A Garota Que Ficou Para Trás - EM HIATUS (JULHO)

Capítulo XIII - Eu só queria que o meu pai ficasse


Ponto de vista de Sam Winchester.

Acordo com uma fresta de luz repousando em meu rosto. Olho para o lado e vejo Hazel adormecida, suas costas nuas viradas para mim, o lençol cobrindo o restante do seu corpo, e fico observando essa cena por um tempo.

Sorrio ao ver que a noite passada não foi um sonho.

Meus olhos percorrem suas costas totalmente recuperadas de qualquer hematoma, e um frio na barriga me acomete. Dou um longo suspiro.

É inevitável me lembrar de cada machucado que já vi em seu corpo. É inevitável sentir calafrios lembrando do que ela passou.

Desde que seu pai tentou me matar e a espancou, várias coisas não saem da minha cabeça.

Nunca conversamos sobre o que aconteceu naquele dia. Nós meio que deixamos isso para trás para que nos curássemos. Mas eu me lembro.

Todos os dias.

E um pensamento mais assombroso tem rodeado a minha imaginação.

Não é normal se esquecer completamente de parte de sua infância. Não é normal um pai agir como ele agiu.

Lembro, quase todas as noites antes de dormir, de quando ele disse com uma arma apontada para o meu rosto “E eu vou até o inferno para proteger a minha garotinha”. O modo como ele se referiu a ela...me pareceu errado.

Fico pensando nisso enquanto encaro o teto.

Eu preciso saber se ele...

Eu não consigo terminar o pensamento.

Me levanto e visto um pijama quente, pois hoje está mais frio do que ontem, se é que isso é possível. Escovo os dentes e desço para tomar o café da manhã, sei que Hazel gosta de acordar tarde quando tem a oportunidade, então não vou perturbá-la.

Dou de cara com Dean sentado na bancada comendo uma omelete.

—John já foi embora? – Pergunto, sem encará-lo enquanto busco por suco na geladeira.

—Bom dia para você também, seu mal-educado. – Dean responde com a boca cheia – Não, as coisas dele ainda estão aqui, mas ele não dormiu em casa.

Franzo o cenho e me sento ao seu lado.

—Ele não iria embora sem as coisas dele. – Digo, tomando um gole de suco – Tem certeza de que ele dormiu fora?

—Absoluta. Ele saiu ontem para levar a Srta.Laverne para a casa dela, mesmo que seja literalmente na frente da nossa. Acho que ficou emotivo com o Natal, sei lá. Talvez tenha ido dar uma volta e acabou dormindo em algum outro lugar. – Dou de ombros. John é crescidinho, e deve estar bem.

—Bom, ele sabe se cuidar. – Digo, terminando meu suco – Obrigado por ontem, Dean. De verdade.

Dean sorri e me dá um tapinha nas costas.

—Obrigado por você ter sido...hm, amigável com o papai. Significou muito para mim. – Sorrio meio que para o chão, e enfio as mãos nos bolsos da calça de moletom cinza.

—Ele se comportou direitinho, então...foi fácil. – Digo, e Dean assente.

—Bom, eu preciso ir. Eu vou resolver umas paradas no centro da cidade. Quando o papai voltar, peça a ele para esperar por mim antes de ir embora, ok? Quero conversar com ele sobre o demônio de olhos amarelos. – Dean diz meio baixinho – Não quero que ele pense que nós não nos importamos.

Me limito a assentir.

—Certo. Pode deixar, Dean. Digo a ele. – Me levanto, e Dean pega as chaves do Impala. Antes de sair pela porta, meu irmão vem até mim.

—Antes que eu me esqueça, parabéns, Samantha. – Ele sorri e pisca para mim, mas eu não entendo o que ele quer dizer de primeira – Você oficialmente deixou de ser um virgenzinho.

Minhas bochechas queimam no mesmo momento, e ele ri ao ver meu desespero.

—C-como você...? – Consigo gaguejar, e ele ri mais.

—Vamos lá, Sammy. Meu quarto é do lado do seu, esqueceu? – Ele vai em direção a porta, ainda sorrindo igual um idiota – Parabéns. Deu para ouvir em alto e bom som que você aprendeu direitinho com a nossa conversinha.

Coço a nuca completamente desconcertado. Não queria que ninguém tivesse nos ouvido. Isso é bem constrangedor.

—Só tô tirando uma com a sua cara, Sammy. Relaxa. Que bom que você deu um presentinho de Natal para ela. Esse é o meu garoto. – Ele pisca para mim e sai pela porta, me deixando completamente transtornado.

Eu não sei por que o Dean faz essas coisas.

Suspiro, esfregando o rosto para tentar tirar a vergonha com os dedos, como se isso fosse possível.

E quando coloco a mão no corrimão, me lembro: O presente de Natal dela.

Subo para o meu quarto, e entro devagarzinho para não acordar Hazel. Vou até a minha cômoda e encontro o embrulho prateado e pequeno, envolvendo uma caixinha com um colar dentro.

Mandei fazer esse colar a um tempo, e decidi esperar até uma data especial para presenteá-la.

O pingente tem um símbolo anti-possessão feito em prata, para protegê-la por onde for que ela vá. Significa muito para mim.

Coloco o embrulho no bolso, quando ouço a voz dela murmurar baixinho.

