Domenicha seguiu Jack acima das casas cobertas de neve.

“Então o que você vai fazer hoje que está tão animada?” O Guardião da Diversão perguntou, voando ao lado da filha.

“Eu vou procurar Celennis.” Domenicha cantarolou, pulando de um telhado para o outro com suas longas pernas felpudas.

Jack ergueu uma sobrancelha.

“Você gostou do garoto, hein?” Disse com um sorriso torto.

Eu gostei do garoto?” Domenicha bufou, entendendo muito bem onde sua mãe queria chegar; eles não eram nem um pouco diferente, não é mesmo? “Acho que seria melhor perguntar isso para o Sandy!”

“Oh… Sério?” Jack riu. “E porque você procura por ele?”

“Quero que ele conheça Nick e Wonder.” A Pooka explicou. “E eu tenho certeza que dessa vez vai rolar tudo bem, sabe...”

O espírito do inverno assentiu.

“Eu não vou mentir, mesmo sem conhecer bem o garoto… Eu gostei dele.” Ele comentou. “Talvez porque ele me lembra um pouco o Sandy…” Deu de ombros. “Eu não sei. Ele tem um ar bastante amigável, diferente de outro alguém…”

Domenicha sabia que ele falava de Demetria, então ela ignorou essa última parte.

“Pois é.” Ela assentiu e finalmente parou. “Acho melhor eu ir procurar ele agora, a gente fala depois, mãe.”

“Espere.” Jack pousou ao lado da filha, a impedindo de se afastar. “Ok, honestamente, eu sabia que você estava indo atrás dele. Por isso pedi pra vir comigo.” Ele explicou, sorrindo torto. “Diga-me… Você sequer sabe onde Celennis pode estar a essa hora?”

Domenicha parou para pensar. Ela não tinha pensado nisso muito bem; no máximo tinha pensado em procurar Sandy, no lado escuro do mundo, para ver se o homenzinho não sabia onde o garoto estrela estava, ou talvez para ver se Celennis estava na companhia do Guardião dos Sonhos.

Mas, fora isso, ela não tinha a mínima ideia… Sem contar que viajar o mundo inteiro, mesmo que com seus túneis super rápidos, seria um trabalho e tanto.

“Não…?” Ela murmurou, se sentindo um pouco boba. “Mas o que isso tem a ver com você me trazendo aqui?”

“Simples.” Jack riu, dando uma olhada em volta. A cidade estava quase completamente coberta de neve, era ainda cedo e as pessoas não tinham acordado para limpar a entrada de seus jardins. “Embora achar Celennis no meio desse branco seja meio difícil, eu sempre o encontro por aí. Acho que ele me segue.” Ele riu mais alto, jogando o cajado por cima do ombro. “Eu ficaria com medo caso não desse pra notar que a única coisa que ele quer é ficar na neve.”

“Ele gosta de neve…” Domenicha murmurou, sorrindo um pouco. Ela chutou uma pequena porção de neve com sua pata grande. Sendo metade Espírito do Inverno, ela se sentia feliz em saber disso, e sabia que Jack compartilhava o sentimento.

“Pelo jeito.” O Guardião assentiu, dando uma olhada em volta enquanto girava o cajado. “Então, eu acho que ele deve estar por aí. Se já não está…”

“Vamos procurar por ele!” A Pooka exclamou, animada, quase pulando no lugar.

Jack riu da reação, antes de forçá-la a parar, lembrando que estavam no telhado de uma casa e era melhor não fazer nenhum estrago — céus, em pensar que ele não ligava para isso antigamente, viver com Coelhão e ser um pai realmente o mudou. Bem, era bom mudar depois de mais de 500 anos sendo um peter pan da vida.

Os dois voltaram a andar pela cidade esbranquiçada. De fato, encontrar Celennis no meio da neve era quase como procurar uma agulha num palheiro! Mas, honestamente, eles não achavam que ia ser tão difícil assim, era de manhã, mas o sol custava a brilhar, mesmo que por entre as nuvens; estava um pouco escuro, o que deixava o brilho da neve e do gelo menos pronunciado.

Jack deu uma olhada no céu enquanto a filha subia no alto de uma árvore para dar uma olhada acima das casas altas. Estavam em uma área mais ao norte do planeta, onde ficava escuro mais facilmente, mas era estranho… Jack nunca tinha visto o céu assim, pelo menos de manhã, naquele lugar, mesmo depois de 500 anos.

“Eu vejo ele!” A voz de Domenicha o tirou de seus pensamentos e ele deu uma olhada na direção que ela apontava.

