Ponto de vista de Sam Winchester – 1999.

—Ninguém vai tentar matar ninguém, foi só uma expressão, Dean...- Acrescento, me levantando da cama apressadamente– Igual quando eu enchi a saída de ar do Impala com glitter e você disse que “ia me matar” – Faço aspas no ar, realmente nervoso com o quanto da conversa ele havia ouvido – Sacou?

—Oi, Dean... – Hazel, que até então estava em silêncio, resolve se levantar e cumprimentar Dean – Nos conhecemos antes...

Dean fica olhando de mim para Hazel com um ar desconfiado.

—Oi, Hazel. – Meu irmão ergue as sobrancelhas e pigarreia – Não sei não, Sammy. Seu tom parecia sério demais para ser “só uma expressão” – Dean imita minhas aspas no ar com o olhar semicerrado. Hazel dá uma risadinha e ambos olhamos para ela.

Sammy? Que apelido bonitinho, Sam...- Sinto minhas bochechas arderem e coço a nuca, meio envergonhado. Quando estou perto de Dean, viro o “irmão caçula” e essa não é a energia que eu quero passar para ela.

—É, é uma gracinha, igual o cabelo dele! – Dean bagunça o meu cabelo e me dá um sorrisinho, se divertindo com a situação.

—Há há, vocês dois são mesmo muito engraçados... – Falo isso com a voz entediada, tentando passar um ar de quem não ligou para as provocações – Mas, sério, Dean. Foi mesmo só jeito de falar.

—Bom, se ninguém vai tentar matar ninguém, então acho que está tudo bem, não é mesmo? – Dou um suspiro de alívio porque, aparentemente, ele comprou a coisa toda. Ainda estou muito baqueado pelo que Hazel me mostrou, mas essa descontração me ajudou um pouco – Sammy, sua amiga vai passar a noite? – O olhar do meu irmão é provocador agora, e ele dá ênfase na palavra “amiga”. Olho para Hazel, e dou um sorriso.

—Ela vai sim...- Respondo. Hazel olha para o chão, meio sem jeito.

—Eu...só se não for atrapalhar... – Ela coloca uma mexa do cabelo para trás da orelha. Dean dá um sorrisinho para ela.

—De forma alguma, vizinha. Acho justo já que noite passada o meu irmãozinho se esgueirou para dentro do seu quarto, não é mesmo, Sammy? – Fuzilo Dean com o olhar, mas ele não parece se importar – É, eles crescem tão rápido...bom, fique à vontade, garota. Eu vou estar no meu quarto, bem quietinho, sem atrapalhar ninguém...- Dean dá uma piscadela para Hazel, que a essa altura já está com as bochechas ardendo, assim como eu – Nem para bater na porta...- Ele sussurra isso e sai pelo corredor, deixando a gente finalmente em paz.

Fecho a porta devagarzinho e nós nos encaramos.

—Foi mal, El. O meu irmão é...- Dou um suspiro e procuro na minha mente uma palavra que descreva o que quero dizer, mas não encontro – Ah, o Dean é muito “Dean”. Não tem outro jeito de explicar, é o jeito dele...

—Ele é legal, deve ser legal ter um irmão...- Sua voz sai meio pensativa, e ela faz uma careta quando aponta para um pôster de uma tabela periódica que está pendurada na minha parede – Sério?

Dou uma risada.

—Que foi? Todos os elementos químicos que existem me parecem importantes o suficiente para ficarem na minha parede! – Ela dá uma risada e sacode a cabeça de um lado para o outro, como se quisesse dizer “Você não tem jeito” – O que eu devia ter na minha parede, afinal? – Chego pertinho dela e ela fica com um olhar pensativo.

—Um pôster da sua banda favorita, como todo adolescente normal...e por falar nisso, qual é sua banda favorita? Você nunca me disse! – Sorrio de lado, feliz por ela ter perguntado. Caminho até o meu CD player e aperto o play.

Hazel Laverne fica na expectativa e dá uma risada quando a voz de Roland Ozarbal começa a cantar.

Tears for fears, é? – Ela diz erguendo as sobrancelhas.

—Você já quebrou o meu coração uma vez por não gostar da melhor bebida quente que existe, Laverne, não vá me dizer que você não gosta da melhor banda dos anos 80 que já existiu! – Ela começa a rir, e ergue as mãos como se ela se rendesse.