Não...- Me viro e vejo que ainda está dormindo. Está se remexendo nos lençóis, inquieta. – Não...

Franzo o cenho, preocupado. Está tendo um pesadelo, tenho certeza.

Me sento na cama e toco seu ombro levemente.

—Hazel, acorde... – Digo a ela, que se remexe mais e se sobressalta ao acordar, assustada.

Ela olha ao redor, como se tentasse identificar onde é que está. Ao me ver, ela dá um suspiro.

—Sam...- A voz dela está rouca, e os olhos estão cheios de pavor.

Coloco uma mecha do seu cabelo para trás da sua orelha, e acaricio seu rosto com o polegar.

—Você estava tendo um pesadelo, linda. – Digo a ela, que assente devagarzinho, recobrando a calma.

—Eu...não me lembro. – Ela diz, confusa – Do que se tratava...

—O pesadelo? – Questiono. Ela aquiesce.

—Certo...- Digo, suspirando. Não é normal. Esquecer as coisas não é normal.

Meu peito dói um pouco, e ela parece notar.

—Você está bem? – Ela questiona, se sentando na cama, os braços envolvidos nos lençóis que cobrem seu corpo nu. Sorrio para ela.

—Estou, só estou com uma dor de cabeça. – Minto, mas começo outro assunto logo em seguida para que ela não se atente – Eu quero te levar para sair.

Ela faz que sim com a cabeça.

—Eu só preciso passar em casa. Quero tomar um banho, me arrumar...e quero ver como minha mãe está. – Concordo com a cabeça.

—Tudo bem, El. Eu também preciso me arrumar. Te busco em uma hora e meia? – Ela assente.

—Hm, Sam...? – Suas bochechas ficam vermelhas de repente, e ela sorri timidamente – Se importa de me dar licença para eu me trocar? Sei que você já viu de tudo...mas eu ainda tenho vergonha.

Sorrio para ela e beijo sua testa.

—Claro, eu vou estar do lado de fora.

Ela sorri para mim e eu me retiro como prometido.

XXX

Enquanto Hazel se troca, ajeito algumas coisas na sala de estar. Por acaso, vejo pela janela o meu pai.

Por um momento, parece uma visão normal.

Mas aí o meu queixo cai quando percebo que ele acaba de sair pela porta da frente da casa da Hazel, com a mãe dela lhe dando um beijo.

Na boca.

Ele me vê, e parece levemente constrangido por isso. Mas então John Winchester passa a mão no cabelo e olha para baixo, e começa a descer a rua para sabe-se-lá-onde.

XXX

—Te vejo em uma hora e meia. – Ela sorri, ficando na ponta dos pés para me dar um selinho.

Retribuo, mas meu maxilar está travado de raiva devido ao que vi a cinco minutos atrás.

—Você tem certeza de que está bem? – Ela pergunta, os olhos preocupados.

—Tenho, linda. É a dor de cabeça de que te falei. – Ela não parece muito convencida, mas sai pela porta após assentir com a cabeça.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

Quando entro, vejo minha mãe na cozinha, parada e apoiada na bancada com um copo de café em mãos.

—De pé tão cedo? – Pergunto, me sentando na mesa perto dela.

—Eu é quem devia estar dizendo isso para você. – Ela diz, sorrindo e apontando para um bule em cima do fogão – Fiz chá, do tipo que você gosta.

Sorrio e me sirvo de uma xícara generosa.

—Obrigada por ter topado passar o Natal com eles, mãe. – Digo, enquanto assopro a bebida fumegante em minhas mãos – Significou muito para mim.

Ela fica em silêncio por um tempo, e passa mão na nuca, como se estivesse preocupada com algo.

—Significou muito para mim também, Hazel. Eu sei que eu não sou a mãe ideal...

—Não, mãe. Não quero falar sobre isso...- Interrompo ela.

Ela assente, se calando.

Não quero falar sobre isso porque não quero acessar sentimentos que enterro a anos com tanto custo. Mágoas por seu vício, mágoas por sustentar um relacionamento nocivo, mágoas por permitir que meu pai fizesse o que fizesse por anos.

Eu odeio o meu pai e não posso perdoá-lo. Se odiá-la também, poderei perdoá-la por tanta negligência? Eu não aguentaria, perder os dois assim dessa forma.

Deixar de amar as pessoas é perdê-las. Não aguentaria perder mais alguém.

De hoje em diante o que importa é o agora, a sua sobriedade, e a nova vida que desabrocha para nós, cheia de possibilidades.

XXX

Termino de me agasalhar e coloco o presente de Sam no bolso do casaco. É uma mix tape que eu fiz, especialmente para ele. O lado A contém as seguintes músicas:

1 – Fade into you – Mazzy Star,

2 – Because the night – Patti Smith,

3 – Save a prayer – Duran Duran,

4 – Hand in glove – The Smiths,

5 – You gonna make me lonesome when you go – Bob Dylan

O lado B, contém mais cinco faixas:

6 – Running up that hill – Placebo,

7 – Take on me – Aha,

8 – Heroes – David Bowie,

9 – Iris – Go go dolls,

10 – Head Over Heels - Tears For Fears.

Sorrio, na expectativa de que ele goste.

Antes de descer as escadas para encontrá-lo, algo me incomoda.

