece se falhar?” Senti um bolo em minha garganta e o nariz arder. “Você está com medo, de tudo aquilo se repetir, não está?”

— É claro que eu estou! – Rosnei, enxugando uma lágrima quente que rolou. Sabia que no momento que falhasse, ela repetiria tudo. Toda aquela tortura, aquele inferno outra vez! Só pra que conseguisse o maldito corpo. Ela sabia que eu não iria ceder, e fazia questão disso, pra se divertir outra vez. Eu sentia pânico, mas me recusava a demonstrar. – Eu posso evitar tudo. Posso evitar que mais pessoas morram. Eu só preciso...de alguns minutos. Só o suficiente.

Tremi ao apertar o colar. Soluços contidos saíam sem que eu permitisse e fechei os olhos, chorando. Meu corpo formigou quando Alhia assumiu parte do meu corpo.

— Você não vai morrer Maya. Nem pelas mãos deles, pelas mãos dela...– ela fez uma pausa e senti uma breve tremedeira. — Muito menos pelas suas.

Encarei o teto, respirando fundo e passei os dedos pelas cicatrizes em meu rosto. O relevo familiar causava uma euforia interna. Não sabia se me sentia calma por ser algo que estava acostumada a sentir, ou em pânico devido a o que as causara. Engoli a salivação.

— Não é mais uma escolha.

[Tempos atuais]

— Maya…

Pietro gritou, mas eu escutava como se estivéssemos separados por uma barreira. O mundo desabava dentro da van, com os outros tentando colocar os semideuses resgatados em uma posição que pudéssemos sair dali o mais rápido possível, mas eu só conseguia olhar uma coisa: Luana carregava dois semideuses, ambos feridos, só faltava ela. O carro deu a partida, acelerando a toda com um solavanco que derrubou alguns no chão do automóvel. Ela corria, mas estava com a pata ferida. Kye desceu, correndo e Luana entregou os semideuses pra ele.

— VÃO!

Ela berrou, e foi o que Kye fez, mas eu não conseguia desviar os olhos. Eles a matariam. Eu tinha certeza que se a pegassem, ela seria executada. Eu via em seus olhos que ela estava com medo, mesmo que sua expressão fosse determinada.

Me pus de pé, dando alguns passos até a porta. Kye arregalou os olhos e acelerou, com um semideus em cada braço.

— Não se atreva…– Pietro gritou. Fechei a cara e minhas costas contraíram, sentindo as asas surgindo. – MAYA NÃO!

— MAYA!

Kye pulou, mas pulei por cima dele, levantando voo e disparando como um jato na direção de Luana. Conseguia ouvir atrás dela a horda de lobisomens correndo, se aproximando. Sabia que não teria chance se me pegassem, ou até tivesse, mas não queria tirar nenhuma vida por causa de Lorena.

Pousei do lado de Luana e a peguei no colo. Ela fechou a cara com dor e me olhou ofegante, olhando para trás de mim e arregalando os olhos. Abri as asas e corri, pegando impulso e nos levando ao ar, desviando das Árvores, seguindo o rastro que a van deixava.

— Não deveria ter voltado. – Luana falou, ofegante, enquanto eu usava de árvores para tomar um impulso maior. Odiava ter que voar em locais fechados. Me deixava ansiosa, e irritada.

— Não vou deixar ninguém morrer por mim.

Respondi simplesmente. Estávamos bem, ia dar tudo certo. Eu sabia que ia, Naquele instante, quando vi as portas abertas, o carro se aproximando rápido eu soube que ia. O que aconteceu? Não deu.

Só tive o tempo de assimilar a dor aguda em minha asa quando um puxão me fez recuar no ar e vacilei, quase despencando. Olhei pra minha asa, identificando um arpão perfurando-a. Rosnei e bati as asas mais forte, sentindo o que quer que segurava a corda do arpão afrouxando, por tempo suficiente para me agarrar a borda superior da van e jogar Luana pra dentro.