—Eu não sei, eles nunca me convenceram, só isso! – Eu começo a rir e aumento um pouco o volume.

—Ah, não! Isso precisa mudar! Sente a música, não é possível não se convencer...- A risada dela aumenta quando eu decido cantar junto com a música, de um jeito desafinado propositalmente – Something happens and I’m head over heeeeeeels— Aponto para ela e ela se mata de rir, e eu continuo - Ah, don't take my heart, don't break my heart!— Envolvo Hazel em meus braços, ela ainda rindo e eu também – Don’t, don’t, don’t throw it away!

Cambaleamos e acabamos caindo na cama, os dois rindo muito com a minha performance, meu corpo por cima dela. Quando o ar começa a faltar em nossos pulmões, vamos nos acalmando e o tempo parece se paralisar por um momento, para mim. Ela tem um sorriso tão bonito.

Se eu pudesse, faria com que ela sempre estivesse assim, como agora: O rosto vermelho, os cabelos bagunçados por todo seu rosto, o sorriso após uma longa gargalhada. Nenhum traço de dor, de solidão.

Se meus olhos fossem câmeras, teria capturado esse momento como uma foto.

Dou um suspiro longo, e tiro os cabelos espalhados que estão na frente dos seus olhos.

—E então? Convencida? – Fito seu olhar, suas pupilas muito dilatas pela escuridão. A única luz vem da lua, cujo raios entram pela janela enquanto uma garoa se inicia lá fora.

Ela assente, e passa as mãos pelo meu cabelo, acariciando a minha nuca e fazendo com que o meu corpo inteiro se arrepie. A adrenalina da risada ainda correndo pelo meu corpo dá lugar a um tipo diferente de adrenalina que começa a percorrer minhas veias.

—Acho que depois de uma performance dessas, não tem nem como não se convencer...- Seus olhos encaram os meus, de um jeito muito profundo. E fico com medo de ela ouvir os meus batimentos cardíacos se acelerando, porque do jeito que sinto o meu coração socando o meu peito agora, temo que dê para ouvir até lá da esquina.

Os olhos de Hazel, que antes encaravam os meus, passam a encarar a minha boca. E eu sinto uma fisgada no meu abdômen todas as vezes que ela faz isso.

—Hazel...eu gosto muito de você. – Meu coração acelera ainda mais, porque quero que ela saiba o que significa para mim. Parece tão difícil expressar algo tão complexo, mas parece mais ainda difícil de guardar como um segredo só para mim – Eu não sei como não soar jovem e estúpido, mas eu estou louco por você.

Hazel sorri para mim, com as maçãs do rosto avermelhadas.

—Nós somos jovens e estúpidos, Sam. Não tem nada de errado com isso. E só para o caso de não ter ficado claro...estou louca por você, também. – Sorrio, me sentindo aceito por quem eu realmente sou, pela primeira vez na vida.

—Já que estabelecemos nossa loucura...Como deseja matar o tempo? – Provoco, como se eu não soubesse.

Seu corpo fala comigo. Sempre.

—Eu quero que você me beije, como me beijou mais cedo... - Sua voz sai sussurrada, e eu sinto o meu corpo se tencionar.

Coloco a minha boca perto da sua orelha, e falo bem baixinho.

—Não há pedido que você me faça assim...que eu não atenda – Consigo ver seu pescoço se arrepiando quando digo isso, e isso faz algo inexplicável com o meu corpo. Causar nela exatamente o que eu tenho a intenção de causar, é prazeroso demais para mim. É como se eu soubesse quais botões apertar. É como se eu soubesse de tudo.

Colo meus lábios na base do seu pescoço, e sinto o seu cheiro. Ela usa um perfume floral, e sinto o seu corpo se mexendo de leve quando começo a beijar o seu pescoço, devagar enquanto traço um caminho até a sua boca. Sua respiração está pesada quando nossas bocas se tocam, e a minha respiração imita a dela, quando sinto o sabor da sua língua na minha. Busco sua cintura com as minhas mãos, e é inevitável encaixar o meu quadril com o dela.