Por que não consigo me lembrar do que se tratava o pesadelo?

Forço a mente, mas não consigo. Não tenho controle.

Senti tanto medo. E, no entanto, medo do quê?

De quem?

Isso me deixa levemente perturbada, assim como quando paro para tentar resgatar qualquer memória que seja da época em que vivemos em Los Angeles.

Mas, a julgar pela maneira de como me sinto quando sequer penso sobre isso, chego a mesma dedução, todas as vezes.

É melhor assim.

XXX

Nos sentamos em um banquinho, em uma das ruas pavimentadas do parque natural de Lawrence. Estamos rodeados de árvores de todos os tipos, mas todas parecem iguais graças ao inverno. Nuas e tristonhas.

A neve está mais leve hoje, mas o vento está mais impiedoso. Sam está todo de preto, e esfrega suas mãos para afastar o frio. Suas bochechas estão levemente rosadas graças a temperatura, os cabelos castanhos compridos até pouco abaixo na nuca, algumas mechas caindo nos olhos as vezes, fazendo minhas entranhas se revirarem todas as vezes que olho para ele.

É tão bonito que dói e ultrapassa todos os limites do condado da minha mente insana.

—Eu te trouxe aqui porque quero lhe entregar algo, antes de irmos para o café de que te falei...- Ele começa a dizer – E sei que adora as árvores, por isso precisava te entregar isso aqui...para que seja especial para você.

Sam enfia a mão no bolso, e então retira um pequeno embrulho prateado dali. Sorrio imediatamente:

—Não precisava me dar presente, Sam! – Ele sorri de volta para mim enquanto desembrulho o pacote.

—Eu quero te dar isso a um tempo, mas estava esperando a hora certa. – Sua voz está rouca hoje. Abro a caixinha com os dedos frios e dela retiro um colar prateado, a corrente delicada e um pingente com um símbolo que nunca vi antes. É delicado, bonito e diferente. Meu sorriso aumenta e beijo sua bochecha.

—Eu adorei. Gosto de estrelas...- Digo, passando a ponta dos dedos no pingente – Obrigada, Sam.

Ele sorri, e pega o colar em suas mãos.

—Eu mandei fazer, e como você pode imaginar, esse símbolo tem um significado. É para te proteger, El. Posso colocar em você? – Assinto animadamente, segurando meus cabelos no alto por um momento para que ele coloque o colar em mim. Após fazê-lo, decido ceder a minha curiosidade.

—O que significa exatamente? A estrela e as chamas? – Ele enruga o nariz de maneira adorável, e olha para baixo. Parece sombrio de repente.

—Só...é coisa de caçador, e eu odeio te contar qualquer coisa que tenha o mínimo envolvimento com o sobrenatural possível. Não fique brava comigo, por favor...- Ele olha no fundo dos meus olhos como se suplicasse – Quão menos você souber, mais segura vai estar.

Absorvo suas palavras, e decido acariciar seu rosto. Ele relaxa um pouco, e eu coloco uma de suas mechas para trás da sua orelha, com cuidado.

—Sam...você acordou estranho hoje. Sei que disse que está com dor de cabeça...- Começo, preocupada. Ele fita os meus olhos – Eu sei que não é isso. O que está te perturbando?

Ele sorri de maneira triste e olha para baixo.

—Você não deixa nada passar, não é? – Sorrio e faço que não com a cabeça. Ele aquiesce – Meu pai me deixa louco as vezes. Ontem ele mencionou o demônio de olhos amarelos, e...

Sinto um arrepio pela espinha, mas finjo que não tenho medo. Ele suspira com dificuldade, molha os lábios e continua.

—Eu só odeio me lembrar, entende? Eu queria que ele deixasse isso no passado. – Seu olhar é o de dor -E ao mesmo tempo, queria matar o maldito eu mesmo. É confuso, e acaba bagunçando a minha mente. Não quero que nada te aconteça, El. Nunca.

Ele segura as minhas mãos, como se eu fosse desaparecer de repente.

—Sam, eu vou ficar bem. Eu estou bem! – Ergo seu rosto com a mão, para que me olhe no fundo dos olhos. Ele tem aquele olhar de cachorrinho abandonado que faz minha barriga esfriar todas as vezes – Demônio nenhum vai vir atrás de mim.

Ele tem uma expressão de dor no rosto, e me puxa pela nuca para me beijar. Seus lábios estão quentes em contraste com os meus, e me sinto aquecida só por senti-los.

—Só quero que as coisas fiquem bem de agora em diante. Não posso suportar que nada aconteça a você, linda. E por falar nisso...- Ele suspira, acariciando a minha mão na sua – Eu...eu estou com uma coisa na cabeça. – Seu olhar parece culpado, por estar tocando nesse tipo de assunto. Parece estar sofrendo.

—Então divide comigo, Sam. Essa coisa que tá na sua cabeça. – Me apresso a dizer.

Ele parece ponderar a decisão por um tempo, como se muitas coisas estivessem em jogo.

—É só que...nós nunca falamos sobre...- Sua voz morre por um momento, angustiado – Ah, Hazel...me desculpa. Deixa isso para lá.

—Ei, Sam, olha para mim...- Vê-lo angustiado me mata por dentro. Sei ao que ele se refere, porque sei bem que deixamos esse assunto guardado em uma gaveta enquanto as feridas se fechavam – Eu sei...eu também fico com isso na cabeça as vezes. O que quer saber? – Pergunto, olhando para baixo.