Cravei as garras no teto, buscando apoio e tentei alcançar o arpão, mas o carro em movimento passando por tantos buracos dificultava. Quase caí quando passamos por um solavanco e me segurei com as duas mãos, fechando a cara e gritando quando a corda esticou de novo e me puxou pra trás. Fechei os olhos.

— MAYA!

Kye gritou, subindo no teto da van. Pude ver em seus olhos a determinação e a angústia pelo momento. Ele me pegou pelos braços e tentou puxar, mas isso só piorava. A sensação era que minha asa estava se desprendendo das costas. Fechei os olhos, tentando impedir as lágrimas quando ele segurou a ponta de ferro do arpão, tentando quebrar.

— Aguente firme. Estou quase! – Bradou eufórico e neguei, olhando pra baixo. Os lobos estavam em nossa cola. Mesmo se ele soltasse, iriam nos alcançar.

— Você prometeu Kye. – Falei estremecendo e recolhi as garras, o que ocasionou em um puxão que quase me arrancou de cima do teto do carro, mas o ruivo segurou em minha mão, se recusando a me deixar ir.

O vento devido a velocidade do carro jogava seus fios ruivos em sua cara. Ele olhou de mim para algo atrás, e ouvi o som dos lobisomens. Se virasse o rosto, tinha certeza que conseguiria identificar cada um. Travei o maxilar e meu colar se transformou em uma arma, que apontei pra ele, fechando a cara. Alhia, que sempre observava tudo, se manifestou, tomando o controle. Eu estava ferida e cansada, sabia que iria perder. Meu olho esquerdo escureceu.

— Solte. A menos que queira matar a todos. – Ela proferiu engatilhando a arma. Kye fechou a cara. Acho que nenhum de nós esperava que aquele momento realmente fosse acontecer, mas agora, as palavras da profecia sussurravam em minha mente. Kye apertou sua mão em meu braço.

— Não vou te deixar aqui pra morrer. – Rosnou, mas chorava. Conseguia ver as lágrimas em seus olhos, além do sentimento de culpa. Ambos sabíamos que me trazer nesse plano era arriscado. Não era sábio brincar com o destino. Entretanto, foi escolha minha continuar, e agora era uma escolha minha salvar mais de uma vida. Apontei a arma pra sua mão e sorri.

— Eu sei disso. – Fechei os olhos, respirando fundo e tomando coragem. – Me perdoa.

O puxar do gatilho foi tão suave, que mesmo que em algum momento daquela fração de segundos eu tivesse desistido da ideia, não teria chance. A mão de Kye explodiu em poeira dourada. O som do tiro, foi parcialmente abafado pelas árvores a nossa volta, e a meu corpo finalmente respondeu ao puxão do arpão, indo sem nenhuma resistência.

Naquela fração de segundos que meu corpo se afastou do carro, sorri pra Kye, segurando com força o cabo da arma.

Logo em seguida, o carro disparou a toda velocidade, com mais nada o prendendo, e eu fui puxada com toda a força para bater contra uma árvore, tendo que cravar as garras no tronco para não cair. A arma então logo se transformou em uma foice que usei para cortar a corda do arpão, finalmente me livrando e escorreguei para um galho firme. Ofegava, e minha asa sangrava muito. Além, os lobos diminuíam a velocidade para poupar energia, eles sabiam que seu alvo estava impossibilitado, seria fácil. Eram quarenta contra um.

Respirei fundo e segurei a ponta do arpão. Foi complicado o quebrar. Naquela posição, e naquele estado, era mais fácil quebrar meu braço, mas com um pouco de esforço, estava livre, e para meu azar, nesse exato momento, ouvi patas fortes impulsionarem um corpo pesado e senti o impacto de trezentos quilos contra minhas costas, me jogando da árvore direto para o chão.