Sinto uma sensação intensa no meu abdômen, como se fogo se espalhasse pelo meu interior causando um incêndio. E o meu corpo inteiro parece formigar quando o beijo se intensifica, fica mais voraz. Ela disse mais cedo que a nossa história não vai acabar bem, mas por deus...minha ruína parece tão atraente.

Minha ruína arde, deliciosamente, queimando-me por completo.

XXX

Ponto de vista de Hazel Laverne.

O peso suave dos seus quadris nos meus me excita ao ponto de morder o lábio inferior dele, e isso faz com que Sam me abrace com um pouco mais de força, sua respiração pesada e quente me envolve, e enquanto eu passo as mãos no seu peitoral, decido que quero tentar algo. Interrompo o beijo por um breve momento e ele fica me olhando, a boca vermelha e o olhar de desejo. Decido tirar as minhas luvas, as atiro no chão.

Nunca toquei em uma pessoa mais do que uma vez, por causa das visões. Como já o toquei acidentalmente hoje...me pergunto se há perigo em tocá-lo novamente. Nunca explorei os mecanismos da minha maldição. Com a mão trêmula e os olhos nos dele, toco seu rosto.

Fecho os olhos esperando pelo pior. Mas nada acontece.

Um alívio enorme consome o meu corpo, e quando reabro os olhos, ele está sorrindo.

—Acho que você pode me tocar sempre que quiser, agora...- Faço que sim devagarzinho com a cabeça, e passo as mãos no seu peito, sentindo os seus batimentos cardíacos com as pontas dos meus dedos. Sam Winchester me olha fundo nos olhos, parece um pouco constrangido.

—Você consegue sentir, né? Como o meu coração está acelerado...- Confirmo com a cabeça, e ele aperta de leve minha cintura com suas mãos. Todas as vezes que ele faz isso, é como se o meu corpo se encandecesse.

—Fica tranquilo, Sam. O meu também está assim...- Digo, porque é verdade. Meu coração está quase saindo pela boca, confuso por tantas emoções misturadas.

—Pelos motivos certos? – Ele questiona, pensativo. Fico confusa.

—Hm, motivos certos? – Sam assente, o olhar preocupado.

—Quero saber se está com o coração acelerado por estar nervosa, e quero que saiba que não precisa ficar. Nós vamos ir devagar, lembra? – Ele acaricia o meu rosto, sua respiração está profunda – Sei que o meu irmão fez umas insinuações, sei também que nós vivenciamos uma tensão sexual intensa ontem e agora que nos beijamos e vamos dormir juntos novamente...acho que estou tentando dizer que não quero que você se sinta pressionada ou desconfortável. Eu só quero fazer você se sentir bem, El.

—Meu coração está acelerado porque você faz eu me sentir bem, Sam... – Asseguro isso a ele, que se deita ao meu lado – Mas já que você tocou no assunto, eu queria conversar com você sobre algumas coisas...- Umedeço os lábios e suspiro antes de prosseguir – Como você deve imaginar...hm, eu sou virgem— O meu rosto queima ao falar a palavra de fato. Isso me mostra o quão imatura eu sou com relação a esse assunto, e faz com que eu queira me bater. Ele me escuta com atenção, quase nem pisca – E eu fico insegura porque eu não faço ideia de como...de como sexo funciona, e quando eu estou com você eu sinto umas coisas intensas que me deixam confusa e a minha cabeça entra em conflito com o meu corpo.

Ele absorve as minhas palavras com atenção e então diz:

—Se lembra que ontem eu te disse que consigo ler o seu corpo? E que sei que o seu corpo acaba seguindo o meu? – Assinto, ele continua – É porque o contrário também acontece, Hazel. O meu corpo também segue o seu. Por isso fui tão relutante em te beijar ontem, porque sabia que as coisas iam esquentar e eu não acho que nenhum dos dois teria controle para parar. E eu sabia que, no dia seguinte, íamos nos sentir culpados. Eu, por uns motivos, você, por outros.

—Por quais motivos você se sentiria culpado? – Reflito sobre tudo o que ele disse, enquanto ele responde:

—Se tivéssemos transado ontem, eu me sentiria culpado por ir tão depressa com você, por deixar o meu corpo falar mais alto do que a minha cabeça. O meu maior medo é machucar você, magoar você. – Seus olhos oceânicos transbordam ondas de preocupação.

—E pelo quê eu me sentiria culpada? – Quero saber o que ele pensa. Sam suspira.