—Você tem certeza, El? Que podemos falar disso? – Assinto, devagar. Ele suspira e molha os lábios – Como ele descobriu?

—Minha mãe teve uma crise de abstinência, das bravas. Começou a delirar e contou a ele. Disse enquanto dormia que você me fazia feliz. – Consigo lembrar de tudo como um filme. Como uma maldição em polietileno – Ele me pressionou, e eu contei. Daí...

Minha voz morre, e ele tem o cenho franzido em dor, o polegar acariciando a minha mão sem parar.

—Primeiro, foram os tapas. – Começo a dizer, mas ele sacode a cabeça.

—Não, linda. Você não precisa...me contar. Isso vai te machucar. – Ele diz, mas eu nego com a cabeça.

—Na verdade, eu preciso sim. Se eu não falar, isso vai me comer por dentro, Sam. – Ele me olha com apreensão, quer se certificar de que estou fazendo isso por mim, e não por ele. Ele sempre checa meus sentimentos com os olhos. Quando percebe que estou falando a verdade, que quero falar sobre isso, apenas assente e me espera continuar. Olho para o horizonte, para as árvores, enquanto as palavras saem de mim como uma sangria – Depois dos tapas, ele me pressionou contra a parede. Bateu a minha cabeça contra ela. Quando eu ia cair no chão, ele me segurou, mas eu acabei cambaleando mesmo assim. Ele disse que ia te matar, e eu perdi a cabeça. Ele me atingiu diversas vezes com o cinto, cortando os meus braços. Enquanto eu me encolhi, ele chutou a minha costela. Enquanto eu implorava para que ele parasse, ele me apagou com um soco.

Suas mãos tremem, e os olhos estão marejados e vejo sua luta interna para segurar as lágrimas que querem lhe escapar. Posso imaginar sua garganta ardendo.

—Não foi a primeira vez, que ele fez algo tão horrível. Mas...fazia tempo, sabe? E por um momento, achei que ele queria me matar de verdade. – Digo, não sentindo nada. Ao lembrar de tudo, sinto apenas um vazio dentro de mim, como uma inocência roubada.

—Eu me sinto um idiota. – Ele fala, pesaroso – Não tem nada que eu possa dizer ou fazer para arrancar tudo isso de você. Eu me sinto tão impotente...

—Você está enganado, Sam. – Digo a ele – Você arranca tudo isso de mim, todas as vezes que me abraça forte, ou que diz que me ama. Ontem, ao ter me permitido me entregar para você daquele jeito...é como se nada do que me aconteceu pudesse me atingir mais. – Uma lágrima solitária brota no seu rosto, e eu a limpo com o polegar.

—Me promete uma coisa, por favor? – Ele segura as minhas duas mãos, as lágrimas agora caindo sem censura, mas seu olhar é firme.

—Prometo, Sam. Qualquer coisa... – Respondo.

—Se o seu pai voltar, por favor...vem morar comigo. – Fico o encarando um tempo, tentando entender se está falando sério.

—Sam...é sério? Mas e o seu pai? Seu irmão? – Ele sacode a cabeça.

—Não vão se opor. Por favor, eu não posso deixar o seu pai chegar perto de você, nunca mais. – Sua voz carrega dor.

—Sam...duvido que a minha mãe vá deixar...- Ele dá de ombros.

—Ela não tem que deixar. Me perdoa, El. Mas sua mãe não tem direito sobre você, não depois de...você sabe. E se precisar, eu mesmo falo com ela. Mas me prometa, linda. Me prometa que vai morar comigo se ele voltar.

Fico em silêncio por um tempo, o verde dos seus olhos enegrecido em preocupação, e as ondas azuis batem na encosta da sua íris como uma tempestade marítima bateria violentamente em um penhasco.

—Eu prometo. – Vejo seus olhos se iluminarem quando digo isso, e um alívio lhe percorre.

Sam beija a minha testa, e eu sinto seu cheiro fresco enquanto fecho meus olhos, apenas me aquecendo nele.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas nos abraçando. Apoio a cabeça no seu ombro, e ouço sua respiração pesada.

—Tem mais uma coisa, El. – Ele diz. Ergo a cabeça e o encaro.

—O que? – Pergunto.

—É sobre seu pesadelo. – Sua voz é cautelosa, assim como seu olhar – E sobre a sua infância.

—Sei o que vai dizer. – Digo, respirando fundo – Eu realmente não me lembro, Sam. Não é algo que guardo em segredo ou coisa assim. Eu realmente não me lembro.

Ele assente.

—Eu sei que você diz a verdade, quando diz não se lembrar. Mas, El... isso não é comum. A nossa cabeça bloqueia certas coisas, sabe? Para meio que salvar a gente de algo terrível...- Seu olhar é de dor, parece transtornado – E eu estou louco com isso. Louco porque, tenho pensado em uma teoria que tem me deixado maluco a um tempo. E ontem fizemos amor e eu não pensei em como isso poderia te afetar e eu me sinto culpado e...

—Espera um pouquinho...- O interrompo, ele está ofegante – Sam, o que você...?