Celennis estava sentado no teto abaixado de uma “pseudo-torre” de uma casa não muito longe. Ele estava distraído, brincando com bolas de neve, fazendo um pequeno homenzinho de neve, com pedaços de galhos secos como braços.

Ele nem notou quando alguém pousou atrás dele.

“Posso te ajudar a fazer um boneco de neve bem maior.” O garoto se virou rapidamente, surpreso, acidentalmente derrubando as bolas de neve mal empilhadas; mas ele sorriu ao ver Jack Frost.

“Ah, ola, jack.” Ele sorriu. “Eu só estava brincando um pouco…”

“É, eu sei, isso é legal.” Jack assentiu, segurando uma risada com o jeito tímido do garoto estrela. “Eu sou o Guardião da Diversão, então como poderia não gostar de saber que estava se divertindo com a neve que eu mesmo trouxe?”

Celennis riu, a voz um pouco mais alta, como um trinar de passarinho. Jack não falou nada ao notar o movimento atrás do rapaz.

“Yaah!!”

“AH!” Celennis quase perdeu o equilíbrio quando duas patas felpudas apertaram uma área sensível em sua cintura. “Ah, céus, Domenicha! Você pode por favor parar de ficar me assustando assim?”

“Desculpa! É difícil resistir e você sabe disso!” A Pooka riu alto e o Espírito do Inverno a acompanhou. Celennis balançou a cabeça de modo desaprovador, mas acabou rindo também. “Estávamos procurando você!”

“Hm.... Porque?”

“Porque ‘Nicha disse que quer que você se encontre com o resto do grupo.” Jack sorriu depois de rir um pouco mais, dando leves tapinhas no braço do rapaz. “Está na hora de passar pelo teste dos amigos. É bastante difícil, mas eu acredito em você.”

“Ai, mãe, pare de ficar assustando ele!” Domenicha revirou os olhos quando Celennis soltou um leve “oh”, a expressão um pouco mais séria, quase preocupada. Jack riu. Era muito fácil brincar com Celennis. “Se lembra quando a gente se encontrou no outro dia? Você disse que aceitava vir se encontrar com a gente.”

O garoto assentiu rapidamente, um pouco mais animado.

“Ah, sim, lembro.” Ele passou a mão por alguns fios de cabelos, os puxando levemente. “Eu não sabia realmente… Se eu devia ir…”

“Ora, dã!” Domenicha riu. “Se eu te chamei para vir!” O garoto estrela corou um dourado leve, ainda puxando a mecha de cabelo. “Mas lembra, é só às quatro horas! Então, se você quiser, sei lá, saí por aí e se divertir um pouco?”

Celennis sorriu novamente.

“Eu adoraria!”

“Ei, Celennis. Você sabe patinar no gelo?” Jack perguntou de repente e riu quando a filha sorriu abertamente ao ouvir aquelas palavras.

“N-não…” Celennis murmurou, quase nervoso.

“Que tristeza.” Jack balançou a cabeça com uma expressão falsa de ofensa e pulou da torre quando o vento ficou mais forte, flutuando com facilidade até o muro que rodeava a casa. “Então venha! Nós podemos te ensinar!”

Os três desceram para o chão, se dirigindo para fora da cidade, e para além de um pequeno bosque, até que finalmente chegaram à uma lagoa. Era bem grande e uma grossa camada de gelo a cobria com um azul suave.

Jack tocou a ponta dos pés no gelo e rodopiou com facilidade enquanto Domenicha e Celennis observavam na neve. Os dois Espíritos do Inverno notaram como o garoto estrela estava nervoso, mas eles estavam determinados a fazer o rapaz se divertir.

Celennis estava simplesmente maravilhado ao ver Jack deslizar pelo gelo sem dificuldade, rodopiando e caindo na ponta dos pés sem sequer balançar para os lados, tão bem quanto um daqueles patinadores profissionais. Mas o que esperar de um Espírito relacionado ao Inverno? E Domenicha era tão boa quanto ele, mesmo em forma de Pooka, com seus longos pés de coelho! Celennis não sabia se aquilo o fazia se sentir mais nervoso ou não.

Logo os dois começaram a puxá-lo para o gelo. Era uma sorte que, sendo uma estrela, o frio não o incomodava, por algum motivo.

Celennis cambaleou enquanto tentava manter o equilíbrio e, é claro, caiu várias vezes. Jack e Domenicha tentaram o melhor possível não rir cada vez que isso acontecia, tentando encorajar o rapaz a continuar tentando. Mas, aos poucos, ele pareceu fazer um pouco de progresso, mesmo que continuasse aceitando uma mãozinha.