—Por se entregar a desejos momentâneos sem parar para analisar a situação. Quer entender melhor? Você consegue me responder se você se sente pronta para isso? – Pondero por um momento, porque não há um consenso.

Meu corpo queria ontem e quer agora. E minha cabeça está confusa.

—Eu me sinto pronta...mas eu não sei se estou – É a melhor resposta que consigo chegar.

—Esse é o ponto que eu queria chegar, ontem a noite...você iria parar para pensar nisso? – Sacudo a cabeça em negativa, e ele continua seu raciocínio – E como ia se sentir na manhã de hoje?

—Em conflito...confusa...e culpada – Ele assente quando termino de falar.

—Ao te beijar hoje, ao te convidar para dormir comigo novamente, eu não tive outra intensão a não ser estar com você, Hazel. E caso tentasse transar comigo, eu não ia ir adiante. Ia querer ter uma conversa como essa, porque essas coisas importam, muito... – Ele me dá um selinho, que eu retribuo enquanto ele segura a minha mão – É muito importante para mim que você saiba que está segura...e que pode falar sobre absolutamente tudo comigo.

Dou um longo suspiro, e já que ele disse que podemos falar sobre tudo... tenho vontade de saber algo:

—Como foi para você? Quando você...? – Sam franze o cenho, sem entender, então termino a minha frase – Como foi para você perder a sua virgindade? Você ficou nervoso?

O rosto dele fica levemente vermelho, e ele pigarreia:

—Eu também sou virgem, Hazel. – Fico surpresa, por ele ser mais velho e também porque ele sempre parece saber o que está fazendo. Ele suspira e continua – Essa foi a conversa mais madura que eu tive sobre o assunto em toda minha vida, nunca nem comprei uma camisinha, não faço ideia de como colocar uma e me sinto como você... pronto, mas também não sei se estou. Acho importante te dizer todas essas coisas porque queria que você soubesse disso tudo, antes que rolasse.

—Qual o seu maior medo? Com relação a isso? – Ele se abriu tanto comigo, que quero me abrir com ele também.

—Tenho medo de te machucar, de não saber o que estou fazendo, meu deus...são tantas coisas...e quanto a você? Quais os seus medos? – Ele me olha interessado, e eu respiro fundo antes de responder.

—Tenho medo de tanta coisa...dizem que dói, né? A primeira vez. Medo de não saber o que fazer, também... – Estamos deitados, virados um de frente para o outro, e eu percebo que a chuva se intensificou lá fora. Ele acaricia a minha mão, e é tão bom senti-lo sem aquelas malditas luvas...me sinto livre.

—Se acontecer um dia...eu prometo que vou ser extremamente cuidadoso e eu vou prestar muita, muita atenção em absolutamente tudo. Mas até lá...- Ele sorri e se aproxima de mim, me beijando de levinho – Eu vou te beijar muito. Vou te beijar nessa cama aqui, que você está agora. Vou te beijar na biblioteca, quando você for se encontrar comigo as escondidas...vou te beijar no ginásio da escola, depois do horário comum onde ninguém vai...vou te beijar furtivamente, lá naquela árvore que fica no fim da rua...

Ele me faz arfar quando diz essas coisas. Sam vem se aproximando de mim e me beija com intensidade, acariciando as minhas costas de leve, e então ele para por um momento e me encara, pensativo. Depois, puxa o meu pulso enfaixado para perto do seu rosto e o beija, devagarzinho.

—Eu quero fazer uma coisa, El. Quero muito fazer uma coisa. E eu te juro que não é com o intuito sexual. Você confia em mim?

Meu coração bate mais rápido, e eu confirmo com a cabeça.

—Você pode se sentar? Na beira da cama, de costas para mim? – Fico confusa, mas faço o que ele pede – Posso tirar a sua blusa? – Ele sussurra no meu ouvido. Engulo em seco, tímida – Não vou ver nada além das suas costas, prometo.

—Pode...- Respondo baixinho, sem entender onde ele quer chegar com isso, eu mesma mostrei as costas para ele a uma hora atrás. Sinto suas mãos removerem a blusa e a regata que estava por baixo dela, e mesmo estando de costas para ele, é instintivo cobrir os seios com as mãos.