—Hazel...- Ele segura as minhas mãos com firmeza, como se me segurasse na beira de um penhasco – Eu só preciso ter a certeza de que o seu pai não...

Mas ele não consegue terminar sua frase.

—Sam...como fazer amor comigo poderia me afetar? – Estou confusa. Não sei onde ele quer chegar.

Seu olhar parece pesar toneladas. Ele parece sofrer ao tentar falar algo aparentemente impossível de ser dito.

—Seu pai...seu pai já tocou em você de maneira...? – Ele não consegue pronunciar as palavras como gostaria, percebo isso claramente.

Meu estômago se revira quando entendo o que ele está tentando dizer.

—Não, eu não...- Começo a dizer. Sinto minha temperatura cair um pouquinho – Sam, você não está pensando que meu pai me abusava na infância, né?

Ele ergue as sobrancelhas para mim, de maneira dolorida.

—Estou. – Ele diz com dor na voz – Você não se lembra de parte da sua infância, ele sempre foi abusivo com você, possessivo...ficou estranho a respeito de nós dois e... ontem, quando você perdeu a virgindade comigo, acabou tento um pesadelo de que não se lembra...e você murmurava “não”, várias vezes, El. Como se tivesse revivido um trauma, e isso está me perturbando, porque se eu tivesse pensado direito nas consequências, não teria...

Sua voz morre, e eu absorvo suas palavras, confusa.

—Sam, meu pai não faria isso comigo. – Digo, com a garganta ardendo.

A verdade é que me apego nisso como um bote salva vidas. Me espancar e talvez ter tentado me matar eu posso aceitar.

Mas isso não.

—Sam, é sério. Escuta, eu tive uma vida conturbada...- Respiro fundo, e ele me fita pesaroso – Eu sei. Mas eu juro para você, não tenho nenhuma lembrança de ter sido tocada de maneira imprópria pelo meu pai. Algo horrível deve ter acontecido comigo em Los Angeles...mas não foi esse tipo de coisa.

Não posso afirmar isso com certeza. Sei que o raciocínio dele faz sentido.

Faz mais sentido do que a minha linha de pensamento, e eu sei disso até os ossos.

Mas para a minha sobrevivência, não vou abrir essa porta.

Nunca.

—Tudo bem. – Ele diz, nada convencido, e ele acaricia uma mecha do meu cabelo, rodando-a nos dedos em um gesto de carinho – Tudo bem, El. Me desculpa. Eu precisava ter certeza. Eu precisava saber, porque não quero nunca te tocar da maneira errada. Não quero nunca fazer o que fizemos ontem e te causar algo...eu te amo e te respeito tanto, El. Tanto. Só quero saber que está tudo bem com você, é a única coisa que importa.

—Eu estou bem, Sam. Mesmo. – Friso – De verdade. Ontem foi...bom, acho que deu para ver claramente o quanto foi bom para mim.

Ele sorri timidamente, ainda pensativo.

—Certo. Vou tirar isso da cabeça, prometo. – Ele diz, me aninhando em seus braços.

—Agora, temos outro problema em nossas mãos...- Digo, provocativa. Ele franze o cenho para mim.

—Que problema? – Indaga. Sorrio para ele.

—Como e onde vamos poder fazer amor de novo. Se a minha mãe pega a gente, ela te castra. – Ele dá risada, e eu também.

—Ah, fique tranquila. Ninguém vai pegar a gente, linda. – Ele coloca a mão grande no meu pescoço, enroscando os dedos nos cabelos da minha nuca, fazendo-me arrepiar por completo – Agora, vem. A gente tem que ir para aquele café.

—Lá tem chá, né? – Faço uma careta para ele, que se levanta e me puxa suavemente pela mão para acompanhá-lo.

—Tem, eu me certifiquei. Não sou louco de te oferecer cafeína e ofendê-la profundamente com tal ato. – Dou risada, e caminhamos de mãos dadas até lá.

XXX

—Você sabia que estão encarando a gente, né? – Digo para ele, enquanto beberico meu chá. Ele sorri timidamente para mim.

—Sei. Deixe que encarem. – Ele diz, esquentando as mãos ao redor da sua caneca fumegante. O grupo de estudantes da nossa escola estão a algumas mesas de nós, e não param de cochichar. Tenho certeza que é sobre nós dois, pelos olhares nada discretos e os cochichos – Na verdade, vou dar a eles o que comentarem de verdade.

Franzo o cenho, confusa sobre ao que ele se refere. Sam, que já estava com a mão sobre o meu ombro, ergue o meu queixo e me beija.

Sinto um frio na barriga pela sensação dos seus lábios, e meu rosto queima de vergonha, e empolgação. É apenas um selinho, mas mesmo assim causa impacto.

Nossos lábios se separam, e ele sorri para mim de maneira marota, quando vê que estou constrangida e que os nossos colegas de classe estão ouriçados com o que acabamos de fazer.

Cidades pequenas são hilárias.

—Você não presta, Winchester. – Digo a ele, voltando a beber meu chá.

—Eu sei. – Ele dá de ombros, a mão na minha perna me acariciando – Só gosto de te exibir por aí, só isso.

—Sei. – Digo, rindo – Gosto de te exibir por aí também. E por falar nisso...

Retiro a mix tape do bolso e dou a ele, que abre um sorriso enorme.