Jack deslizou sozinho por um momento, prestando atenção em Domenicha, que segurava as mãos de Celennis, o guiando pelo gelo. Os dois riam. Era bom ver sua filha feliz assim.

Desde a chegada da estrela, Domenicha parecia muito mais alegre e agitada, era quase como se Celennis tivesse trazido à tona toda aquela animação de infância de quando ela era apenas uma garotinha. É claro que Domenicha continuava uma garota travessa e cheia de energia, tinha puxado isso de Jack Frost, e é claro que ela se divertia com Nick e Wonder, mas já fazia um bom tempo que Jack não via a filha animada daquele jeito… Desde quando sua melhor amiga, que era humana, tinha morrido…

Era bom vê-la voltar a seu estado de espírito antigo.

—G-

Celennis se jogou na neve depois de já ter caído o bastante no gelo e riu quando Domenicha fez o mesmo, jogando uma porção de neve em cima dele quando seu corpo grande tocou o solo.

“Woo! Isso foi divertido!” Ela exclamou, erguendo os braços.

“Foi sim…!” Celennis riu levemente, meio sem fôlego.

Jack andou até eles, os olhando de cima.

“Você está bem, Celennis?” Perguntou, o tom de voz um pouco sério para o Espírito do Inverno.

“Sim, estou sim…” Celennis não entendeu a pergunta, até que sentiu lágrimas em seus olhos mais uma vez. “Ah… Não se preocupe com isso… Acontece sempre… Talvez… Eu tenha um problema…”

Domenicha o observou enquanto ele limpava os olhos com a manga branca da roupa.

“Sabe, eu nunca vi Sandy chorar…” Ela disse. “Até pensei que Estrelas não podiam chorar…”

“Talvez ele não possa, quem sabe…?” Celennis deu uma risadinha suave, antes de fungar, secando as lágrimas.

Era estranho, Domenicha não entendia porque aquilo acontecia, ele tinha visto Celennis chorar muitas vezes desde o dia que se encontraram pela primeira vez. Talvez ele tivesse mesmo um problema, ou talvez fosse o frio? Quem sabe…

“Muito bem, vocês dois!” Jack disse de repente, sorrindo com o cajado jogado por cima do ombro. “Eu não tenho um relógio aqui, mas acho que a torre da igreja da cidade já vai dar seis badaladas, então acho melhor vocês se apressarem para Londres.”

Domenicha se levantou num movimento rápido.

“Ah! Tem razão!” Ela se abaixou e agarrou as mãos de Celennis, o puxando de pé sem avisar, o que o fez cambalear violentamente. “Desculpa! Mas está na hora!” Ela sorriu de orelha a orelha. “Está na hora de você conhecer meus amigos!”

As bochechas pálidas de Celennis tomaram uma cor suave e dourada.

“A-ah, sim! É claro!” Mas ele estava sorrindo também, só parecia nervoso.

“Então vão logo.” O Guardião da Diversão riu. “Eu tenho um pouco de neve para jogar por aí.” Ele passou a mão pela cabeça de Domenicha, desarrumando o tufo de pelo branco e recebendo um reclamar alto dela. E sorriu para Celennis. “Boa sorte, Celennis. Você vai precisar.”

E saiu voando com o vento. Domenicha revirou os olhos, arrumando o “cabelo”.

“Não ligue para ele. Ele só está brincando.” Ela assegurou Celennis. “Venha, vamos para Londres rapidinho!”

Antes que o garoto estrela pudesse falar alguma coisa, Domenicha bateu a pata contra o chão coberto de neve, e um túnel se abriu. Ela notou quando Celennis encarou a abertura com uma expressão nervosa.

“Você não tem medo do escuro, tem?” A Pooka sorriu torto.

“N-não, não tenho!” Celennis falou rapidamente, as bochechas bem douradas. “Só nunca viajei de túnel antes.”

“Não se preocupe com isso.” Domenicha colocou as mãos nos ombros do amigo de modo suave. “É só se deixar ir.” E dizendo isso, ela empurrou Celennis, o jogando túnel abaixo. Ela riu do grito de surpresa do rapaz e logo o seguiu, fechando o buraco logo atrás.

Domenicha correu em quatro patas pelo túnel, enquanto Celennis deslizava atrás dela, os olhos bem fechados.

Até que o túnel abriu e a Pooka pulou para fora, se virando a tempo de agarrar Celennis quando esse foi praticamente lançado do buraco aberto. Era uma sorte ela ainda estar com sua forma maior de Pooka.

“Chegamos!” Ela exclamou, mas o garoto continuou com os olhos fechados. “Ora, vamos lá, abra os olhos! Nem foi lá grande coisa.”