Sam se aproxima de mim por trás, e seus dedos traçam um caminho em minhas costas, lentamente, como se fosse um mapa. E então, por onde seus dedos passaram, traça beijos suaves e ternos percorrendo cada hematoma exposto, com cuidado. Fecho os olhos e sinto o seu carinho, finalmente entendendo o que ele está fazendo...está fazendo exatamente o que fez com o meu pulso, segundos atrás. Ele me beijou em todos os lugares onde eu fui ferida.

Está ressignificando o meu corpo; Cobrindo com ternura o que antes foi coberto por violência.

—Queria que eu pudesse fazer isso desaparecer...- Ele diz, a voz pesarosa.

—De certa forma...você fez. – Sinto uma lágrima querendo cair do meu olho, porque nunca me senti tão importante para alguém antes. Mas eu seguro. Guardo a lágrima como um segredo dentro da caixinha do meu olho.

—Vou me levantar, mas não vou espiar você, prometo. Só vou pegar uma camiseta minha para você vestir, vai ficar mais confortável assim...- Sam se levanta sem olhar para mim, e escolhe uma camiseta na cor preta e estende o braço para me entregar ela, o rosto virado para o lado oposto. Me visto rapidamente e digo a ele:

—Já pode se virar... - Ele o faz, e coloca os braços ao meu redor.

—A gente devia dormir, agora. Está tarde...- Ele parece cansado, drenado fisicamente e emocionalmente, também. Começamos o dia de um jeito tranquilo...

E agora sei que monstros são reais e ele sabe que eu, aparentemente, também sou paranormal. Acho que pode-se dizer que foi um dia e tanto.

No entanto, minha mente está em estado de alerta. Não falta muito para os meus pais retornarem para casa, e eu e Sam não teremos essa liberdade que estamos tendo. Sem contar as coisas que ele disse mais cedo...Sam claramente não vai evitar conflito, caso chegue a tanto.

Temo ser responsável por um desastre anunciado.

—Ei, você está sem sono? – Ele me pergunta, acariciando a minha mão.

—Eu estou meio agitada, foi um dia intenso... – Ele ri e concorda com a cabeça, colocando as mãos no meu rosto.

—E se eu ler para você? – Ele propõe – Pode escolher qualquer livro da minha prateleira. Tenho certeza que consigo silenciar a sua mente elétrica com uma boa história. Enquanto você decide qual, eu vou me trocar...

—Me parece uma boa ideia, Winchester...- Ele não precisa dizer duas vezes, já estou mexendo em todos os seus livros para decidir qual quero que ele comece a ler para mim. Ele tem “O processo” de Kafka, “O mercador de Veneza” por Shakespeare, “O sol é para todos” da Harper Lee...

Conforme vou mexendo em seus livros, percebo um padrão entre eles.

—Todos os seus livros tem o tema judici...- Estava falando isso me virando para Sam, que já estava com uma calça de moletom para se deitar, mas não tinha uma camiseta ainda. Tento recobrar a frase de onde parei, fingindo não estar completamente afetada pela visão em minha frente. Ele é muito gostoso— Judicial. Hm, você se interessa pelo assunto?

Sam Winchester parece notar meu pequeno colapso, e sorri provocativo por isso. Ele veste a camiseta e anda em minha direção:

—Eu gosto muito do assunto, eu acho que gostaria de ser um advogado um dia... – Suspiro de alívio por ele ter apenas seguido com a conversa – Esse aqui é o meu preferido...

—Então é esse que eu quero que você leia hoje... – Constato. Sam pega seu exemplar de “O sol é para todos” e se deita na cama, olhando para a janela enquanto eu tiro a calça jeans e me cubro com o seu edredom, me aconchegando em seu peito.

XXX

Ponto de vista de Sam Winchester

O que me acorda é a luz do sol irradiando pela janela. Quando faço um movimento para ver que horas são, percebo que adormeci com o livro no meu colo então o deposito na cabeceira, silenciosamente, para não acordar Hazel.

Dou um breve sorriso ao vê-la encolhida na cama, segura. Serena.