Ah, esse maldito e delicioso sorriso...

—É bom ter Tears for fears aqui! – Ele diz, brincando e beijando a minha testa – Obrigado, linda. Significa muito para mim.

—É bom você ampliar seu gosto musical, Winchester. – Digo, rindo e me aninhando mais nele.

XXX

—Tem mesmo que ir? – Ele me pergunta, o meu rosto em suas mãos. Assinto para ele.

—Tenho, não gosto de deixar a minha mãe sozinha por longos períodos de tempo. A solidão é inimiga da sobriedade. – Ele aquiesce, compreensivo, beijando minha testa.

—Tudo bem, El. Te vejo amanhã? – Ele questiona. Faço que não com a cabeça, de maneira divertida, só para ver o medo em seus olhos – Não...não quer me ver amanhã?

Ah, o olhar de cachorro que caiu da mudança de novo. Eu não sei qual é o meu problema, mas isso me deixa louca todas as vezes.

—Não, não mesmo. – Respondo, o tom malicioso – Quero que escale aquela minha janela de noite. – Sussurro em seu ouvido, e vejo os pelos da sua nuca se eriçarem no mesmo momento - Não quero esperar até amanhã.

—Ufa. – Ele diz, suspirando e rindo – Você é má, sabia? Acreditei mesmo que não queria me ver.

—Você é um tolo se pensa por um segundo que seja que eu não ia querer te ver. – Digo, beijando a sua bochecha, e vejo seu rosto desolado por isso – Amo beijar a sua bochecha. Quebra seu coração todas as vezes. É uma gracinha.

—Pode quebrar meu coração quantas vezes quiser, sua sádica. – Ele pisca para mim – Mas eu vou revidar. Vou te torturar também, linda.

—É? De que maneira? – Questiono. Agora são seus olhos que brilham com certa maldade.

—De noite você descobre, El. – Ele beija o lóbulo da minha orelha, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar – Ver você implorando vai ser divertido.

Eu simplesmente sei que ele sabe que acabo de me molhar. Sei disso pelo seu olhar.

—Eu sei o que eu causo em você. – Ele diz, me olhando de cima a baixo de maneira predadora – Sei o que acabou de acontecer...- Ele sussurra, os olhos enegrecidos em desejo – Que pecado, El. Se excitar assim tão fácil estando em público, será que você gosta disso?

Fico vermelha e desconcertada.

—N-não. – Gaguejo.

—Ah, é? E você vai mentir para mim agora, El? Vai mentir dizendo que não está excitada? – Ele me provoca, me puxando para perto.

—Não estou. Nenhum pouco. – Minto, com a boca seca. Ele sorri de maneira lasciva, e checa a rua dos dois lados, quando me puxa para dentro do pórtico da sua casa, bem em um canto menos visível.

—Não vai se importar se eu checar, então? Se está mentindo. – Ele encosta a testa na minha, e pressiona levemente o meu corpo contra a parede.

—C-como...? – Questiono, já desnorteada.

Ele desliza a mão pela minha calça, os dedos indo em direção ao meu zíper. Ele para por um momento, olhando mais uma vez aos arredores, e então volta sua atenção para os meus olhos.

—Última chance de dizer a verdade, Laverne. – Ele diz, e eu estou com o coração socando o peito.

—Não estou excitada. – Minto novamente.

Ele balança a cabeça negativamente.

—Mentir é pecado, garota. – Sua voz é baixa e rouca, e inclino a cabeça para trás quando ele abre o zíper delicadamente, sempre observando meu consentimento. Ele desliza a mão com calma por dentro da minha calcinha, e eu gemo baixinho quando ele desliza o dedo devagar até o meu sexo, primeiro por fora, sentindo minha lubrificação. Ele sorri devagar, sem tirar os olhos dos meus – Parece excitada para mim. – Ele roça o indicador levemente contra o meu clitóris, e eu respiro com dificuldade, arfando.

—Sam...- Gemo seu nome, baixinho, louca por ele. Ele sorri vitorioso.

—Mentir é muito, muito errado, Srta. Laverne...- Ele diz provocativo, e eu inclino a cabeça para trás quando ele insere um dedo em mim, devagar.

Não arde e nem dói, ele desliza para dentro com facilidade. Começo a suspirar, e me esqueço que estamos do lado de fora por um momento.

Penso que ele vai me comer com as mãos, mas ele não faz isso. Ele retira o dedo de dentro de mim, devagar, sem tirar os olhos dos meus.

Resmungo baixinho, queria que ele continuasse. Meu corpo está pedindo pelo seu.

Ele ergue a mão diante de mim, esfregando o polegar no indicador, me mostrando o líquido transparente que está ali. Queimo de vergonha, enquanto ele segura o meu queixo com a outra mão.

—Nunca minta para mim, linda. – Ele diz, autoritário, do jeito que eu gosto – Eu sempre vou saber a verdade. Sempre. – Então ele enfia o dedo na boca, chupando o líquido que estava ali.

Isso amolece as minhas pernas.

—De noite, não se esqueça. – Ele me beija com voracidade, as mãos na minha nuca e a respiração pesada – Você vai implorar.

Sinto meu gosto na sua língua e me molho um pouco mais. Isso é o que, narcisismo?

Como é possível um ser humano gostar tanto de sentir o próprio gosto?