Não consegui virar meu corpo a tempo, e o impacto foi direto e de bruços no chão. Tossi e tentei me levantar, mas logo em seguida uma pata pesada me pressionou para baixo, seguido segundos depois de um uivo potente. Rosnei e fechei os olhos. Hoje não.

Me concentrei no ambiente a minha volta. Conseguia sentir abaixo de mim, dezenas de canos indo até o casarão do brooklin. A água corria por eles em uma potência fraca, mas não mais. Concentrei minha energia, a adrenalina que percorria minhas veias no calor da batalha, e senti a terra tremer abaixo de minhas mãos. Tão pequena que o lobo só percebeu o potente geiser o acertando quando estava encharcado e sendo pressionado na árvore.

Me levantei logo em seguida, com a fúria percorrendo minhas veias e olhei para a alcateia que formava um círculo em minha volta. Dezenas deles, de todos os tamanhos, rosnando e mostrando garras e dentes pra mim. A frente de todos, o imenso lobo negro, que soube que era Helkon. Ele me olhava sério, e soube que era a ordem dele que impedia todos de me atacar ali mesmo. Cuspi meu sangue no chão, limpando o sangue do canto da boca.

— Uma luta justa?

Perguntei. Eu estava cansada, ele sabia, e eles estavam em número muito maior, mas apenas sorriu e acenou com a cabeça. Alonguei o pescoço, fechando os olhos, e fiz uma prece a Hestia. Sabia o que viria a seguir. Sabia que fim teria aquela luta, e estava preparada para ela. Abri os olhos, sustentando o olhar do lobo negro. Uma arma se formou em minha mão, e sorri. Sem que eu quisesse, algumas lágrimas rolaram meu rosto.

— Podem vir.

Os lobos contraíram as patas, pulsando ódio, mas em vez de lutar, como todos esperavam, apenas dei um pequeno sorriso e em um único movimento, apontei a arma para minha cabeça e atirei, para acabar com aquilo naquele segundo.

O tiro ecoou na clareira, mais alto do que eu esperava, mas então. eu não senti o impacto. Não, o que aconteceu foi completamente diferente. Em questão de segundos, o tecido espaço-tempo foi distorcido e senti uma presença exatamente a minha frente. Uma presença forte demais, incômoda demais. Em volta de mim e deste ser, uma parede de energia se formou e o que se seguiu, foi uma risada masculina, bem baixa, como uma comemoração sutil, seguida de estalos ritmados em tom de desaprovação.

— Quase, irmãzinha. Quase.

Relutante, abri os olhos. Olhos completamente brancos me encaravam em uma face qualquer, de algum mortal desafortunado. Mathew, tinha um ar vitorioso em si, e entre os dedos, segurava a bala que daria meu fim. Relaxei a expressão, séria e abaixei a arma, o encarando. Ele umedeceu os lábios.

— Não vai lutar?

Indagou, como se fosse uma piada e soltei a arma no chão.

— Liberte os lobisomens. Deixe os semideuses em paz, e irei com você e com Lorena.

Ele espreitou os olhos, como se buscasse truques em minha fala. Uma pegadinha, ou o que quer que fosse, mas permaneci tranquila. Ainda não era a hora. Havia mais. Mathew sorriu.

— Os lobos podem voltar pra casa, e seus amigos serão poupados. A revolta de nossa mãe, é contra os deuses.

Engoli a salivação e olhei para Helkon. Ele rosnava pra mim, desaprovando minha atitude e sorri pra ele, voltando a olhar pra Mathew. Com um mal estar que não cabia em mim, ergui minhas mãos, as oferecendo para que ele as prendesse. Ele riu e segurou meus pulsos com força, a barreira ao nosso redor desaparecendo.

— Vamos pra casa. Tem alguém que quer muito ver você.

Dito isso, desaparecemos, deixando os lobos sozinhos em nova york, e eu, devido a uma magia de Mathew, apaguei completamente, sabendo que a partir dali, a batalha seria outra.

(...)