Estou ficando mal acostumado por tê-la comigo, assim. Dormir com ela faz com que eu não tenha pesadelos...faz com que eu me sinta descansado de verdade. Dou um suspiro ao ver que acordei cedo demais. São 07:00AM, e por ser domingo, esperava dormir mais um pouco, mas agora que estou desperto não vou conseguir voltar a dormir nem se tentar. Saio da cama de fininho, e ajeito o edredom para que Hazel fique bem quentinha. Após escovar os dentes, desço as escadas e acabo topando com Dean na cozinha, lendo um jornal enquanto come um cereal colorido que me dá ânsia só de olhar.

Ele come porcaria demais.

—Ué, caiu da cama? – Dean diz a mim. Abro a geladeira para pegar um suco enquanto tento ao máximo evitar o olhar do meu irmão. Sei muito bem que ele deve estar morrendo para falar alguma gracinha.

—Eu dormi muito bem, então me sinto descansado... – Tomo um gole do suco e dou de ombros. Dean sorri para mim, e tento decifrar se é um sorriso provocador ou sincero e honestamente não consigo chegar em uma conclusão.

—A garota ainda está na cama? – Assinto. Ele enfia uma colher de cereal na boca e fica me olhando curioso – E você dormiu muuuuito bem mesmo, é? É assim que vocês jovenzinhos falam hoje em dia?

Suspiro, tentando buscar paciência no centro do meu ser.

—Dean...nem começa, ok? – Meu irmão mais velho se levanta, a tigela de cereal em mãos, parecendo uma criança na manhã de natal cujo o presente é o meu constrangimento, e coloca a mão no meu ombro.

—Relaxa, Sammy. Você precisa ser menos tenso, sabia disso? Só estou feliz por você, garoto mal humorado...- Dou mais um gole no suco e ele continua me olhando com os olhos curiosos, quase que em expectativa por algo.

Que foi? Por que tá me olhando assim? – Pergunto levemente irritado. Dean infla as narinas.

—Ah, pelo amor de deus, garoto! Você é o meu irmão caçula e trouxe uma garota para casa pela primeira vez. Vai me fazer perguntar mesmo, é? – Ele resmunga impaciente – Como é que foi? Você usou camisinha? – Ele pergunta tudo rápido demais e quase que sussurrando. Me levanto, constrangido e faço uma careta para ele.

—Dean, você é impossível, sério! – Respiro fundo, querendo enfiar a cabeça na terra igual fazem os avestruzes – Não é...Hazel e eu, é...nós dormimos, ok? Eu li para ela e depois a gente dormiu, matou sua curiosidade? Vai me deixar em paz? – Dean até para de comer o seu cereal, os olhos arregalados para mim, o queixo caído.

—Você fez isso mesmo? Sammy! Quem é que traz uma garota para dormir na sua casa e para ela?! Ah, Sammy...- Ele sacode a cabeça de um lado para o outro, e aí eu me irrito.

—Ei, El e eu, não é nada como seja lá o que você esteja pensando, ok? – Agora quem infla as narinas sou eu – É algo...sério.

—É...é pior do que eu pensava...- Ele constata – Se apaixonou. Meu irmãozinho foi abatido...

—Quer saber? Eu vou correr um pouco...preciso organizar a minha cabeça. Volto em quarenta minutos. Se ela acordar, por favor, não a constranja com as suas gracinhas, ok? – Ergo as sobrancelhas e encaro ele, na expectativa de que ele tenha entendido.

—Sim, senhor rabugento. Pode ficar tranquilo...- Dean rola os olhos para mim – Palavra de escoteiro.

—Você nunca foi escoteiro...- Observo. Dean termina seu cereal e faz uma careta para mim.

—Você é o inimigo do humor, sabia disso? – Agora quem rola os olhos para ele sou eu.

XXX

Correr me acalma. Amo a sensação de ardência nos meus pulmões e a maneira como os meus músculos parecem estar em chamas. Isso me ajuda a não pensar em nada, posso focar apenas na dor física e na exaustão.

Estou tão preocupado com toda a situação com a Hazel, envolvendo o pai dela e os perigos iminentes em nossas vidas, que precisava liberar isso de alguma forma. Dei três voltas no quarteirão e já estou pingando de suor quando chego na nossa rua, decidindo que chega por hoje. Estou respirando fundo na calçada, me recuperando enquanto me apoio nos meus joelhos quando o meu coração congela.

O Mustang branco de Harvey Talbot acaba de estacionar na frente da casa da Hazel.