Olho no fundo dos seus olhos e sorrio.

—Sim, eu vou. – Digo.

—Boa garota. – Ele beija o meu pescoço – Pode ir agora. Te vejo a noite.

Assinto, obedientemente.

—Te vejo a noite, Sam.

XXX

Quando estou descendo o pórtico, dou de cara com John Winchester. Ele me parece cansado.

—Sr.Winchester...- Digo, ajeitando o cabelo levemente bagunçado por Sam – Eu estava de saída.

—Oi, Hazel. Pode me chamar de John. – Ele diz, os olhos castanhos encarando os meus – Tudo bem?

—Tudo sim. – Digo, assentindo timidamente – E com você?

Ele assente e sorri. Pode ser impressão, mas seu sorriso parece entristecido.

Sempre.

—Bem. Sam está em casa? – Ele me questiona. Assinto.

—Está, sim. – Ele aquiesce e suspira.

—Bom...então, te vejo depois, Hazel. – Ele diz, se virando.

De repente, sinto a necessidade de dizer algo a ele.

—John? – Digo, fazendo-o se virar novamente para mim.

—Sim? – Ele questiona.

Fico incerta por um momento, mas decido seguir a diante.

—Eu só queria dizer que eu amo muito, o seu filho. Amo de verdade. – Digo, envergonhada por estar me declarando sobre Sam assim para o meu sogro. Ele ri de maneira suave.

—Bom saber, Hazel. O garoto está...- Ele coça a nuca, meio sem jeito – Louco por você. Então, fico tranquilo em saber que é recíproco. Espero que ele esteja sendo o cavalheiro que eu o criei para ser.

Assinto, sorrindo.

Ah, se ele soubesse o que o filho estava fazendo a poucos minutos atrás...

—Ele está sim, John. E...sei que você e Sam...- Não sei quais palavras usar – Sei que tem suas questões. – Digo com cuidado. John continua me ouvindo, atento – Mas ele te ama. Sei que ele não vai dizer, mas ele ama. Ele só...

Mas minha voz morre. John Winchester sorri para mim e coloca a mão gentilmente em meu ombro.

—Eu sei. Obrigado por me dizer isso, Hazel. Você é uma boa menina. Que bom...que bom que o meu filho...

E então seus olhos recaem sobre meu colar.

Ele fica quieto por um momento.

—Ah, ele me deu. – Digo, segurando o pingente em mãos.

—Ele disse o significado para você? – Seus olhos ficam preocupados por um momento. Penso em uma boa mentira para contar a ele.

—Não. Eu amo estrelas. – Digo, tentando ser convincente – E ele sabe disso.

Ele suspira, discretamente aliviado.

—Certo. Desculpe se pareci estranho por um momento. – Ele sorri – Confundi o símbolo com outra coisa.

—É, parece algo super sério, né? – Digo, meio que jogando no verde – Com o círculo e tudo mais. Mas é só uma estrela.

—Sim. – Ele confirma com a cabeça – Só uma estrela. Foi bom te ver, Hazel.

—Igualmente, John.

Digo, educadamente, me retirando dali.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester.

Estou lendo quando John entra em casa, parecendo preocupado.

Nem quero olhar para ele depois do que vi hoje cedo.

—Oi, Samuel. – Sua voz é cautelosa por um momento – Precisamos conversar...

—Não precisamos não. – Respondo, já travando o maxilar – De verdade, John. Eu nem quero ouvir o que você tem para dizer.

—Você precisa. O que você viu, não é o que parece. – Ele começa, mas eu rolo os olhos impaciente.

—Jura? E o que é então? O que você quer que eu pense, John? – O olho com raiva, cruzando meus braços – Ela é a mãe da minha namorada, pelo amor de deus!

—Eu sei! – Ele diz, se aproximando mais. Dou um passo para trás – Não fiz nada...

—Enfiar sua língua na boca dela não me parece com nada, John. – Digo debochadamente. Ele suspira.

—Eu quis dizer que não fiz nada além disso...- Bufo impaciente.

—Nossa, que bom, pai! – Coloco a mão no meu peito de maneira debochada – Muito obrigado mesmo por não ter dormido com a minha sogra, significa muito para mim e decididamente me faz ver o beijo de vocês com alegria! – Digo com ironia.

Por algum motivo, John sorri, e fica me olhando com ternura.

—Que foi? – Pergunto rispidamente.

—Você me chamou de pai. – Ele diz, de maneira simples.

—Não chamei não...- Digo, meio desconcertado.

—Chamou, sim. Acho que tenho meu presente de Natal, afinal. – Seus olhos se enchem de água, e isso me quebra por dentro.

Estou com tanta raiva dele. Tanta raiva por ele sempre ir embora. Por ele colocar a vingança acima da paternidade.

Sinto raiva porque eu o amo muito e isso dói.

Meus olhos também se enchem de água, mas eu reluto.

Olho para baixo, com a garganta em chamas e a raiva no peito enquanto as lágrimas desgraçadas escapam sem censura do meu rosto.

—Vem cá. – Meu pai diz, me puxando para um abraço. Eu reluto por um tempo, tentando me desvencilhar – Calma, filho.

Paro de relutar e aperto os olhos, enquanto enterro a cabeça no seu abraço e deixo o choro fluir por mim.