“Ooh… Então deve ser assim que a gente se sente numa montanha russa…” Celennis murmurou, mas abriu os olhos.

Tinham chegado à Londres, não muito longe do típico ponto de encontro do pequeno grupo.

“Vamos, eles já devem estar lá em cima!” Domenicha sorriu e saltou para longe da flor que nasceu onde o túnel uma vez estava.

Demorou para ela notar que duas mãos se agarravam à seus ombros felpudos, e que ela ainda carregava Celennis em seus braços. Um leve rosado pintou o pelo branco de suas bochechas e, assim que eles pousaram no telhado de uma casa, ela deixou que o garoto ficasse de pé.

“Ah, desculpe…” Falou sem jeito.

“Está tudo bem.” Celennis riu levemente, as bochechas também manchadas de dourado.

“Vamos.” Domenicha dessa vez agarrou a mão do garoto, pulando para longe. Ela estava animada, não tinha tempo para ficar se embaraçando. Por sorte Celennis conseguiu acompanhar seus pulos e passos largos, correndo de um modo que mais parecia ser um flutuar leve acima do solo.

Ele subiram até o telhado do prédio que o grupo costumava se encontrar e, como Domenicha previu, Nick e Wonder já estavam ali.

Um leve nervoso subiu pela garganta da Pooka ao ver as expressões sérias de seus amigos, os olhos azuis e roxos deles se prendendo no rapaz pálido que a acompanhava. E ela conseguia ver que Celennis sentia o mesmo nervosismo.

Mesmo assim, ela sorriu.

“Oi, gente!” Domenicha disse, puxando Celennis com ela. “Prontos para conhecer… Celennis!” Ela fez uma pose, soltando o pulso do garoto e apontando para ele.

Nick e Wonder não falaram nada, apenas encararam. Celennis corou, erguendo a mão timidamente e falando um suave “oi”. Domenicha revirou os olhos.

“Ora, vamos lá, vocês dois!” Ela reclamou. “Sejam legais com ele!”

“Mas é claro.” Wonder disse, levantando do lugar onde estava sentada e se aproximando. “Ola, eu sou Wonder.” Ela estendeu a mão para o garoto, que aceitou o gesto sem problemas. Até que ela o puxou para frente, deixando seus rostos a centímetros de distância. “Quais são seus interesses na Domenicha?!”

Celennis gaguejou, sem saber como responder.

“Wonder…” Domenicha revirou os olhos.

“Eu só queria conhecê-la… E à vocês também...” Celennis começou a falar, baixinho, lentamente, como uma criança tímida. “Eu vivi na Lua até agora… Essa é minha primeira vez na Terra depois de… Tantos anos. Eu os vi brincando por aqui, eu vi os outros Guardiões, meu pai me contou tanto sobre vocês todos…”

“Seu pai?” Nick questionou. “Quem é seu pai?”

“O Homem da Lua.”

Houve um silêncio. E Domenicha não sabia se ela ficava tão surpresa quanto os amigos, ou se ria da expressão desses.

“Espere… Seu pai é o Homem da Lua?” Domenicha encontrou sua voz depois de um tempo. “Tipo… O cara lá em cima?” Ela apontou para o céu, embora estivesse completamente nublado.

“Ele mesmo…”

A mão que ainda segurava Celennis com força o soltou lentamente.

“O Homem da Lua…” Wonder murmurou e se virou para a amiga “Primeiro você vira amiga da filha do Bicho Papão, depois do filho do Homem da Lua, mas que diabos está acontecendo aqui?”
“Ora, não é como se eu não fosse já a filha do Coelho da Páscoa e do Jack Frost, cujos melhores amigos são filhos do Papai Noel e da Fada dos Dentes!” Domenicha revidou.

As expressões sérias caíram em segundo, e os três começaram a rir alto. Celennis se manteve calado, mas ele sorria levemente, as mãos apertadas juntas, enquanto olhava de um novo amigo para o outro.

“Ok, ok, tem toda razão.” Wonder se virou para Celennis com as mãos na cintura. “Tá certo, Celennis. Desculpa a rudeza, mas depois que Domenicha conheceu aquela… Garota, a gente ficou meio apreensivos…” Ela pensou um pouco. “Mas com certeza você já deve saber, já que estava olhando lá de cima, como você disse.”

“Não, sem problemas, eu entendo…” Celennis assentiu rapidamente.

“Ei, Celennis…” Nick se pronunciou, sorrindo. “Como que é a Lua de pertinho?”

E Domenicha sorriu ao ver seu pequeno grupo de amigos se conhecendo melhor.