—Isso. Vai passar...- Ele fala, passando a mão calejada pelo meu cabelo de maneira fraterna – Eu sinto muito, Samuel.

—Então para, para porra! – Digo, entredentes – Para de caçar aquela coisa!

—Não posso. – Ele sussurra, pesaroso – Você sabe que não.

Me solto dele, e enxugo o rosto com raiva, esfregando a manga do moletom até a minha pele arder.

—Você sabe, Samuel. – Ele reforça, o olhar firme – Do contrário, não teria dado a Hazel o colar, não é?

O olho com dor nos olhos.

—Como...? – Questiono – Como sabe do colar?

Ele dá de ombros e suspira, enfiando as mãos em sua jaqueta de couro enorme e pesada.

—Eu encontrei ela no pórtico antes de entrar...- Ele diz, respirando fundo – Você tem medo, Samuel. E isso é bom, isso é ótimo. Eu sei o que você teme, filho.

—Não, eu não quero falar sobre isso com você. – Reluto, mas ele não deixa isso o impedir de continuar.

—Não tem problema, você não precisa falar. Eu só sei, filho. – Seus olhos cor de carvalho me encaram bem na alma – Você sabe que ela pode acabar como...

—Não, por favor! – O interrompo – Não diga isso.

—Tudo bem. – Ele diz, erguendo as mãos no ar, como quem diz “não estou armado, percebe?”— Não vou dizer. Mas você sabe tanto quanto eu, que enquanto o demônio de olhos amarelos estiver por aí, nenhum de nós estará a salvo.

Faço que não com a cabeça.

—Eu não vou sair do lado dela, nunca. Ele nunca vai colocar as mãos nela! – Meu choro de raiva continua a cair.

—Eu também não saí do lado da sua mãe. – Ele diz com o olhar dolorido – Mas, filho...tudo bem. Eu não vou me meter, não vou mesmo! – Ele diz ao se aproximar de novo – Eu já sei que não adianta. Vocês estão apaixonados um pelo outro, e ninguém vai colocar juízo na cabeça jovem de vocês...Mas eu preciso que você entenda que eu preciso continuar atrás dele.

—Dean e eu precisamos de você, John! – Digo, sem acreditar que vou me humilhar por ele de novo – Fica, por favor. Fica dessa vez. Vamos tentar ter uma vida aqui...

Ele sacode a cabeça, de um lado para o outro.

—Pai, por favor...- Digo, me amaldiçoando mentalmente por ser tão vulnerável – Eu preciso de você por perto. Dean precisa de você por perto.

John Winchester dá um passo para trás, e respira fundo, olhando pela janela por um momento, pensativo.

—Vocês precisam de mim na estrada, precisam de mim lutando contra a coisa que acabou com a nossa família. – Ele diz de maneira dura – Um dia, você vai me entender.

—Um dia você vai me entender também. – Digo, o coração ferido, mais uma vez pela mesma pessoa que torna a me deixar de novo e de novo – Vai entender que não posso perdoar você por ir embora todas as vezes.

—Posso viver com isso. – Ele dá de ombros, e respira fundo – Se significar que todos fiquem vivos, consigo viver com a sua raiva, Samuel. Vivi com ela por dezessete anos e posso viver por muitos mais.

Ficamos em silêncio por um tempo, eu controlando a minha respiração e o meu choro, ele apenas me encarando.

—Ela precisava conversar, Amélie...- Ele diz quebrando o silêncio, voltando ao assunto que trouxe o início dessa conversa. Apenas o encaro e o escuto, sem expressão nenhuma no rosto – Eu também, para ser honesto. Está assustada por se ver sozinha pela primeira vez, e conversamos a noite inteira. De manhã...eu não sei, ela me beijou e eu retribui. Não sou inocente, mas não fui eu quem...bom, enfim. Isso não importa. Não vai mais acontecer, e me desculpe de verdade por ter feito isso. Vai contar para a garota?

Faço que não com a cabeça, e me encosto na parede, me sentindo fraco.

—Tudo bem. – John diz – Eu...

—Você precisa ir, já sei. Vai embora logo. – Digo com raiva na voz. – Ah, na verdade, Dean precisava falar com você antes de você ir.

—Eu encontrei com ele na cidade. Ele já me disse o que queria. – John diz, pegando sua mochila perto a porta.

—Então ótimo. – Digo, os dentes trincados. Quero gritar para que fique. Quero gritar e dizer que preciso do meu pai por perto. Mas não o faço – Vai embora.

Ele assente, colocando a mochila nas costas. Quando ele caminha até a porta, e coloca a mão na maçaneta, vejo ele hesitar por um momento.

—Obrigado, Sam. – Ele diz. Fico confuso, o encarando. – Por me odiar tanto. Eu sei o que seu ódio significa. – Ele sorri para mim tristemente, me dilacerando um pouco mais – Significa que você me ama. Eu também te amo, filho.

Olho com raiva para o chão, lutando contra as lágrimas, mas então sorrio.

—Você me chamou de Sam. – Digo, olhando-o. Ele sorri debochado.

—Não chamei, não.

John Winchester sorri por um breve momento.

E então vai embora.

Mais uma vez, como sempre faz.

Me encosto na parede, e deixo as lágrimas caírem.

Eu só queria que o meu pai ficasse.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.